Topo

EUA tiveram acesso a conteúdo de ligações e e-mails, diz jornalista do 'Guardian'

Jornalista do "The Guardian" Glenn Greenwald participa de audiência pública conjunta das comissões de Relações Exteriores da Câmara e do Senado - Laycer Tomaz / Câmara dos Deputados
Jornalista do "The Guardian" Glenn Greenwald participa de audiência pública conjunta das comissões de Relações Exteriores da Câmara e do Senado Imagem: Laycer Tomaz / Câmara dos Deputados

Fernanda Calgaro

Do UOL, em Brasília

06/08/2013 15h19Atualizada em 06/08/2013 18h40

Em audiência pública no Senado, o jornalista americano Glenn Greenwald, do jornal britânico "The Guardian", que revelou ao mundo o programa de espionagem dos EUA, disse nesta terça-feira (6) que há muitos documentos vazados que não têm nenhuma relação com o terrorismo, mas dizem respeito à competição industrial e a interesses comerciais do governo americano.

Segundo Greenwald, que publicou os dados revelados por Edward Snowden, ex-técnico da agência de segurança americana (NSA), o governo americano quer fazer crer que o seu programa se justifica para defender o país de ações terroristas. “[Mas] Não tem nada a ver com terrorismo. É sabotagem contra atos comerciais.”

Audiência no Senado

Greenwald descreveu os programas usados pelo governo americano e afirmou ainda que o governo teve acesso ao conteúdo das mensagens vazadas, e não apenas aos metadados (título e destinatário de emails e números discados de ligações telefônicas, por exemplo), conforme admitiu. “O governo americano teve acesso também ao conteúdo das mensagens e das comunicações por telefone, e não só aos metadados.”

O jornalista explicou que, por conta da grande quantidade de mensagens e ligações telefônicas, o governo americano primeiro capta os metadados de tudo e só invade o conteúdo daquilo que interessa.

“O governo americano tem capacidade para invadir o conteúdo dos e-mails. Eles estão captando os metadados para então decidir quais e-mails, quais ligações são interessantes para o governo americano. [Quando dizem que só veem os metadados,] é o jeito mais limitado, mais falso [de admitir a espionagem]. Têm não só a capacidade, mas usam programas para invadir o conteúdo.”

Segundo o jornalista, o esquema de espionagem começou no Afeganistão e no Iraque na época em que esses países foram invadidos por tropas americanas, em 2001 e 2003, respectivamente. No caso do Brasil, o país teria virado foco das investigações americanas quando o ex-presidente Lula resolveu, em 2010, intermediar, ao lado da Turquia, uma saída negociada com o Irã sobre o seu programa nuclear. 

Ele disse também que os EUA espionam a China há bastante tempo. “O governo do Obama está reclamando há três, quatro anos da China que estaria fazendo espionagem para ter vantagens comerciais, mas Snowden, quando foi para Hong Kong, mostrou documentos que comprovam que os EUA espionam a China há muito mais tempo para justamente ter vantagens comerciais.”

Uma das consequências mais graves do programa americano, disse, é que o equilíbrio de poderes entre as nações fica comprometido, além de interferir na privacidade das pessoas.

“O balanço do poder muda muito quando tem um Estado que consegue saber tudo sobre outro Estado. Esse país vai ficar com muito mais poder”, afirmou, referindo-se aos Estados Unidos. “Quando a internet vira uma ferramenta de controle, acho que o comportamento das pessoas muda e fica mais restrito quando se sabe que está sendo monitorado.”

Para ele, Snowden foi um herói ao revelar o esquema. O jornalista disse ainda que mantém contato quase diário com o ex-técnico da NSA.

Sobre a postura do governo brasileiro diante da revelação do caso, ele encara a reação pública mais forte do que a de fato tem acontecido nos bastidores. "O Brasil está mostrando muito mais raiva em público. Deveria ser mais enérgico para cobrar explicações dos Estados Unidos."

Como era o esquema

O jornalista afirmou também que o sistema de espionagem é muito complexo, envolvendo em torno de 70 mil pessoas, o que torna difícil controlar quem tem acesso a esses dados, como Snowden, que, segundo ele, pegou “20, 25 mil documentos supersecretos”. “O problema é, quando se tem um sistema desse tamanho, é difícil controlar esse número grande de pessoas.”

O governo americano, através da agência de segurança NSA, utilizava programas secretos de interceptação de dados, como o Prism.

Alguns documentos foram vazados pelo ex-técnico da NSA, Edward Snowden, que, desde então, é procurado pelo governo dos EUA. Snowden encontra-se agora em Moscou, na Rússia, com status de "refugiado". Os EUA negociam com o governo russo sua extradição.

Grampos nos EUA

O programaO Prism é um programa de inteligência secreta americana que daria ao governo acesso aos dados de usuários de serviços de grandes empresas de tecnologia
Quais dados?Não se sabe exatamente, mas qualquer informação poderia ser consultada. O jornal 'Washington Post' cita e-mail, chat, fotos, vídeos e detalhes das redes sociais
Quem sabia?Segundo Obama, o programa foi aprovado pelo Congresso e é fiscalizado pelo Poder Judiciário no país. Todas as empresas negaram participação
FuncionamentoDe acordo com fontes do jornal britânico 'The Guardian', o governo poderia ter acesso aos dados sem o consentimento das empresas, mas, como eles são criptografados, precisaria de chaves que só as companhias possuem
Empresas possivelmente envolvidasMicrosoft, Google, Facebook, Yahoo, Apple, Paltalk, Skype, Youtube, AOL

Em junho, os jornais "The Guardian" e "The Washington Post" divulgaram documentos secretos que indicam que a NSA tinha acesso secreto a gravações telefônicas e da internet de milhões de usuários nos Estados Unidos. O esquema envolveu ainda outros países, como o Brasil, conforme revelou o jornal "O Globo". Segundo o periódico, documentos sigilosos da NSA mostram que México, Venezuela, Argentina, Colômbia e Equador, entre outros, também estavam sob vigilância americana.

Greenwald acrescentou que não dispõe dos nomes das empresas privadas que colaboram com o governo americano no seu esquema de espionagem. “O interessante é que [a identidade das empresas] é o que a NSA está mais protegendo.”

Ele disse que não possui nenhum documento em que as empresas estejam identificadas, porque a agência dos EUA usa codinomes para se referir a elas. O jornalista ressalta, porém, que, embora ele não tenha poder para exigir essas informações, o Senado e a Câmara dos EUA têm esse poder e deveriam exigir que revelassem essas informações.

O conteúdo da audiência servirá de base para um relatório a ser elaborado pela comissão sobre o caso. Em audiências realizadas em julho, os ministros Antonio Patriota (Relações Exteriores), Celso Amorim (Defesa) e Paulo Bernardo (Comunicações) admitiram vulnerabilidade no sistema de comunicação do Brasil.