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Sem maquiagem e nada sensuais, bonecas refeitas viram febre online

Gabriela Fujita

Do UOL, em São Paulo

12/02/2016 06h01

Chega a ser assustador o resultado que a australiana Sonia Singh consegue ao recuperar e refazer bonecas. Olhos e boca bem grandes e muito maquiados e aquela pinta no canto dos lábios são trocados por uma cara natural: um rosto que poderia ser o meu, o da minha sobrinha de 2 anos ou o da vendedora de revistas que sempre me dá "bom dia" quando passo pela banca. A diferença é inacreditável.

Por que um brinquedo comum, que está à venda em qualquer loja, apresenta as mulheres e meninas do mundo real de maneira tão sensualizada e exagerada?

Sonia, artesã de 36 anos, também não entende, mas disse à reportagem do UOL que, sem ter intenção, acabou provocando uma discussão global sobre o que é oferecido pelos fabricantes às crianças.

Tudo começou do jeito mais inocente possível, há pouco mais de um ano. Cientista da área de comunicação, Sonia perdeu o emprego em setembro de 2014, após o governo da Austrália fazer uma série de cortes no financiamento para pesquisas científicas. Ela resolveu aproveitar o tempo livre com um passatempo, algo criativo, enquanto procurava trabalho.

“Eu adorava bonecas quando era criança, e depois de ver tantas bonecas velhas descartadas em lojas de usados, quis ver se conseguia dar a elas uma nova vida e criar algo único, o tipo de bonecas com as quais eu amaria ter brincado”, ela conta.

Incentivada pelo marido, Sonia criou um blog com fotos das bonecas já refeitas ‘se divertindo’ no jardim da casa onde eles moram em Hobart, na Tasmânia (cerca de 1.400 km de Canberra), e elas foram compartilhadas com seus 200 amigos do Facebook em janeiro de 2015.

Em poucos dias, chegou à caixa de mensagens uma enxurrada de elogios e perguntas sobre como comprar os brinquedos. 

“Eu recebo e-mails de pessoas do mundo todo que viram minhas bonecas e as adoraram. Eu acho que elas fazem as pessoas lembrarem de crianças reais. As diferenças entre o ‘antes’ e o ‘depois’ nas fotos das bonecas são bem chocantes e surpreendentes para muita gente.”

É só dar uma olhada para entender por que faz tanto sucesso o hobby que acabou virando um negócio. 

Reaproveitar o que ninguém mais quer

Quase todas as bonecas que passam pela transformação ao estilo mais ‘down-to-earth’ (ou realista), como diz a artesã, são compradas em lojas de usados, algumas sem pés ou sapatos, depois moldados por ela à mão.

Sonia Singh (à direita) e sua irmã gêmea - Tree Change Dolls - Tree Change Dolls
Sonia Singh (à direita) e sua irmã gêmea
Imagem: Tree Change Dolls

A maquiagem original é removida e, com muita delicadeza, Sonia pinta um novo rosto. As roupas, nada glamourosas e sem brilhos, são tricotadas e costuradas pela mãe dela.

Uma única boneca pode levar mais de um dia para ficar pronta, por isso, a produção não é grande. O primeiro lote oferecido em um site de compras tinha apenas 12 unidades.

A história das bonecas se tornou um fenômeno quando foi exibida em uma reportagem na TV australiana, em fevereiro de 2015. A matéria foi disponibilizada também na internet e viralizou: até agora, são mais de 19,2 milhões de visualizações só no canal do YouTube.

No vídeo, meninas brincando na grama, em um dia ensolarado, falam que as bonecas de Sonia se parecem mais com elas, com as garotas que elas conhecem, e que a boneca original, antes da mudança, “era meio estranha, tinha toda aquela maquiagem escura e lábios gigantes”.

“Eu realmente gosto de customizar e consertar as coisas que encontro. (...) As crianças nem sempre precisam de coisas novas em folha. Elas podem ajudar a criar os tipos de brinquedos com os quais querem brincar. Estes brinquedos de plástico vão durar por um longo, longo tempo, então é ótimo reciclá-los e dar a eles uma nova vida.”

Em seu site, Sonia dá algumas dicas para quem quiser tentar criar um novo brinquedo e, inclusive, fazer as crianças participarem e palpitarem. 

"Se o que eu fiz influenciar as grandes empresas fabricantes de brinquedo que estão por aí e as fizer repensar que tipo de bonecas estão colocando no mercado, não acho que isso seria de jeito nenhum algo ruim. (...) Espero trabalhar na direção de ajudar todos a olharem novamente, com olhos renovados, para as coisas que compramos e jogamos fora sem pensar duas vezes”, ela afirma.

‘Tree Change’

Quando Sonia Singh resolveu apresentar seu trabalho ao mundo, escolheu uma expressão para caracterizá-lo: 'Tree Change'. Ela explica que, na Austrália, isso quer dizer algo como mudar da cidade para o campo e para uma vida mais tranquila. E esta é a imagem que quer para suas bonecas: menos maquiagem, mais vida ao ar livre.

A página das bonecas no Facebook tem perto de 480 mil curtidas, e até o mês que vem não é possível comprá-las, pois estão esgotadas. A próxima leva sairá no dia 2 de março, ao preço entre 75 e 180 dólares australianos (R$ 210 a R$ 500) cada uma.

Neste primeiro ano, as bonecas ficaram conhecidas em vários países, e parte do sucesso foi transformada em doações a organizações que Sonia considera de alguma relevância pelo trabalho que realizam: apoio às mulheres; conservação da natureza, da biodiversidade e proteção a espécies em risco; e ações contra o trabalho infantil.

A próxima beneficiada será uma entidade australiana de pesquisa sobre gêmeos. Não por acaso, já que Sonia tem uma irmã gêmea e também faz bonecas, idênticas ou não, que são vendidas em duplas.