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Brasil decide se continuará ou não mergulhado em um mar de corrupção

Juan Arias

Do El País, no Rio de Janeiro

04/08/2012 06h00

O Supremo Tribunal do Brasil começou nesta semana a julgar as 38 personalidades da política, dos bancos e do mundo empresarial acusadas em um escândalo de corrupção em 2005 que fez cambalear o então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, e decapitou o governante Partido dos Trabalhadores (PT). Os processados faziam parte, nas palavras do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, do "mais ousado e escandaloso esquema de corrupção e desvio de dinheiro público da história do Brasil". Gurgel enviou ao Supremo 44.265 páginas repletas do que considera "provas documentais" para solicitar a abertura do julgamento. O interesse despertado é máximo, tanto que as audiências serão transmitidas pela televisão.

O que se julga é um escândalo político-financeiro batizado de "mensalão". O caso foi revelado pelo ex-deputado Roberto Jefferson, outro dos acusados e atual presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que em junho de 2005 divulgou que o PT lhe havia pago R$ 4 milhões pelo apoio de sua formação ao governo.

OS ACUSADOS

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A polícia sustenta que através dessa trama foram desviados cerca de 35 milhões de euros e que o dinheiro era público, procedente do Banco do Brasil, e não de empresas privadas que houvessem financiado ilegalmente o partido, como alegam os advogados dos acusados.

Segundo vários analistas, do resultado da sentença pode depender o futuro do Brasil, ou, como escreveu o sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, pode representar uma mudança "na cultura do país". Cardoso indica que uma condenação dos acusados, ou pelo menos dos mais importantes e representativos - entre eles toda a antiga cúpula do governante Partido dos Trabalhadores -, colocará um ponto final na cultura da corrupção e da impunidade política que aflige o país.

Caso contrário, a absolvição enviaria à sociedade a mensagem de que em política vale tudo, inclusive apoderar-se de milhões procedentes dos cofres públicos para comprar votos no Congresso. O caso se refere às denúncias sobre um suposto esquema ilegal para financiar a campanha que levou Lula à presidência, que depois teria sido mantido para subornar dezenas de deputados e comprar seus votos a favor do governo, que tomou posse em 1º de janeiro de 2003 sem maioria parlamentar. A ata de acusação inclui todos os pecados típicos da corrupção: formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva, peculato, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e fraude.

Lula chegou a pedir perdão ao país pelo escândalo. Declarou ter sido "enganado" pelos seus, desarticulou a cúpula do partido e tirou de seu governo seu braço-direito, o ex-guerrilheiro José Dirceu, apontado pelo promotor-geral como responsável pela organização da trama. Mais tarde, porém, voltou atrás e chegou a negar que tal escândalo tivesse existido. E qualificou as acusações de uma tentativa de derrubar o primeiro presidente da República "surgido do povo".

Além de Dirceu, também estarão no banco dos réus o ex-presidente do PT e atual assessor do Ministério da Defesa José Genoíno e o então tesoureiro do partido Delubio Soares. Também deverá responder diante do Supremo o ex-presidente da Câmara dos Deputados, o atual deputado João Paulo Cunha (PT), que por esse caso foi obrigado a renovar toda a sua direção nacional em 2005.

Outro processado é o publicitário Eduardo (Duda) Mendonça, que dirigiu tudo o que se relacionou à imagem de Lula na campanha de 2002 e confessou que parte do pagamento por seus serviços foi depositada pelo PT em contas que teve de abrir para esse fim em paraísos fiscais. Fora do âmbito político, o mais importante dos acusados é o publicitário Marcos Valério Fernandes, qualificado pelo Ministério Público como "um verdadeiro profissional do crime".

Fernandes é indicado como "diretor financeiro" da trama e também como "o homem das malas" de dinheiro, que supostamente entregava pessoalmente aos parlamentares subornados. Suas duas agências de publicidade cuidavam das contas de vários órgãos públicos, dos quais se suspeita que saiu o dinheiro que permitiu comprar os votos no Congresso e, em 2002, financiou parte da campanha de Lula e vários candidatos do PT e outros partidos aos mais diversos cargos. Segundo comprovou o Ministério Público, o patrimônio de Fernandes se multiplicou por 60 entre 2003 e 2004, os dois primeiros anos de Lula e do PT no governo.

A sentença revelará se o Brasil continuará mergulhado em um mar de corrupção que banha todas as instâncias. Muitos juízes advertem que "os brasileiros não aguentam mais". O famoso romancista João Ubaldo Ribeiro chegou a dizer ironicamente que os políticos conseguiram que o sonho de toda família brasileira seja contar entre seus membros com um político corrupto que resolva todos os seus problemas.