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Veja o que os refugiados levam consigo durante travessia para a Europa

Shawn Pogatchnik

Em Roszke (Hungria)

03/09/2015 12h20

Para sobreviver durante dias intermináveis caminhando e em acampamentos improvisados sob clima adverso, eles devem se concentrar no essencial: remédios contra a dor, talco para os pés, artigos de primeiros socorros, alimentação e higiene pessoal. Os mais atualizados têm smartphones com baterias sobressalentes e cartões SIM que funcionam nos países por onde estão passando.

Do contrário poderiam acabar caminhando em círculos, sem a navegação via satélite, especialmente à noite, quando muitos viajam para evitar a polícia.

As dezenas de milhares de imigrantes que passam semanas viajando a pé, em veículos e barcos para escapar da guerra, da perseguição e da pobreza devem avaliar cuidadosamente o que podem levar em suas mochilas. Os homens geralmente carregam as barracas e sacos de dormir, enquanto as mulheres levam as crianças em panos amarrados ao corpo ou em carregadores.

Embora a maioria tenha deixado seus bens pessoais para trás com parentes, esperando recuperá-los depois, alguns também conseguem levar um pouco de si mesmos pela estrada. A reportagem pediu aos caminhantes que cruzavam recentemente a fronteira da Sérvia para a Hungria que contassem o que estavam levando - e quais são seus pertences mais importantes.

Wafaa Bukai, 25, estudante

Fotografia - Darko Vojinovic/AP - Darko Vojinovic/AP
Imagem: Darko Vojinovic/AP

Esperando com seu irmão em um acampamento para migrantes na Sérvia antes de cruzar a fronteira, Bukai mostra ao visitante objetos sentimentais e imagens de seu passado em Damasco, na Síria. Ela explica que deixou virtualmente tudo para trás com parentes, mas precisa de alguns objetos emocionais para manter as memórias vivas.

"Minha pátria está destruída e insegura", diz Bukai. "Eu deixei tudo: minha casa, minhas roupas, meus amigos, minha família."

Diferentemente de muitos caminhantes, que carregam fotos preciosas apenas digitalmente, no telefone, Bukai folheia seu álbum de imagens da infância, que incluem ela mesma em uniforme escolar e em viagens à praia com a família.

Talvez o seu bem mais valorizado, embora não tenha valor monetário, transporta sua mente ao centro movimentado da antiga Damasco, o enorme bazar Al-Hamidiyah Souq, dentro das muralhas da capital síria. É uma simples concha de molusco marinho, comprada quando jovem no mercado junto à cidadela medieval de Damasco.

"Eu me lembro de Damasco em todo lugar, em todas as cidades aonde vou", diz ela, segurando a concha.

Mekdad Marey, 25, designer gráfico em computador

Analgésicos - Darko Bandic/AP - Darko Bandic/AP
Imagem: Darko Bandic/AP

Esse nativo de Damasco passou duas semanas viajando de um campo de refugiados na Turquia até a fronteira da Hungria, na esperança de chegar à Alemanha. Para Marey, a Alemanha não representa apenas a economia mais forte da Europa; é também onde ele pensa que seus problemas de saúde poderão ser solucionados.

Em sua sacola muito pequena, ele carrega uma série de analgésicos e, mais importante, um suporte para o pescoço. Ele atribui sua dor crônica nas costas, incluindo uma hérnia de disco, às longas horas sentado quando estudava no Egito e trabalhava na Turquia.

"A Turquia é boa, mas o dinheiro é pouco e eu preciso de mais para resolver meus problemas", diz ele, colocando o suporte de pescoço que usa principalmente quando tenta dormir na barraca superlotada de seu grupo.

"Espero que a medicina seja melhor na Alemanha, que os médicos sejam melhores e que possam me ajudar."

Hussein al-Shamali, 20, estudante

Históricos - Darko Bandic/AP - Darko Bandic/AP
Imagem: Darko Bandic/AP

Em sua mochila, o estudante universitário da cidade de Idlib, no norte da Síria, carrega o que ele espera que seja a chave para o seu futuro: seu histórico acadêmico.

Al-Shamali abre cuidadosamente o saco plástico que usa para proteger seus antigos registros estudantis e o certificado de segundo nível que ele ganhou em ciência. Espera que quando chegar à Alemanha o sistema universitário de lá reconheça seu estudo de três anos em engenharia civil e permita que ele faça um mestrado em medicina.

"Eu realmente não sei o que vão pensar do meu histórico escolar. Espero que seja suficiente", diz ele, indicando a transcrição de diversas páginas em árabe, muito bem dobradas.

Ele diz que lamenta profundamente como a guerra civil na Síria terminou prematuramente com sua educação, e espera que um dia volte para lá como médico.

Mas diz que seus parentes que financiaram sua viagem da Turquia à Hungria, passando pela Grécia e os Bálcãs, esperam que ele envie dinheiro da Alemanha.

Então imagina que isso significaria, se o sistema alemão permitir, uma educação e um primeiro emprego em um hospital lá.

"Muitas pessoas gastaram milhares de dólares comigo, para que eu chegue até aqui", diz ele, coberto de suor enquanto caminha passando por dois postes simples que marcam a fronteira entre Sérvia e Hungria. "Eu tenho de retribuir, é o que esperam de mim."

Behat Yasin, 45, pastor

Anel - Darko Bandic/AP - Darko Bandic/AP
Imagem: Darko Bandic/AP

Este curdo que vivia na Síria e no Iraque, seguindo seus rebanhos, diz que teve sorte de fugir para o oeste antes da ameaça do Estado Islâmico.

"Muitos de meus amigos estão mortos, tenho certeza", diz Yasin, que, ao contrário de muitos viajantes, não tem smartphone ou habilidades com as redes sociais para manter contato com sua família.

Tem sua ferramenta de pastor: um longo bastão cor de osso que usava para tocar os carneiros. Agora ele o usa simplesmente para se manter ereto, após sete horas de caminhada para cruzar a fronteira da Sérvia para a Hungria.

"Agora eu sou o carneiro. Simplesmente sigo os outros. Tenho de andar mais depressa agora", diz em alemão improvisado, indicando com a mão um grande grupo de curdos, na maioria adolescentes, que ele seguiu desde a Turquia.

Mohammad Zamani, 26, professor colegial de matemática

Zamani tinha uma sacola cheia de pertences quando deixou sua casa em Shiraz, no Irã, há quase um mês: roupas, cosméticos, uma corrente de ouro e um relógio.

Hoje não tem mais a sacola. Enquanto era contrabandeado com outras 40 pessoas em um veículo pela Turquia, ele diz que o motorista parou de repente quando encontrou a polícia e mandou todo mundo descer. Então foi embora com muitas sacolas de seus clientes, incluindo a de Zamani.

"Estou com essas mesmas roupas há três semanas. É terrível", diz ele, que usa uma camisa azul de colarinho, camiseta branca e jeans desbotados.

Ele chegou no domingo à Hungria com um grupo maior de iranianos que inclui casais com crianças pequenas.

Todos haviam passado sob arame farpado na fronteira da Hungria e fugido da polícia naquela manhã. Exaustos com a onda de calor de agosto, eles permitiram que fossem apanhados e processados como solicitantes de asilo, embora nenhum queira realmente ficar na Hungria. Zamani diz que espera ser professor na Bélgica.

Ele ainda tem seu bem mais prezado no dedo: um anel de prata com pedra preta que seu irmão mais velho lhe deu em seu 25º aniversário.

"Meu irmão está morto", conta Zamani. "Morreu no ano passado em um acidente de carro. Não tenho outros irmãos. Este anel é a coisa mais preciosa para mim."

Mohammad al-Abdallah, 36, engenheiro-arquiteto

"Eu jamais iria a lugar nenhum sem meu Corão", diz o morador de Bagdá, que passou três semanas viajando com seu filho de 17 anos, Bashar, do Iraque até a fronteira da Hungria, passando pela Turquia, a Grécia e os Bálcãs. "Eu rezo cinco vezes todos os dias e leio à luz da lua."

Ele abre sua mochila e tira uma edição de bolso do livro sagrado muçulmano. A capa está amassada e enrugada por causa das chuvas. Algumas páginas estão coladas e ameaçam se rasgar, mas Al-Abdallah abre o livro com cuidado e recita uma passagem preferida para seu filho.

Bashar diz a seu pai que demorou muito. Ele tira seu smartphone, abre o aplicativo do Corão e encontra a mesma passagem em segundos. "Minhas páginas não rasgam", diz.