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Atos 'antidemocráticos' e corte de 'nhoques' marcam 1º mês de Macri

10.dez.2015 - Mauricio Macri (à esquerda) toma posse como presidente da Argentina, no Congresso Nacional, ao lado de Gabriela Michetti, vice-presidente - Eitan Abramovich/AFP
10.dez.2015 - Mauricio Macri (à esquerda) toma posse como presidente da Argentina, no Congresso Nacional, ao lado de Gabriela Michetti, vice-presidente Imagem: Eitan Abramovich/AFP

Do UOL, em São Paulo

14/01/2016 06h01

A aprovação de decretos de urgência sem consultar o Congresso Nacional --já nas primeiras semanas à frente da Argentina-- pegou de surpresa muitos eleitores e opositores do presidente Mauricio Macri, que assumiu a cadeira em 10 de dezembro de 2015.

Aproveitando o recesso de verão dos parlamentares, Macri conseguiu levar adiante medidas polêmicas, como o cancelamento da Lei de Meios Audiovisuais e a indicação de juízes para a instância máxima da Justiça, a Suprema Corte.

A coalizão Cambiemos (Mudemos), da qual o presidente faz parte, não tem maioria no Congresso. Em uma provável convocação extraordinária dos parlamentares durante as férias, o apoio a mudanças deste porte talvez não fosse tão simples de se conseguir, e assim o presidente abriu mão da consulta.

Lei de Meios Audiovisuais

Uma das principais bandeiras da ex-presidente Cristina Kirchner, a lei de mídia determinava o desmembramento de algumas empresas de comunicação para evitar o monopólio, e atingia diretamente o grupo Clarín, de oposição a seu governo.

Ao assumir, Macri dissolveu os dois órgãos que aplicariam a lei, anulando assim seus efeitos, e criou o Enacom (Ente Nacional de Comunicações), com uma comissão para reformar as normas do setor de telecomunicações.

Na última segunda-feira (11), a Justiça argentina suspendeu provisoriamente os efeitos de três decretos presidenciais, a partir de recursos apresentados por uma associação de defesa de direitos do consumidor e por uma cooperativa de comunicação.

O responsável por um dos órgãos eliminados por Macri, que agora voltam à validade por determinação judicial, diz que o presidente quer atuar em favor de grandes grupos de comunicação.

Argentinos protestam contra decreto de Macri invalidando a Lei de Meios  - David Fernández/EFE - David Fernández/EFE
Argentinos protestam contra decreto de Macri invalidando a Lei de Meios
Imagem: David Fernández/EFE

Suprema Corte

Ainda na lista dos decretos considerados ‘antidemocráticos’, porque o Congresso Nacional foi dispensado da decisão, Macri indicou para a Suprema Corte dois dos cinco juízes que compõem o quadro judiciário.

O novo ministro da Justiça, Germán Garavano, defendeu as “medidas de emergência”, diz o jornal britânico “Guardian”. Diferentemente do especialista argentino em temas constitucionais Daniel Sabsay: "Nem mesmo Cristina Kirchner fez algo tão absurdo”, disse ao jornal.

“Os decretos foram simplesmente necessários, isso não faz parte de uma grande conspiração. No caso da Suprema Corte, dois dos cinco juízes tinham deixado a Corte, e ela não pode funcionar com apenas três”, afirmou Hernán Iglesias Illa, conselheiro de Macri. “Passamos as três primeiras semanas apagando incêndios.”

A filósofa e ensaísta argentina Beatriz Sarlo, que também é colunista de política, fez um balanço dos primeiros 30 dias de governo, divulgado pelo jornal “La Nación”.

“Macri se reuniu com todos os opositores quatro dias antes e não os avisou que iria realizar as designações para a Corte por decreto. Essa nomeação que causou polêmica não foi comunicada a ninguém, nem sequer a Ernesto Sanz [advogado e macrista]. Macri tem noção do que é um aliado político?”, disse a filósofa.

Sarlo afirmou que “hoje não existe” o diálogo social prometido durante a campanha eleitoral. Ela também criticou a escolha de funcionários públicos sem formação política para o gabinete presidencial.

Macri venceu o candidato Daniel Scioli (apoiado por Kirchner) no segundo turno das eleições, com uma diferença de 3 pontos de vantagem. Ao assumir, defendeu um governo para todos, de diálogo com a oposição, e prometeu unir a Argentina, bastante dividida politicamente.

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6.jan.2016. Apoiadores da ex-presidente Cristina protestam contra os decretos de emergência de Macri, em Buenos Aires
Imagem: Eitan Abramovich/AFP

Nhoques

Os funcionários que aqui no Brasil chamamos de "fantasmas", na Argentina são conhecidos como "nhoques", de acordo com explicação do jornal “El País”. São aqueles que só aparecem no trabalho uma vez por mês, para receber o salário, como na tradição italiana de comer a massa todo dia 29 (data do pagamento de salários no país).

Logo após tomar posse, Macri deu início a uma série de cortes no funcionalismo público, e muitos empregados em 2015 pelo governo de Cristina Kirchner foram demitidos, incluindo gente próxima à militância política.

O processo pode eliminar até 60 mil pessoas de suas funções na administração pública e começou com 2.035 demissões no Senado e 600 no Centro Cultural Kirchner. O atual governo defende que todos os dispensados são "nhoques", contratados por nepotismo, o que não é aceito pelos que perderam seus empregos e por alguns sindicatos de classe, temendo uma forte onda de cortes.

No Senado, foi Gabriela Michetti, presidente da Casa e vice-presidente da República, quem determinou as 2.035 demissões. Foi tudo tão rápido, que 43 pessoas terão de reassumir seus postos, pois são deficientes.

Pablo Micheli, secretário-geral da Confederação de Trabalhadores da Argentina (CTA), distante do kirchnerismo, afirmou: “Estamos de acordo com as demissões dos ‘nhoques’, mas cuidado com medidas não acordadas com os sindicatos, estão fazendo tábula rasa e cometendo erros como no Senado com os deficientes. Se por trás de tudo isso há um plano para reduzir o tamanho do Estado argentino, que já é pequeno em comparação com outros países da região, certamente haverá conflito”, segundo o “El País”.

“O Estado não é uma bolsa de trabalho, não tem de pagar uma quantidade enorme de militantes de algum partido político”, disse Michetti ao jornal, para defender sua decisão.

Dólar e Malvinas

Poucos dias depois de se tornar presidente, Mauricio Macri anunciou o fim do ‘cepo cambial’, uma série de restrições para a compra de dólares.

Bancos e casas de câmbio tinham de pedir permissão à AFIP (órgão equivalente à Receita Federal da Argentina) antes de autorizar uma transação de compra e venda da moeda norte-americana, por exemplo. Pessoas físicas que quisessem comprar dólares eram obrigadas a apresentar declarações juramentadas para transações pela internet e a pagar imposto de 50% sobre o total da operação.

Com a extinção das restrições, o peso argentino chegou a se desvalorizar 29% em relação ao dólar, mas as reservas do país em dinheiro deram um salto de 6%.

Nesta semana, o país retomou as negociações com os ‘fundos abutres’ dos Estados Unidos, que compraram títulos da dívida pública a preços baixos, após a moratória de 2001, e entraram na Justiça para cobrar o devido sem desconto.

Apesar de representarem uma pequena porcentagem entre os credores, eles conseguiram impedir o acesso do país ao mercado financeiro internacional. Desde meados de 2014, quando o governo Kirchner se recusou a acatar a decisão da Justiça norte-americana que obrigava o pagamento dos fundos, a Argentina não tem acesso a financiamentos estrangeiros.

E falando em negociar, Macri também quer rediscutir com o Reino Unido com quem ficam as Malvinas (chamadas pelos britânicos de ilhas Falkland).

Como parte de sua política externa, o presidente indicou que partirá para um diálogo mais amigável com os britânicos do que o de sua antecessora, ao reivindicar a soberania do território pertencente ao Reino Unido desde o século 19 e motivo de guerra em 1982.

Nos primeiros dias de 2016, o governo argentino divulgou um comunicado em que convida os britânicos a "restabelecer as negociações para resolver, o mais rápido possível, e de maneira justa e definitiva, a disputa pela soberania" sobre as ilhas Malvinas, Geórgia do Sul e Sandwich do Sul e os espaços marítimos da região.