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Intervenção francesa no Mali não fere soberania, diz embaixador no Brasil

Fernanda Calgaro

Do UOL, em Brasília

16/01/2013 16h41Atualizada em 16/01/2013 16h55

A intervenção militar francesa no Mali para combater grupos terroristas não fere a soberania do país, opina o embaixador malinês no Brasil, Cheickna Keita. Segundo ele, o Mali, sozinho, não conseguiria conter o avanço desses extremistas, que dominam o norte do país africano e avançam para o sul.

“(A operação) não fere a soberania do país, porque a luta contra o terrorismo é um assunto internacional. O Mali é um país que não podia fazer sozinho essa guerra contra os islamistas terroristas e, então, está aberto à ajuda de todos os países amigos”, disse nesta quarta-feira (16) em entrevista ao UOL na sua residência oficial em Brasília.

Há dois anos vivendo no Brasil, Keita acompanha de perto o desenrolar da situação no seu país de origem. Na sala, a TV ligada em um noticiário em francês relata o sequestro de cinco japoneses e um francês por terroristas na vizinha Argélia, e ele demonstra preocupação: “Essa é a tática deles [terroristas], de sequestrar estrangeiros, de destruir bases petrolíferas”.

República do Mali

  • Capital: Bamaco
    População: 15,5 milhões (2012)
    Língua oficial: francês
    PIB: US$ 17,9 bilhões (2011)
    Tamanho: 7º maior país da África
    Divisão religiosa: 90% muçulmanos, 1% cristãos
    e 9% crenças indígenas

O embaixador conta que ele, assim como outros funcionários da representação no Brasil, tem parentes nas cidades ocupadas e tem enviado dinheiro para ajudá-los. “A gente tenta ajudar como pode. (...) Mando dinheiro para sustentar, é uma solidariedade que é característica na vida do malineses”, diz.

Num país que está entre os mais pobres do mundo, Keita reconhece que a guerra “custa muito caro, mais de US$ 1 milhão por dia ao governo”, mas justifica que “a defesa é um atributo da soberania do país” e que “a população tem que fazer esse sacrifício”.

Na sexta-feira passada, o governo malinês lançou uma ofensiva, com o apoio da França, contra os radicais islâmicos, muitos deles ligados à Al Qaeda. A França também fez ataques aéreos para destruir bases que serviam de apoio aos rebeldes, dificultando o acesso à munição e gasolina.

País laico

Keita faz questão de reiterar que o país é laico e, embora mais de 90% da população seja muçulmana, não tem a mesma visão “primitiva” que os fanáticos da organização terrorista Al Qaeda têm.

“A população do Mali não atende essa filosofia islamista. Nós somos muçulmanos, mas o Mali tem uma tolerância, é um país laico, tem 90% de muçulmanos, mas católicos e protestantes, todos são respeitados. O Mali é um país pacífico.”

Segundo o embaixador, o objetivo dos grupos terroristas é usar a posição estratégica do Mali para avançar sobre outros países da região. Um dos mais populosos do continente africano, com cerca de 15 milhões de habitantes, o Mali faz fronteira com sete países: Argélia, Níger, Mauritânia, Senegal, Costa do Marfim, Guiné e Burkina Fasso.

“O que eu não entendo é que querem fazer uma guerra santa contra uma população que é muçulmana, mais de 90%. É uma contradição. Mas a visão deles é a mesma coisa no Afeganistão, uma visão muito primitiva do Islã, eles não têm programa de desenvolvimento.”

Segundo o embaixador no Brasil, a ofensiva estava prevista para setembro, mas foi antecipada para agora após os rebeldes terem atacado uma cidade no norte do país, expulsando o Exército oficial da região.

Keita conta que os extremistas já estavam havia algum tempo na região, mas conseguiram estender seus tentáculos no Mali após o golpe militar em abril do ano passado, que destituiu o presidente malinense. “Com essa crise política no sul do país, os rebeldes aproveitaram para avançar, para ocupar quase todo o norte do país.” Segundo o embaixador, a previsão é que ocorram novas eleições ainda este ano.

Abastecimento prejudicado

Dizendo-se otimista, Keita acredita que a guerra não leve mais do que dois ou três meses, mas reconhece que o número de refugiados, que já somam cerca de 400 mil nos países vizinhos e dentro do próprio Mali, só aumenta.

Nas cidades ocupadas pelos rebeldes, o abastecimento e a vida das pessoas foram bastante afetados. “Nas grandes cidades, onde os rebeldes não estão, a vida continua normalmente. Nas outras cidades, é muito difícil porque não há representantes do governo, não tem polícia. São os 'islamistas' que controlam tudo”, disse.

Nessas cidades, segundo o embaixador, estudantes passaram a frequentar a escola separados por sexo e as mulheres não podem mais sair às ruas sem o véu, coisa a que não estão acostumadas. Os meios de comunicação e o transporte público também foram prejudicados.