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"Enquanto tivermos que lutar contra o fogo, eu vou estar lá", diz voluntário em Valparaíso

Do UOL, em São Paulo

16/04/2014 06h00

Depois de ter perdido a própria casa no incêndio que devasta a cidade turística de Valparaíso (Chile) há três dias, a Victor Hernandez não resta mais nada agora, a não ser ajudar a proteger o lar de outras pessoas, para que elas não possam sentir aquele sofrimento.

Quinze chilenos já morreram. O balanço do desastre inclui, ainda, 2.500 casas destruídas, de um total de 3.100 residências que sofreram qualquer tipo de dano, e uma área afetada de 1.100 hectares. O fogo começou no último sábado (12), no porto do município, considerado o principal do Chile e localizado a 120 km de Santiago.

“Eu faria tudo de novo. Um milhão de vezes.  Ser voluntário é uma verdadeira vocação", diz o chileno de 22 anos, que trabalha em fábrica. Victor é um dos 11 mil desabrigados do incêndio.

Ele conta que todas as lembranças da casa onde cresceu com a família (pais, irmãos e um casal de tios) viraram cinzas. Mesmo assim, há o que agradecer:

"Tinha muita gente na minha casa: meus pais, meus irmãos, minhas irmãs e meus tios, mas eles foram todos evacuados. E isso foi a coisa mais importante”, relata. 

Com pesar, ele conta ainda que a família se fragmentou; cada um foi para um lado: “Minha mãe foi para Olmue (a 80 km de Valparaíso); meu irmão está hospedado na casa da namorada; meu pai trabalha na prefeitura e vai ficar por lá; e eu estou no quartel de bombeiros”, explica, com o rosto avermelhado pelo calor e bolhas nos pés e nas mãos.

“Estou exausto, dolorido e cansado. Mas enquanto tivermos que lutar contra o fogo, eu vou estar lá”, diz, e completa: “E não é por dinheiro” --no Chile, não há bombeiros assalariados, todos são voluntários e vivem, de maneira geral, de doações.

Pobreza e precariedade

Valparaíso, conhecida como "a Joia do Pacífico" com seu centro declarado Patrimônio da Humanidade, esconde também altos índices de pobreza e uma precariedade na urbanização que complicaram mais o controle do incêndio que começou há quatro dias.

O fogo começou em uma zona florestal na parte alta das 44 colinas em torno da cidade. E como haviam previsto vários especialistas, além do vento e das altas temperaturas, a urbanização precária agravou a catástrofe.

Segundo Iván Poduje, professor de Urbanismo da Universidade Católica, diante da falta de casas e do atraso nos planos do governo para construí-las, as famílias ocuparam terrenos em áreas de risco, como encostas, muitas vezes abandonadas e sem serviços básicos. A vegetação densa em algumas áreas aumenta o risco de incêndios.

"Nas encostas, o vento se acelera e a propagação do fogo é muito rápida. Além disso, as casas são feitas de material leve. É muito difícil chegar a esses locais, são muito íngremes. Os acessos são complicados e é muito difícil controlar o fogo", considera.

A geografia complicou a gestão desta cidade, que conta com poucos recursos e uma dívida grande, equivalente à metade de seu orçamento anual. Faltam empregos para seus moradores, e o movimento econômico do importante porto da cidade não equivale a dinheiro nos cofres do município.

"É inexplicável que o porto seja uma empresa autônoma do estado que obtém grandes receitas e nada paga ao município", comentou Poduje.

Esperança de reconstrução

Até esta tragédia, por falta de recursos e vontade política, nenhuma autoridade impediu a formação e o aumento das comunidades carentes ou levou serviços básicos a essa áreas.

A presidente do Chile, Michelle Bachelet, falou de um "plano" para a cidade, que garanta a segurança de seus moradores.

"Esta é uma grande tragédia, mas também uma grande oportunidade para fazermos bem as coisas", disse Bachelet nesta terça à rádio Cooperativa. 

"Honestamente, acho que temos que fazer algo mais, não basta reerguer casas e apoiar as famílias, temos que criar uma rede de proteção", acrescentou.

No momento, a prioridade é a gestão da emergência, com ajuda às famílias que recebem os desabrigados e a formação de abrigos.

Segundo Poduje, a reconstrução de Valparaíso pode ser mais um elemento no plano para acabar com a desigualdade promovido pela presidente.

Em um comunicado, a Unesco manifestou sua disposição em ajudar a preservar esta rica região, "eco de um importante período da história do Chile e de seu desenvolvimento econômico e cultural no século XIX". (Com agências internacionais)