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Para combatente do EI, califado paga bônus de US$ 1.500 para a lua de mel

Combatentes do Estado Islâmico participam de um desfile militar pelas ruas de Raqqa - Reuters
Combatentes do Estado Islâmico participam de um desfile militar pelas ruas de Raqqa Imagem: Reuters

Sarah El Deeb

Em Beirute (Líbano)

27/05/2015 06h00

A lua de mel foi um breve momento para o amor, longe das linhas de frente da guerra na Síria. Na capital do autoproclamado califado do grupo Estado Islâmico, o combatente sírio Abu Bilal al-Homsi se encontrou com sua mulher tunisiana pela primeira vez, após meses conversando online. Eles se casaram, então passaram os dias fazendo refeições de carnes grelhadas nos restaurantes de Raqqa, caminhando ao longo do rio Eufrates e tomando sorvete.

Tudo foi possível graças ao bônus de casamento que ele recebeu do Estado Islâmico: US$ 1.500 (R$ 4.725) para ele e sua mulher darem início a um novo lar, uma família –e uma lua de mel.

"Foi tudo o que alguém poderia querer para um casamento", disse Al-Homsi de Raqqa –uma capital provincial às margens do rio que, nos 18 meses desde que o EI assumiu o controle, tem visto militantes decapitarem oponentes e apedrejarem supostos adúlteros em público. Homens armados nos postos de controle ficam de olho nos transeuntes à procura de qualquer violação da lei Shariah (ou islâmica), até mesmo um indício de gel no cabelo. Nos lares de alguns dos comandantes do EI na cidade há mulheres e meninas da seita religiosa Yazidi, abduzidas no Iraque e agora mantidas como escravas sexuais.

O Estado Islâmico é notório pelas atrocidades que cometeu ao tomar parte da Síria e do vizinho Iraque. Mas para seus simpatizantes, ele está realizando um projeto ambicioso: construir uma nova nação governada pelo que os radicais veem como "lei de Deus", composta de muçulmanos de todo o mundo, cujas nacionalidades são apagadas e que se unem no califado.

Para isso, o grupo criou um generoso sistema de bem-estar social para ajudar a assentar e criar vidas para milhares de jihadistas –homens e mulheres– que trocaram o mundo árabe, a Europa, a Ásia Central e os Estados Unidos pelo território do EI.

"Não se restringe a combates", disse Al-Homsi, que usa um nome de guerra. "Há instituições. Há civis aos cuidados do EI e um vasto território. Ele precisa ajudar os imigrantes a se casarem. Há os componentes de um Estado e ele precisa cuidar de seus súditos", falou Al-Homsi em uma série de entrevistas para a agência AP (Associated Press) pelo Skype, proporcionando uma rara visão da vida pessoal de um jihadista do EI.

A nova elite do EI é visível em Raqqa, a maior cidade na Síria sob controle dos extremistas.

Casas e apartamentos luxuosos, que antes pertenciam a autoridades do governo do presidente sírio, Bashar Assad, foram tomados pela nova classe governante do EI, segundo um membro de uma coletividade de mídia anti-EI  na cidade, que atende pelo nome de Abu Ibrahim al-Raqqawi.

Raqqa, no centro do território controlado pelo EI, é protegida dos combates ao seu redor. Seus supermercados estão bem abastecidos e ela também conta com muitos cafés com internet.

"A cidade é estável, conta com todos os serviços e tudo o que é necessário. Não é como nas áreas rurais que o grupo controla", disse Al-Raqqawi. "Raqqa agora é a nova Nova York" do califado. Como outros em sua coletividade , ele usa um apelido por segurança e não especificou seu paradeiro.

Ajudar os combatentes a se casarem é uma prioridade. Além do salário normal, os combatentes estrangeiros recebem US$ 500 (R$ 1.575) quando se casam para ajudá-los a iniciar uma família. Al-Homsi, 28, recebeu um bônus particularmente alto, já que sua mulher é uma médica e fala quatro línguas.

A AP falou repetidamente com Al-Homsi nos últimos três anos, desde que ele começou como ativista cobrindo a luta em sua cidade natal de Homs, na região central da Síria. Um especialista em tecnologia da informação antes da guerra civil em 2011, Al-Homsi sempre nutriu posições ultraconservadoras em suas entrevistas, demonstrando simpatia pela ideia de um califado.

Ele disse que apoia o EI desde 2013. Mas foi apenas em meados de 2014, após um cerco punitivo de dois anos a Homs, que ele se transformou em um combatente. Quando o sítio terminou em uma trégua em maio de 2014, Al-Homsi despontou como membro oficial do EI.

Foi por meio de sua atividade nas redes sociais que ele conheceu sua mulher, que admirava seus informes online.

Após se comunicarem online, Al-Homsi descobriu que o irmão dela tinha se juntado ao grupo e estava na cidade de Deir al-Zour, no leste da Síria. Seguindo o costume, ele pediu ao irmão a mão dela em casamento.

A futura noiva de 24 anos viajou pela Argélia até a Turquia, e dali para Raqqa com um grupo de outras mulheres que se juntariam ao EI. Elas ficaram em uma pousada para mulheres, onde a força policial feminina do EI também reside.

Al-Homsi fez a perigosa jornada de 250 quilômetros de Homs a Raqqa para se juntar a ela, após obter uma recomendação de seus comandantes locais.

Foi um raro casamento de um combatente sírio com uma imigrante estrangeira. Geralmente as mulheres estrangeiras se casam com combatentes estrangeiros no EI.

Durante os poucos dias de sua lua de mel, Al-Homsi e sua noiva desfrutaram da relativa tranquilidade de Raqqa, dos calçadões às margens do rio e dos restaurantes.

Então o casal voltou para a área de Homs, onde os combatentes do EI estão defendendo suas posições contra as forças de Assad e grupos rebeldes rivais.

Lá, Al-Homsi usou o dinheiro que recebeu para preparar um lar para sua nova mulher e quatro gatos. O casal está esperando um bebê e torce por outra injeção de dinheiro, já que o grupo pode pagar até US$ 400 como bônus por cada filho.

Por ora, o grupo fornece um salário de US$ 50 (R$ 157) por mês para ele e uma soma semelhante para sua mulher.

Ele também recebe uma ajuda de custo para seu uniforme e roupas, material de limpeza doméstico e uma cesta básica mensal no valor de US$ 65 (R$ 204).

Logo após conversar com a AP, Al-Homsi voltou ao campo de batalha, ao lado dos combatentes que tomaram a cidade antiga de Palmira no início deste mês.

"O combatente está na linha de frente", disse Al-Homsi. "Como ele levará comida para casa?"