Topo

Terra da árvore usada para a cruz de Jesus enfrenta abandono e esquecimento em Jerusalém

Richard Furst

Do UOL, em Jerusalém

18/04/2014 06h00

A tradição ao longo de quase dois milênios acredita que em um terreno de Jerusalém cresceu a árvore da qual foi extraída a madeira para fazer a cruz de Jesus. No local, considerado especial para os cristãos, foram construídas muralhas enormes, o que torna o local semelhante a uma fortaleza. No interior da grande construção, o Mosteiro da Santa Cruz se estabeleceu por volta do século 6 e hoje está esquecido até por autoridades religiosas e pesquisadores.

A quantidade de religiosos vivendo no local é muito menor à de 100 anos atrás: são apenas quatro monges gregos no prédio onde funcionou, por muitos anos, um seminário com capacidade para 400 religiosos.

Por toda parte do prédio, as referências à cruz são constantes. "É o símbolo mais importante dos seguidores de Jesus. Um diferencial para todo cristão, não importa se é ortodoxo, neopentecostal, da Igreja Católica Romana ou protestante", diz o grego Cláudio Peppas, atual padre superior do mosteiro.

Onde fica - Arte UOL - Arte UOL
Imagem: Arte UOL

Os frades franciscanos, responsáveis pela Custódia da Terra Santa, que cuida dos santuários católicos, afirmam por sua vez que ao se tratar de um santuário ortodoxo, o lugar não é frequentado pelos peregrinos da Igreja Católica, "apesar de marcar um lugar tão importante relacionado com a cruz".

Para acessar o complexo, uma porta de pequenas dimensões obriga o visitante a se agachar ou curvar -- assim como na Basílica do Nascimento de Jesus, em Belém, na Cisjordânia. Passando por alguns pátios com pés de laranja e romã, chega-se à parte principal da igreja, um pequeno santuário sob uma grande cúpula. O altar está sobre uma pequena gruta relacionada à tradição da "árvore da cruz". O templo foi restaurado entre as décadas de 1970 e 80 e os mosaicos que pavimentam o chão, assim como as muralhas, se conservam em bom estado.

Não há provas científicas que confirmem de qual madeira foi construída a cruz de Jesus, mas os peregrinos acreditam que foi de uma oliveira -- típica da região desde as épocas bíblicas.

Do lado de fora, os vasos de plantas, o canto de dezenas de passarinhos e a limpeza do local ajudam a esconder tesouros deixados à porta fechada. No alto do mosteiro está uma biblioteca divida em três setores com milhares de livros raros -- a maioria das obras remonta os séculos 15 e 16.  Páginas e capas dos livros são consumidas aos poucos por insetos e danificadas pela umidade e sujeira que se acumula rapidamente. Um setor do acervo, em cima da igreja, está completamente fechado devido aos riscos de infecção de quem entra no local.

Além dos livros, o Mosteiro da Santa Cruz possui espaços que podem despertar a atenção não só de especialistas, pesquisadores ou peregrinos, mas de turistas e gente interessada em ter contato com as paisagens do local. A abertura desses espaços exigiria a contratação de novos funcionários e restaurações, mas não há um projeto previsto para isso ocorrer.

"Talvez o aumento de visitantes possa trazer mais vida ao mosteiro, por isso mantemos pelo menos parte dele aberto. Convocamos o governo local para nos ajudar nesta tarefa e vamos tentar divulgar ao menos com as pessoas que vem conferir de perto", diz Angela Maria Arbelaez diretora do Diálogo Interconfessional Judaico-Cristão na Terra Santa, grupo empenhando em encontrar algum instituto ou universidade interessados na recuperação dos acervos. Arbelaez diz que algumas ações são feitas entre as diferentes religiões, como visitas em grupos, mas os resultados ainda são pequenos.

A localização isolada do complexo, num vale abaixo do Museu de Israel, em Jerusalém, contribui para dificultar o acesso de turistas. As muralhas estão a dois quilômetros da Cidade Antiga, mas a apenas dez metros de uma das mais movimentadas avenidas de Jerusalém, ao lado do Knesset, o Parlamento israelense.

"Aqui é Jerusalém Ocidental e é difícil para nós que moramos no Leste da cidade. Eu me arrisco a vir não só por ser o verdadeiro lugar da cruz, mas pela sensação de estar aqui, sinto protegida no meio dessas pedras", diz uma senhora árabe de passagem rápida pelo local para rezar na capela.

Diante da situação do mosteiro ‘escondido’, o padre Cláudio Peppas, superior há mais de dez anos no mosteiro, lamenta: "falta alguém para carregar esta cruz conosco e é preciso mais que ombros fortes".