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Com receio de ataque terrorista, embaixador do Brasil no Mali evita locais de muita aglomeração

Fernanda Calgaro

Do UOL, em Brasília

17/01/2013 11h42Atualizada em 23/01/2013 11h26

Com receio de ataques terroristas, o embaixador do Brasil no Mali, Jorge José Frantz Ramos, 57, conta que ele e a sua família têm evitado se deslocar sem necessidade ou circular por locais de grande aglomeração. “O fato de que todos nós moramos e trabalhamos num mesmo prédio facilita tal confinamento”, disse Ramos ao UOL em entrevista concedida por e-mail.  

Desde sexta-feira passada, o país é alvo de uma intervenção militar liderada pela França para conter a ação de extremistas islâmicos armados ligados à Al Qaeda. Os grupos rebeldes, antes concentrados no norte do Mali, têm avançado para o sul do país, onde fica a capital, Bamaco. Em represália à ação militar no país vizinho, rebeldes na Argélia fizeram ontem dezenas de estrangeiros reféns.

Ex-colônia francesa, o Mali tem vivido um momento de grande instabilidade política após o golpe de Estado ocorrido em março do ano passado, liderado por Amadou Haya Sanogo, até então um militar desconhecido. O regime do presidente Amadou Toumani Touré acabou deposto.

República do Mali

  • Capital: Bamaco
    População: 15,5 milhões (2012)
    Língua oficial: francês
    PIB: US$ 17,9 bilhões (2011)
    Tamanho: 7º maior país da África
    Divisão religiosa: 90% muçulmanos, 1% cristãos
    e 9% crenças indígenas

A turbulência no sul do país permitiu que o norte fosse tomado por grupos islâmicos armados. Desde então, o Mali tem sido governado por um governo interino até que novas eleições sejam realizadas.

Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), os confrontos no norte do país provocaram a fuga de mais de 400 mil pessoas.

Ramos disse que a comunidade brasileira no Mali, incluindo o pessoal da embaixada, é de cerca de dez pessoas, mas que a representação brasileira não tem controle sobre os missionários que atuam no país.

Leia abaixo a entrevista do embaixador do Brasil no Mali, que assumiu o posto em julho de 2008, e, assim, acompanhou de perto os acontecimentos políticos dos últimos anos.

UOL – A intervenção militar francesa mudou em alguma coisa a rotina na capital do país? Os militares têm atuado mais no norte do Mali ou também é possível vê-los circulando em outras cidades também?

Jorge José Frantz Ramos - A rotina em Bamaco já havia sofrido uma mudança radical a partir do golpe de Estado de 21 de março de 2012 e da posterior ocupação do norte por grupos tuaregues e jihadistas. Os principais pontos da capital foram ocupados por militares ligados ao capitão Sanogo a título de manter a segurança da cidade.

Estes militares estão sendo agora substituídos por contingentes franceses e da Cedeao [Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental]. Por enquanto a participação francesa tem se limitado a ataques aéreos contra posições jihadistas, pois as tropas terrestres (francesas e da Cedeao) ainda estão chegando e se organizando em Bamaco.

A população receia pela sua segurança ou que ocorram ataques de grupos extremistas? Como o sr. e a sua família têm lidado com a situação?

A população local e, sobretudo, a comunidade francesa (cerca de 6.000 pessoas) e internacional temem que jihadistas promovam atentados terroristas em Bamaco e nas demais cidades do país. Todos os funcionários brasileiros, eu e minha família inclusive, evitam, quando possível, deslocamentos desnecessários e locais de maior aglomeração. O fato de que todos nós moramos e trabalhamos num mesmo prédio facilita tal confinamento.

Qual o tamanho da comunidade brasileira no Mali? Existe algum receio em permanecer no país?

A comunidade brasileira (pessoal da Embaixada inclusive) giraria em torno de dez indivíduos. É difícil precisar o número de nossos nacionais no Mali já que eles são, em sua maioria, missionários evangélicos que entram e saem do país sem manter o setor consulado informado, apesar na nossa reiterada recomendação de que todos os brasileiros mantenham a Embaixada ciente dos seus deslocamentos.

Qual análise o sr. faz sobre a intervenção francesa? Ela era realmente necessária? A maneira como está sendo levada a cabo é a ideal?

Creio ser ainda muito cedo para que se possa fazer qualquer análise aprofundada. Faltam informações da frente de batalha para tal exercício. Quanto à maneira como está sendo feita, recordo que foi o próprio presidente interino do Mali, Dioncoundá Taoré, quem solicitou a seu homólogo francês a ajuda militar para conter o avanço jihadista.

Na sua opinião, a intervenção fere a soberania do país?

Como dito anteriormente, foi o presidente interino do Mali, na sua capacidade de Chefe de Estado e das Forças Armadas malineses, quem solicitou oficialmente a ajuda militar. Recordo, ademais, que o Mali já havia solicitado formalmente à Cedeao, à UA [União Africana] e à ONU a formação de força militar estrangeira para ajudar o Mali a reconquistar os territórios ocupados.

Todas as instâncias anteriormente citadas já haviam aprovado a formação da Misma [sigla em inglês para a missão internacional de apoio ao Mali]. Fundamental será o monitoramento da situação pelas instâncias de coordenação africanas e pelo Conselho de Segurança.

Como avalia a questão da estabilidade política no Mali?

O problema da estabilidade política no Mali envolve questões de ordem política, econômica, bem como étnicas e tribais. Em particular, a capacidade dos vários atores políticos nacionais de chegarem a um consenso quanto à realização de eleições gerais transparentes.

Como garantir a implementação eficaz da resolução 2.085 do Conselho de Segurança da ONU, que autoriza o envio da missão internacional?

A implementação da resolução 2.085 da ONU precisa ser monitorada pelos membros do Conselho de Segurança daquele órgão com base em relatórios frequentes e detalhados. Todo cuidado precisa ser observado na proteção da população civil. Como tem defendido o governo brasileiro, não se trata apenas de responsabilidade de proteger, mas também da responsabilidade ao proteger.