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"Temos um narcoestado no México", diz estudante sobrevivente de ataque de policiais

Grupo mexicano Caravana 43 participou de evento em São Paulo nesta terça-feira - Fábio Braga/Folhapress
Grupo mexicano Caravana 43 participou de evento em São Paulo nesta terça-feira Imagem: Fábio Braga/Folhapress

Rodrigo Alvares

Do UOL, em São Paulo

02/06/2015 18h39

"O que aconteceu em 26 de setembro do ano passado bastou para as pessoas entenderem o governo que temos no México", disse Francisco Sanchez Navá, estudante sobrevivente do ataque de policiais a 58 alunos do Colégio Normalista de Iagalpa. "Temos um narcoestado", completou.

Francisco está no Brasil com três pais de outros alunos desaparecidos pela Caravana 43, um movimento que tem como objetivo dar visibilidade ao que aconteceu no México. Eles iniciaram a visita pelo Brasil nesta terça-feira (2) com um evento no centro de São Paulo –as próximas paradas serão em Porto Alegre e Rio de Janeiro.

Ataque dos policiais

Os 43 estudantes de uma escola rural de magistério desapareceram em 26 de setembro em Iguala --no Estado de Guerrero, o mais violento e pobre do México--, após terem sido atacados a tiros pela polícia local que, aparentemente, seguiu ordens do prefeito, já preso.

Segundo as investigações, baseadas em declarações de alguns dos 70 presos, os estudantes atacados em Iguala foram entregues depois por policiais a pistoleiros dos Guerreros Unidos, para quem supostamente trabalha o prefeito.

Os narcotraficantes teriam assassinado os jovens e queimado seus corpos durante 14 horas em um lixão da cidade vizinha de Cocula. Ainda segundo as investigações, os restos foram colocados em sacos plásticos e jogados em um rio.

As mortes, que chocaram um país já assolado por uma proliferação de crimes sangrentos, têm provocado protestos em massa contra o governo e alimentaram a crença generalizada sobre a ligação próxima entre certos políticos e o crime organizado.

"Os policiais mexicanos têm cursos para aprender a fazer uma pessoa 'desaparecer'", disse Francisco. "Não estamos em uma ditadura no México, mas é o que parece."

Descrédito nas autoridades

Hilda Hernandéz Rivera, mãe de César Manuel González Hernández, relatou que desde o desaparecimento do filho teve de abandonar sua casa, que fica a nove horas de Ayotzinapa. Ela foi acompanhada pelo marido, Mario César González Contreras –também presente na caravana.

"Pedimos ajuda ao governo federal. Nos prometeram tanto na busca pelos nossos filhos e, oito meses depois, não há nada. A única coisa que pedimos é que nos devolvam nossos filhos, não há mais nada que pedir", disse Hilda.

"Temos desconfiança total no governo. A última versão de que eles foram mortos não bate. Encontraram a arcada de uma pessoa adulta. Foi o governo que matou nossos filhos", afirma Hilda Legideño Vargas, mãe de Jorge Antonio Tizapa Legideño, também desaparecido.

As autoridades acreditam que os estudantes tenham sido mortos e seus corpos, carbonizados e os restos, jogados em um rio. Em outubro de 2014, os investigadores conseguiram recuperar alguns restos humanos em um lixão e às margens do rio e os enviaram a um respeitado laboratório da Universidade de Innsbruck (Áustria) para sua identificação.

"O governo nunca quis entregar nossos filhos e os policiais são sanguinários. Há muita impunidade em todos os setores do país. A única arma que temos é o microfone", afirmou Mario Contreras, ao final do evento.

Dados da violência no México

Após assumir o cargo em dezembro de 2012, o presidente Enrique Peña Nieto reconheceu que a "guerra contra as drogas", iniciada por seu predecessor Felipe Calderón, havia levado a graves abusos por parte das forças de segurança. No início de 2013, o governo informou que mais de 26 mil pessoas haviam sido dadas como desaparecidas desde 2007 --um problema que chamou de "crise humanitária". Foi promulgada uma ampla legislação destinada a assegurar os direitos das vítimas.

De acordo com um relatório de 2014 da Human Rights Watch, as forças de segurança do México têm participado de desaparecimentos forçados generalizados. Em junho de 2013, a CNDH (Comissão Nacional de Direitos Humanos) do México informou que estava investigando 2.443 desaparecimentos nos quais havia encontrado provas de envolvimento de agentes do Estado.