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Parceiros em falta adiam planos de ter filhos na Dinamarca

Júlia Mandil

Em Aarhus (Dinamarca)

14/07/2015 06h00

A tendência de esperar mais tempo para ter o primeiro filho não é algo comum apenas entre as mulheres da Dinamarca. Em um estudo realizado pela Sociedade de Fertilidade do país, apenas 34% dos homens entrevistados disseram se sentir preparados para ter filhos antes dos 30 anos. O quadro ganha relevância porque, segundo a organização, 90% das dinamarquesas solteiras que recorreram a tratamentos para engravidar queriam inicialmente ter filhos com um parceiro.

O tratamento de fertilidade é parte do sistema de saúde dinamarquês. Segundo o Ministério da Saúde, a legislação garante tratamento público à mulheres solteiras até 45 anos ou casais, desde que não tenham filhos. O número de cidadãos recorrendo a tratamentos do tipo chama atenção, segundo Bjarne Christensen, secretário-geral da Associação de Planejamento Familiar, uma organização não-governamental que desenvolve ações em todo o país, porque "um em cada dez bebês que nascem no país são fruto de inseminação artificial".

Para a pedagoga Lise Grøndahl Jørgensen, 37, moradora do distrito de Risskov, ser mãe solteira não é uma opção. "Minha ideia inicial era ter filhos, mas os homens não apareceram. A oportunidade de estabelecer uma família não surgiu."

Movimento sem filhos

Apesar das condições favoráveis e das campanhas de incentivo à maternidade, há um movimento contrário organizado que reúne aqueles que escolhem não ter filhos. A iniciativa partiu da quiropraxista Karin Rahbek, casada há 11 anos, que criou a rede online "BarneFri" ("Sem Filhos", na tradução livre) para mulheres e homens que não desejam ser pais e procuram parceiros ou amigos com o mesmo plano. "Muitas relações terminam quando, perto dos 30 anos, um quer ter filho e o outro não. É um problema", explica. A rede, diz ela, é justamente para ajudar dinamarqueses a encontrarem pares com os mesmo ideais.

Karin não acredita que as campanhas para incentivar a maternidade aumentam a pressão sobre as mulheres que não querem ser mães, porque elas não são o público alvo. "Não acho que o governo queira fazer com que elas mudem de ideia. Não seria bom para os filhos, nem para as mães."

Nina Rise - Júlia Mandil/Eder Content/UOL - Júlia Mandil/Eder Content/UOL
Nina Rise, 27, estudante de medicina
Imagem: Júlia Mandil/Eder Content/UOL

Há quem avalie as campanhas de incentivo à maternidade como algo invasivo à decisão individual. "É uma decisão pessoal, que não cabe ao governo", afirma Nina Rise, 27. Estudante de medicina, ela diz que todos os sonhos que têm para o futuro "não incluem filhos", mas que isso é uma questão pessoal não só ligada à profissão que escolheu. "Acho que independente da profissão que eu escolhesse, não iria querer filhos porque é uma questão de personalidade. Eu gosto de ser bem independente."

O paradoxo é que Nina atribui o apreço pela liberdade a uma sociedade que permite fazer esse tipo de escolhas. "Com um sistema de segurança social que me apoia, eu posso sair e viajar para onde quiser, então por que abrir mão disso para ter filhos?", resume. Ou seja, o mesmo sistema público de bem-estar que faz da Dinamarca um dos melhores lugares do mundo para que seus cidadãos se tornem pais é aquele que permite que Nina escolha justamente não ter filhos.