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Proposta do Japão para patrimônio da Unesco causa ira por trabalhos forçados

Turistas visitam uma parte de ilha de Hashima, também conhecida como Gunkanjima, o que significa "Ilha Navio de Guerra," em Nagasaki, sul do Japão - AP/Eugene Hoshiko
Turistas visitam uma parte de ilha de Hashima, também conhecida como Gunkanjima, o que significa "Ilha Navio de Guerra," em Nagasaki, sul do Japão Imagem: AP/Eugene Hoshiko

Elaine Kurtenbach

Em Gunkanjima (Japão)

01/07/2015 06h00

Dentre as inúmeras fábricas e minas abandonadas no Japão, esta ilha fantasma perto de Nagasaki está entre as mais notórias. Ela é fonte de orgulho nacional. Gunkanjima, ou Ilha Encouraçado, é uma das 23 antigas instalações industriais que buscam reconhecimento como patrimônios mundiais pela UNESCO na condição de "Sítios da Revolução Industrial do Período Meiji do Japão", que ilustram a rápida transformação do Japão de uma sociedade agrícola feudal em uma potência industrial no final do século 19.

O Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco deverá aprovar a proposta durante uma reunião que será realizada em Bonn, Alemanha, até 9 de julho, depois que o Japão e a Coreia do Sul concordaram informalmente com a promessa de reconhecer, apesar de não ter ficado claro como, que coreanos estiveram entre as pessoas que trabalharam em Gunkanjima e outros locais. O acordo também incluiu o apoio do Japão à propostas sul-coreanas para patrimônios mundiais.

O pedido do Japão de reconhecimento pela Unesco se restringe ao período de 1868-1912 do imperador Meiji, que presidiu a rápida industrialização do país para alcançar as potências coloniais ocidentais. Ele exclui os anos que se seguiram, quando o Japão anexou a Coreia e posteriormente invadiu a China e outras partes da Ásia, antes e durante a Segunda Guerra Mundial.

A proposta não faz menção ao interlúdio sombrio quando, perto do fim da guerra, dezenas de milhares de coreanos, chineses e também prisioneiros de guerra estrangeiros foram forçados a trabalhar sob péssimas condições nas fábricas e minas japonesas.

Mas tanto o governo quanto a maioria das empresas japonesas insistem que as indenizações no pós-guerra as deixam sem a responsabilidade de pedidos de desculpas ou compensações adicionais por esses abusos.

Os planos de reconhecimento dos trabalhos forçados durante a guerra, naquela que originalmente seria apenas uma visão "positiva" da história, podem ajudar a reduzir o atrito com os vizinhos do Japão, disse Andrew Gordon, um historiador da Universidade de Harvard.

Mas, ele acrescentou, "não se trata apenas de trabalhos forçados".

"Há as terríveis condições de trabalho, greves e toda uma história social que faz parte disso, que se apenas for atenuada, deixada como nota de rodapé ou mesmo ignorada, seria igualmente um problema", ele disse.

O selo de aprovação da Unesco estimularia o turismo em Nagasaki, uma cidade industrial que ainda não se beneficiou com a oscilante recuperação econômica do Japão. Os sítios propostos para reconhecimento pela Unesco incluem estaleiros e siderúrgicas, portos, minas, fornalhas industriais, docas e um imenso guindaste, ainda utilizado no principal estaleiro da Mitsubishi em Nagasaki. Esse "Turismo Industrial" também é visto como uma forma de resgatar o orgulho pela proeza manufatureira do Japão após duas décadas de estagnação econômica.

Gunkanjima, oficialmente conhecida como Hashima, não possui água doce, tem apenas 6,3 hectares de área total e era desabitada até carvão ser descoberto ali há cerca de 200 anos. O grupo industrial Mitsubishi adquiriu a ilha a 15 quilômetros de Nagasaki no final dos anos 1800, cavando cada vez mais fundo sob o mar e ao mesmo tempo recuperando terra acima.

Os moradores viviam em uma cidadela de prédios de apartamento, os primeiros no Japão construídos com concreto reforçado com aço, que ficavam atrás de quebra-mares que às vezes não eram páreo para os tufões que investiam contra eles vindos do Mar do Leste da China.

Posteriormente, canos submarinos levavam água e eletricidade para os cerca de 5 mil moradores que viviam naquele que já foi o local mais densamente habitado do planeta –-uma comunidade com cinema, hospital, escola, piscina e muitos outros confortos típicos da vida em outras partes do Japão.

Para Doutoku Sakamoto e outros que já chamaram Gunkanjima de lar, a designação poderia dar um significado mais profundo para seu próprio deslocamento em 1974, quando a Mitsubishi fechou a mina e deixou a ilha, à medida em que a política nacional de energia do Japão passava a dar maior importância à importação de petróleo.

"O carvão era algo mais precioso que as vidas humanas", disse Sakamoto para um grupo de turistas que visitava recentemente a ilha, onde ele viveu na adolescência e agora guia visitas por suas ruínas desertas. Antes de ser aberta ao turismo em 2009, os visitantes eram principalmente ex-moradores ou "haikyo", exploradores de ruínas que documentavam os apartamentos fantasmagoricamente vazios e os muros caindo aos pedaços.

Sakamoto ajudou a lançar o esforço para obtenção do status de patrimônio da humanidade para Gunkanjima. Ele vê a ilha como um lembrete dos custos da modernização, e como alerta para as consequências potenciais do desenvolvimento insustentável.

"Esta é uma lição da história, algo a aprender para o futuro. Este é o tipo de futuro que queremos?", disse Sakamoto.

O auge da ilha nos anos 50 e 60 ocorreu após a produção de carvão já ter atingido seu pico. Ela foi aumentada para alimentar as usinas siderúrgicas e estaleiros durante a Segunda Guerra Mundial, quando, com tantos homens japoneses lutando nas forças armadas, o governo trouxe à força coreanos para trabalharem ali.

Sob o rígido regime militar da época, fugir era quase impossível, tanto da ilha quanto dos outros locais.

Joo Seok-Bong, 90, foi levado para trabalhar em 1943 na siderúrgica de Yawata, no norte de Kyushu, movimentando carvão e fazendo outros trabalhos braçais.

"Eu estava sempre com fome, porque recebia muito pouca comida. Naquela época, nós tínhamos medo de morrer nos bombardeios, mas eu mais sofria de fome", disse Joo, que mesmo assim disse acreditar que ele e outros coreanos receberam melhor tratamento do que os prisioneiros de guerra.

Joo está entre os ex-trabalhadores coreanos que estão processando a Nippon Steel & Sumitomo Metal Corporation, a empresa que agora é dona da siderúrgica, em busca dos salários não pagos e de um pedido de desculpas.

"O mundo mudou, mas essa empresa se recusa a refletir sobre o que fez no passado", ele disse.

Ex-trabalhadores chineses também renovaram os esforços para obtenção de pedidos de desculpas do Japão pelos trabalhos forçados, assim como alguns prisioneiros de guerra.

Lester Tenney, de Carlsbad, Califórnia, busca há anos um pedido de desculpas das empresas que administravam a mina, onde ele diz que era forçado a trabalhar 12 horas por dia como prisioneiro de guerra.

"Eu acredito que a recém-criada Nippon Coke & Engineering Company tem a responsabilidade de oferecer um pedido de desculpas aos ex-prisioneiros de guerra pelo tratamento desumano dado por sua antecessora, a Mitsui Mining Company", ele disse em uma carta à Nippon Coke and Engineering.

Tanto a mina quanto a usina estão entre os lugares em busca da designação de patrimônio mundial pela Unesco.

Fotos e outros documentos daquela época mostram homens passando fome até chegar a um estado esquelético. Muitos morriam devido às surras, excesso de trabalho e doenças não tratadas.

Sakamoto e outros que cresceram nos anos de trabalho pacífico após a guerra dizem saber muito pouco daquela história. Mas reconhecer que os tempos foram difíceis para todos não impede de transmitir a história dos anos de guerra e daqueles abusos, ele diz.

"É bom não evitarmos essa história. É importante que seja incluída. Esta foi a primeira área onde a Ásia começou a copiar o Ocidente e se modernizar. E então trouxemos pessoas da China, Rússia, Coreia, eu não sei ao certo sobre isso, mas essa história precisa ser claramente transmitida", ele disse.

"Não se trata tanto de uma questão de vítimas, mas sim de encarar a história", ele disse.