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Com números extremos, Brasil e México têm tipos de violências diferentes; entenda

Milhares protestam para exigir a aparição com vida dos jovens que sumiram em Guerrero - Jorge Dan Lopez/Reuters
Milhares protestam para exigir a aparição com vida dos jovens que sumiram em Guerrero Imagem: Jorge Dan Lopez/Reuters

Gustavo Basso e Rodrigo Alvares

Do UOL, em São Paulo

01/07/2015 06h00

Na visita que fizeram ao Brasil há algumas semanas, os integrantes da Caravana 43, um movimento que tem como objetivo dar visibilidade ao ataque e desaparecimento de estudantes no México, acusaram a polícia do país de promover ataques e sequestrar pessoas por todo o país. As alegações não destoam muito do que acontece no Brasil, mas especialistas dizem que a natureza dos crimes nos dois países tem dimensões completamente diferentes.

"Quando você olha as taxas dos dois países, você vê que no México é uma coisa extremamente concentrada", afirmou o professor de relações internacionais da USP Leandro Piquet. De acordo com ele, algumas áreas são muito violentas e é uma dinâmica de violência associada à presença do crime organizado que se dedica à uma atividade muito importante que é o tráfico de cocaína e outras drogas para os EUA. "É um tráfico com muitos recursos e com um poder de corrupção muito alto", disse.

Ao se comparar os dois países, o Brasil é mais violento que o México, com uma taxa de 25,2 homicídios a cada 100 mil habitantes em 2013, contra 21,5 do vizinho norte-americano. Os dados divulgados pela ONU confrontam com o número oficial do Inegi (Instituto Nacional de Estadística y Geografía), equivalente mexicano do IBGE, que apresenta 19 homicídios por 100 mil habitantes.

Olhando mais de perto, no entanto, a violência no México é mais extrema que no Brasil. Ao mesmo tempo que em determinados Estados mexicanos a taxa se aproxima de níveis de países europeus como a Bélgica, os mais violentos registram taxas de homicídio de até 63 pessoas a cada 100 mil. No Estado de Chihuahua, que faz fronteira com os EUA e tem em Juarez a cidade mais importante, a taxa é de 59. Em 2014, a cidade foi palco do desaparecimento de 11 mulheres, caso atribuído aos cartéis de drogas que têm grande poder na região. Neste ano, o suposto chefe do cartel de Juárez foi preso pela polícia mexicana.

Sequestros endêmicos

Os 43 estudantes de uma escola rural de magistério desapareceram em 26 de setembro do ano passado em Iguala --no Estado de Guerrero, o mais violento e pobre do México--, após terem sido atacados a tiros pela polícia local que, aparentemente, seguiu ordens do prefeito, já preso.

É no Estado de Guerrero que a situação é mais grave. A taxa de 63 homicídios a cada 100 mil habitantes é elevada por sua cidade mais conhecida, o balneário turístico de Acapulco. Segundo um estudo da ONG mexicana Seguridad, Justicia y Paz publicado no começo deste ano, Acapulco é a cidade mais violenta do México, e a terceira do mundo. Com pouco mais de 847 mil habitantes, 883 pessoas foram assassinadas em 2014 na cidade --um índice de 104 a cada 100 mil.

Segundo as investigações, baseadas em declarações de alguns dos 70 presos, os estudantes atacados em Iguala foram entregues por policiais a pistoleiros dos Guerreros Unidos, para quem supostamente trabalha o prefeito.

"O sequestro é um tipo de crime relativamente fácil de combater. É um crime totalmente dependente da negligência, da falta de interesse da polícia e da atuação da polícia nesse tipo de crime", afirma Piquet.

No início de 2013, o governo mexicano informou que mais de 26 mil pessoas haviam sido dadas como desaparecidas desde 2007. No entanto, avançou pouco na repressão aos homicídios generalizados, desaparecimentos forçados e torturas cometidos por soldados e policiais durante esforços para combater o crime organizado, inclusive no mandato de Peña Nieto.

De forma rotineira, promotores e policiais não realizam etapas básicas de investigação para procurar pessoas desaparecidas ou identificar os responsáveis pelos desaparecimentos. Muitas vezes, eles culpam as vítimas e dizem às famílias para investigar.

"Aí entra essa dinâmica do crime organizado muito sofisticado, transnacional, com presença capilar no país, com muita gente trabalhando nessa atividade que remunera muito", explica Piquet. "Isso muda a dinâmica do crime. De um lado você tem instituições que já eram fracas atingidas por uma onda de atividades do crime e com muito dinheiro, você produz todo tipo de anomalia. O sequestro vai junto porque é aquela coisa básica", afirma.

De acordo com John Bailey, autor do livro "A política do crime no México", o México e alguns países da América Central estão em outro nível do problema de corrupção. "Em vários lugares do mundo, há corrupção policial, há conivência com o tráfico de drogas, mas não há uma situação em que a elite se dedique a extrair renda do tráfico de drogas e do ilícito transnacional. Assim como no Brasil tem partido que loteia cargos, tem partido político no México loteando renda do crime organizado --e todo mundo faz isso", escreveu.

Isso mudaria o patamar de atuação do governo, do rebaixamento da repressão, do controle. Todos viram sócios do crime no sentido de que estão interessados que aquela atividade continue a gerar renda. "Essa é uma mudança importante, porque alguns grupos passam a ser protegidos pelo governo e ninguém realmente desenvolve ações contra o crime organizado", finaliza Bailey.

"Isso explica porque os níveis de violência são diferentes. Quanto maior esse envolvimento da extração de renda [do crime] por parte de políticos, mais violenta é a participação deles. Eles ficam completamente incontroláveis e livres para atuar”, completa Piquet.