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Antecipar retirada das tropas do Afeganistão pode demonstrar fraqueza de Obama, diz professora

Bia Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

14/03/2012 06h00

Com os recentes e polêmicos episódios envolvendo soldados americanos no Afeganistão, a discussão sobre a permanência das tropas da Força Internacional de Assistência para Segurança (Isaf) no país, após uma década de ocupação, foi retomada. 

Área: 647,5 mil km2
Presidente: Hamid Karzai
Independência: 19 de agosto de 1919
Línguas oficiais: pashtu e dari
Religião: muçulmana
População: 33, 6 milhões
Expectativa de vida: 43,95 anos
Índice de desemprego: 8,5%
PIB: US$ 23 bilhões

Segundo o jornal The New York Times, a antecipação da saída vem sendo debatida há semanas por altos funcionários do governo norte-americano, e o assassinato de civis por um soldado americano, no último dia (10), só reforçou a hipótese. 

Este é o terceiro caso registrado em 2012 que provocou duras críticas às tropas americanas. Em janeiro, um vídeo que mostrava soldados do país urinando em mortos foi duramente criticado, e autoridades americanas precisaram se explicar. Um mês depois, exemplares do Alcorão foram queimados na base aérea de Bagram, perto de Cabul. Inúmeros protestos ocorreram no país e cerca de 40 pessoas foram mortas. O presidente americano Barack Obama pediu desculpas ao presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, pelas cópias queimadas, em uma tentativa de diminuir a onda de violência.

Mas para a professora de Relações Internacionais da Unifesp e de pós-graduação da Unesp, em Marília, Cristina Pecequilo, nenhuma dessas polêmicas deve fazer Obama mexer no cronograma de retirada das tropas americanas, pelo menos não em um primeiro momento.

“O cronograma previsto pelo governo norte-americano para a retirada das tropas do Afeganistão não deve ser mudado porque estamos em ano eleitoral. Quanto menos esse assunto aparecer na pauta, melhor para Barack Obama, que é candidato à reeleição pelo Partido Democrata”, disse Cristina. “Mudar agora é mais arriscado porque pode demonstrar uma fraqueza”, acrescentou.

Para ela, os países envolvidos na ocupação discutem a antecipação da retirada, mas isso só deve ser colocado em prática se algum fato novo surgir para acirrar a disputa entre republicanos e democratas nos Estados Unidos. “As críticas do Congresso são normais até agora. Mas, em setembro e outubro, com a corrida eleitoral ficando mais acirrada entre os dois partidos, talvez Obama seja pressionado a mudar, principalmente se estiver perdendo terreno.”

Sentimento anti-EUA

Enquanto a retirada não acontece, cresce o sentimento anti-EUA. Segundo a professora de Relações Internacionais, esses casos envolvendo soldados americanos acabam por fortalecer o Talibã e aumentar as críticas por parte da população afegã à ocupação.  

“Os casos recentes envolvendo soldados americanos fortalecem o Talibã e aumentam o sentimento de raiva contra as tropas estrangeiras. Esses abusos de direitos humanos e desvios de conduta precisam ser penalizados duramente”, disse Cristina. “Mas mesmo com toda a discussão desses casos, Obama só deve mexer no cronograma se um fato grande surgir durante a campanha eleitoral. Mudar agora é arriscado para ele e para a situação do Afeganistão”, disse Cristina.

Projeto fracassado

No dia 7 de outubro de 2001, os Estados Unidos, sob o impacto dos atentados de Nova York e Washington no mês anterior, e seu aliado britânico lançaram uma ofensiva contra o regime dos talibãs e a Al-Qaeda.

A rápida queda do regime fundamentalista foi saudada com euforia pela população cansada do controle brutal, que isolou e empobreceu um país já na miséria. Mas os talibãs voltaram a ganhar terreno a partir de 2005, e levaram Cabul e seus aliados a um novo conflito sangrento.

Os atos de violência se intensificaram a partir de 2007 e a cada ano mata mais soldados estrangeiros e civis. Em julho de 2011, Washington e a Otan iniciaram uma retirada progressiva de suas unidades militares.

Passado dez anos da primeira ação, a análise que a professora faz do projeto político da ocupação do Afeganistão é de que ele fracassou.

“Os Estados Unidos ainda tentam fazer acordos para mudar a situação do país com grupos que eles foram combater em 2001. Ainda há um esforço de estabilizar o país. Eles tiraram o inimigo do poder, mas não conseguiram aumentar a influência norte-americana”, disse. “O grande objetivo alcançado foi matar o Bin Laden, mas o aumento da influência na região não aconteceu. O país não mudou e, talvez, para mudar as tropas precisassem ficar muito mais tempo”, acrescentou.

Inicialmente, os soldados americanos e de outros países membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) darão por concluída a missão no território afegão no final de 2014. Neste momento, Washington tenta treinar as forças de segurança afegãs para que possam se revezar na segurança do país. Atualmente, os Estados Unidos têm 90 mil soldados no Afeganistão e cerca de 22 mil devem deixar o país em setembro.