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Defesa de Lugo entrou com ação na Justiça contra processo de impeachment

Guilherme Balza

Do UOL, em Assunção*

22/06/2012 09h38Atualizada em 22/06/2012 14h00

A defesa do presidente paraguaio, Fernando Lugo, entrou na manhã desta sexta-feira (22) com uma ação na Justiça de inconstitucionalidade contra o processo de impeachment que decide hoje se Lugo permanece no cargo.

A medida, fundamentada no direito de legítima defesa, visa suspender o julgamento político no Senado, alegando que o prazo concedido para a defesa e apresentação de provas contra o presidente é muito curto. A decisão foi anunciada pelo secretário-geral da presidência, Miguel López.

"O presidente reclama mais tempo para defesa", afirmou o porta-voz à imprensa, poucas horas antes do início do julgamento.

Para o advogado Luis Samaniego, um dos defensores de Lugo, o julgamento da maneira como está sendo feito "proíbe todo tipo de defesa".

“Por se tratar de um julgamento político, os prazos deveriam ser maiores. Este procedimento e inconstitucional. Não se respeita o devido processo”, disse Samaniego.

No entanto, segundo o jornal ABC Color, a Sala Constitucional, tribunal que analisaria o caso, não está em atividade porque os juízes Víctor Núñez e Gladys Bareiro de Módica estão viajando.

Clima

Por volta do meio-dia no Paraguai (13h de Brasília), uma multidão de partidários aguardava o presidente em frente ao Senado, onde ele era aguardado para responder às acusações. Policiais da Tropa de Choque fazem um cordão de isolamento no entorno do Senado. As ruas da região estão fechadas para o tráfego de veículos, assim como boa parte do comércio na área. No entanto, no restante da cidade, a vida aparentemente segue normal.

Lugo terá duas horas para apresentar a sua defesa. Em seguida, acontecem outras duas sessões de uma hora cada. A primeira será destinada à apresentação de provas contra o presidente e a segunda, para as considerações finais da acusação e da defesa. Às 16h30 (17h30 de Brasília), o Senado deve votar se Lugo permanece ou não no cargo.

São cinco as acusações que embasam o pedido de impeachment de Lugo, sendo a principal delas sua alegada responsabilidade pela morte de trabalhadores sem terra e policiais em um confronto no último dia 15.

Transporte reduzido e segurança ampliada

Na capital Assunção e na região metropolitana, a frota de ônibus foi diminuída em cerca de 30%, segundo empresários do setor declararam ao ABC Color. O impacto no transporte público da cidade se deve à redução do número de passageiros por conta da crise política que colocou o país em suspensão nesta sexta-feira.

Também devido à instabilidade política, o governo paraguaio reforçou a segurança nas imediações de diversos presídios e centros corregionais de jovens para evitar qualquer tentativa de fuga.

Presidente acusa oposição

Em entrevista à rede de TV "Telesur", na noite desta quinta, o presidente acusou o pré-candidato do Partido Colorado, Horacio Cartes, de estar por trás do pedido de impeachment. Disse ainda que se prepara com seus advogados para responder pessoalmente às acusações.

A equipe de defesa do presidente é formada por alguns de seus principais assessores e encabeçada pelo interventor do Instituto de Desenvolvimento Rural e da Terra (Indert), Emilio Camacho, que garantiu que o presidente promete respeitar a Constituição.

A vitória do ex-bispo em 2008 acabou com uma hegemonia de seis décadas do conservador Partido Colorado no país. Lugo é considerado o líder mais à esquerda que o Paraguai teve por décadas e faz parte de uma nova onda de esquerda que chegou ao poder em grande parte da América Latina na última década.

A próxima eleição está prevista para o ano que vem e há a expectativa de que o vice-presidente direitista Federico Franco, que tem feito críticas a Fernando Lugo, seja um dos candidatos.

Nesta quinta, ministros ligados ao Partido Liberal – o mesmo do vice-presidente –renunciaram após a abertura do processo de impeachment. O ministro da Agricultura, Enzo Cardozo, disse deixar o cargo em conformidade à decisão de seu partido, segundo declarações divulgadas pela imprensa paraguaia. Também deixaram o governo Humberto Blasco (Justiça e Trabalho), Francisco Rivas (Indústria e Comércio), Victor Rios (Educação e Cultura) e Paulo Reichardt (Secretaria Nacional de Esportes).

Lugo ficou conhecido como “bispo dos pobres” depois de servir durante dez anos em San Pedro, província mais pobre do Paraguai. Ele ganhou uma dispensa especial do Vaticano para voltar a ter status de leigo depois de ser eleito presidente. A Igreja Católica não simpatiza com padres que se envolvem em política; nesta quinta, bispos católicos paraguaios pediram ao presidente que renuncie ao cargo “pelo bem do país”.

O mandato do presidente também foi sacudido por reiteradas denúncias de paternidade feitas por várias mulheres, que pediram exames de DNA alegando ter tido filhos com o mandatário quando ele ainda era bispo. Ele reconheceu dois filhos.

Em agosto de 2010, o presidente paraguaio foi diagnosticado com um câncer linfático. O tratamento para combater a doença foi realizado sob a supervisão de médicos brasileiros e paraguaios. Em julho do ano passado, um boletim médico divulgado pelo hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, informou a remissão completa do linfoma.

Lugo faz pronunciamento negando renúncia - áudio em espanhol

Histórico de instabilidade política

No início de 2003, o presidente Luis González Macchi escapou de um processo de impeachment provocado por denúncias de corrupção – incluindo desvio de dinheiro para Nova York e a compra de um carro de luxo blindado que havia sido roubado no Brasil. E também motivado pelo isolamento político do mandatário, agravado pela crise econômica no país. A ação de impeachment teve 25 votos a favor, 18 contra e uma abstenção – eram necessários 30 votos para destituir o presidente.

González Macchi era presidente do Congresso quando assumiu a presidência, em 1999, depois da renúncia de Raúl Cubas Grau. Depois de eleito, o colorado ficou apenas sete meses no poder, até enfrentar uma crise com o assassinato de seu vice, Luis María Argaña. O episódio levou o povo às ruas, houve enfrentamentos e mortes. Cubas foi acusado de envolvimento na morte, por sua proximidade com o ex-general Lino Oviedo, que atuaria nos bastidores do governo, e de quem Argaña era inimigo. Após um período asilado no Brasil, Cubas voltou ao Paraguai em 2002.

Antecessor de Cubas, Juan Carlos Wasmosy assumiu o poder em 1993 como primeiro presidente civil eleito no país. Seu mandato foi marcado por desentendimentos com o então general Oviedo, que atingiram o ponto mais alto em 1996, quando o presidente passou para a reserva oito militares de alta patente. Oviedo reagiu com uma tentativa de golpe de Estado pela qual foi condenado dois anos depois, tendo seus planos de candidatar-se à presidência pelo partido Colorado interrompidos.

Cubas substituiu-o e elegeu-se. Oviedo passou cinco anos exilado no Brasil antes de voltar ao Paraguai, em junho de 2004. Pelo Partido União Nacional de Cidadãos Éticos (Unace), disputou as eleições de 2008 e terminou em terceiro lugar, atrás da governista Blanca Avelar.

* Com UOL, em São Paulo, e agências internacionais