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Provável vitória de Putin nas urnas põe em risco estabilidade política na Rússia, dizem especialistas

Fernanda Calgaro

Do UOL, em Londres

03/03/2012 08h00

A vitória tida como certa de Vladimir Putin, atual primeiro-ministro russo, nas eleições presidenciais marcadas para este domingo (4) colocam a estabilidade política da Rússia em sério risco e marca o início do declínio da era Putin, avaliam pesquisadores e especialistas em relações internacionais ouvidos pelo UOL.

"A pressão da sociedade por mudança, menos corrupção e mais transparência bate de frente com a intenção de Putin e seus aliados de manterem em operação o sistema criado por eles nos últimos 12 anos, que serve aos interesses deles", analisa Sir Andrew Wood, embaixador britânico na Rússia de 1995 a 2000 e membro do Chatham House, renomado instituto de análises políticas do Reino Unido.

Para Irina Semenenko, pesquisadora do Imemo, um dos principais centros de estudos políticos e econômicos em Moscou, o cenário certamente vai mudar após as eleições. "A estabilidade política e, consequentemente, do governo Putin, está em xeque", avalia.

"Com a oposição de mãos atadas, sem poder participar plenamente do processo eleitoral, as pessoas criticam a falta de opções de candidatos e receiam que ocorram fraudes nas eleições. Por conta disso, Putin dificilmente conseguirá se eleger novamente ou fazer um sucessor. O declínio do seu governo é inevitável."

Apesar das manifestações contrárias, Putin tem conseguido manter a sua popularidade em alta. Dados recentes do Levada-Center, o maior instituto independente de pesquisa da Rússia, apontam que as intenções de voto para Putin alcançam de 63% a 66% dos eleitores que pretendem votar.

"A indignação tem partido de moradores dos grandes centros urbanos, mais bem informados e letrados. Aos olhos da maioria do povo russo, sobretudo na camada mais idosa, o governo Putin proporcionou algumas melhorias, que lhe garantem votos. Além disso, a falta de oponentes com projeção dá ainda mais visibilidade ao Putin", avalia Irina.  

Protestos

O descontentamento de setores da sociedade russa, especialmente a classe média urbana, começou a dar mostras quando, em 2011, Putin anunciou que concorreria a uma terceira temporada no Kremlin. Após dois mandatos consecutivos como presidente, Putin assumiu como premiê e fez do aliado Dmitry Medvedev seu sucessor. No entanto, a percepção geral é que Putin continuou dando as cartas.

Com os escândalos de suspeita de fraude nas votações parlamentares de dezembro, o clima esquentou e a população foi às ruas. Com placas de "fora Putin", milhares de opositores do regime realizaram diversos protestos em Moscou e São Petersburgo, os maiores desde o colapso da União Soviética. "A determinação de Putin e seus aliados em continuar no poder indefinidamente enfureceu muitos eleitores", diz Wood.

Para aplacar os ânimos, Putin fez concessões a alguns setores da sociedade. "A situação exigiu que ele incorporasse um tom mais populista e nacionalista em sua postura. Já foram anunciados aumentos significativos de salário para funcionários públicos e há a promessa de implementar outros mais dentro de um a três anos", avalia Alex Pravda, diretor do centro de estudos russos da Universidade de Oxford.

O problema, segundo Irina, é que as medidas não contemplam necessariamente todos os setores da massa descontente. "Putin focou nos idosos, militares, professores e profissionais da área da saúde. Isso explica em parte por que a sua popularidade continua em alta. Os intelectuais e a classe média, que são os principais mobilizadores nos protestos, ficaram de fora", afirma.

Futuro incerto

Se o clima no país já é de tensão, a expectativa é que os embates entre a classe média e o governo só aumentem. Para Max Wind-Cowie, do instituto britânico de pesquisa Demos, Putin tem a opção de fazer um governo reformista, mas, diante do seu perfil e do histórico dos seus dois mandatos como presidente, isso é improvável de ocorrer.

"Putin, com a sua fama de durão, governou com mão de ferro e a chance maior é que ele vá por esse mesmo caminho. Ele não tem o perfil de reformista, ao contrário do atual presidente, que estava tentando implementar políticas mais preocupadas com a inclusão social."

Ex-integrante da KGB, o serviço secreto russo, hoje rebatizado de Serviço de Segurança Federal (FSB), Putin montou uma estrutura no governo semelhante à que ele estava acostumado, com diversos aliados nos cargos de confiança. "Ele não aceita ser contestado. No entanto, a sociedade está cansada do jeito déspota e autoritário dele de governar. Certamente virão mais confrontos pela frente", prevê Wind-Cowie. Logo no primeiro dia após as eleições, um protesto da oposição está marcado e promete reunir milhares em Moscou.

Também bastante pessimista em relação ao futuro, Andrew Wood argumenta que "a chance de as coisas darem errado na Rússia durante os próximos anos é real e que a elite governante precisa se adaptar às demandas da sociedade." Num relatório elaborado em conjunto com outros três autores, ele aponta que, apesar do Putin ter prometido melhorias do ponto de vista econômico, não foi traçada uma estratégia clara de como isso será colocado em prática sem que haja mudança nas instituições, consideradas por muitos como sendo corruptas e burocráticas.

"A economia não está em declínio, mas as projeções não são promissoras, em especial por causa da incapacidade russa em lidar de forma eficaz com crises econômicas e a volatilidade do preço do petróleo", diz o texto. A queda no tamanho da população em idade economicamente ativa é apontada como um dos principais fatores que vão impactar a Rússia nos próximos anos.

Estimativas publicadas no relatório apontam que, até 2030, o país vai perder 11 milhões da força de trabalho, composta hoje por 102,2 milhões de pessoas. Sem políticas fortes para atrair mão de obra qualificada do exterior para compensar, a situação é sombria. "A solução poderia estar na modernização do ambiente de negócios, na aplicação de leis mais rigorosas e numa reforma institucional, mas há poucos sinais de que isso venha a ocorrer", afirma Wood.