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O que acontecerá com ex-membros das Farc após 50 anos de luta?

Militares inspecionam armas de paramilitares desmobilizados em 2003 - Jose Miguel Gomez/Reuters
Militares inspecionam armas de paramilitares desmobilizados em 2003 Imagem: Jose Miguel Gomez/Reuters

Andrew Willis

26/02/2016 15h53

Em janeiro, algumas regiões da cidade colombiana de Buenaventura, no litoral do Oceano Pacífico, começaram a ter que obedecer a um toque de recolher às 22 horas. A ordem não veio do prefeito nem da polícia, mas de uma quadrilha extorsionária que controla as drogas, conhecida como Urabeños.

O que mais chama a atenção sobre essa quadrilha é que seus membros vêm de um extinto grupo paramilitar de direita, que fechou um acordo com o governo para se desmembrar há mais de dez anos. A decisão foi aclamada como fundamental para manter o estado de direito na Colômbia, mas muitos dos combatentes desmobilizados - e desempregados - entraram em quadrilhas criminosas.

Agora, enquanto a Colômbia se prepara para assinar um histórico acordo de paz com as guerrilhas de esquerda já em março, aumenta o temor de que o que aconteceu na cidade litorânea de 400 mil habitantes se repita: que os rebeldes desmobilizados retornem como criminosos importantes.

"O Estado não controla Buenaventura, a cidade é controlada por grupos armados", disse Wellington Carneiro, diretor da agência de refugiados das Nações Unidas no município. "A desmobilização dos paramilitares aqui foi um fracasso rotundo. É esse mesmo risco que estamos correndo agora".

Recrutamento fácil

Os membros do maior grupo de direita do país, Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), foram desmobilizados entre 2003 e 2006 pelo então presidente Álvaro Uribe. Mas o fracasso do governo em enfrentar a pobreza e fornecer oportunidades de trabalho aos ex-combatentes os tornou alvos fáceis de serem recrutados por quadrilhas como a Urabeños, disse Carneiro. O presidente Juan Manuel Santos se depara com um desafio semelhante ao assinar um acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), um grupo marxista de aproximadamente 7.000 pessoas que controla uma grande faixa do território.

Os líderes das Farc, que estão participando das negociações em Havana, prometeram entrar na política se for assinado um acordo de paz. Mas até 20% de seus subordinados poderiam entrar em grupos criminosos e dar continuidade ao lucrativo tráfico de cocaína e às operações ilegais de minas de ouro, de acordo com o Washington Office on Latin America (Wola).

"O que mais me preocupa são os comandantes de médio escalão em lugares como o litoral do Pacífico", disse Adam Isacson, especialista em Colômbia no Wola. "Pessoas que já têm grandes conexões com quadrilhas mexicanas e outras no tráfico de drogas".

A maior parte dos membros de base das Farc será anistiada, como aconteceu com os membros da milícia de direita há uma década. A questão é, como eles vão se integrar a atividades produtivas legítimas?

Construção de estradas

O governo defendeu um programa de construção de estradas na tentativa de melhorar a infraestrutura extremamente precária do país e fomentar empresas legítimas. E um acordo de paz incluirá um componente de desenvolvimento rural para ajudar pequenos produtores.

Mas a falta de fundos do governo e as limitações dos programas para substituir as plantações fazem com que reduzir a produção de coca seja uma tarefa muito difícil. A quantidade de terras cultivadas com coca, a matéria-prima para a fabricação de cocaína, aumentou 44% em 2014, de acordo com as Nações Unidas, o que significa que a safra da Colômbia agora é maior que a do Peru e a da Bolívia juntas.

O tráfico de drogas gerou 2,2 trilhões de pesos (US$ 658 milhões) na Colômbia no ano passado e a mineração ilegal produziu 7 trilhões de pesos, de acordo com o vice-ministro da Defesa Aníbal Fernández de Soto. A mineração ilegal inclui tanto mineradoras não autorizadas de pequeno porte quanto operações maiores controladas por grupos armados.

Aumento da extorsão

Depois que o acordo de paz for assinado, é provável que algumas empresas sofram com o aumento da extorsão e da violência local enquanto novos grupos disputam os territórios antes controlados pelas Farc e oportunidades lucrativas, de acordo com Reggie Thompson, analista da empresa de consultoria de inteligência Stratfor.

"É possível que nem todos os membros das Farc abracem o processo pacificador e, em vez disso, passem para outros movimentos", disse o comandante das Forças Armadas da Colômbia, general Juan Pablo Rodríguez, em uma entrevista em Bogotá. "Sabemos disso. Mas de maneira nenhuma as condições de segurança vão piorar com a assinatura de um acordo".