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Mujica diz que América Latina tem obrigação de rechaçar quem governa sem ética

Igor do Valle/Estadão Conteúdo
Imagem: Igor do Valle/Estadão Conteúdo

Eduardo Schiavoni

Colaboração para o UOL, em Franca

15/08/2016 21h44

O ex-presidente uruguaio Jose "Pepe" Mujica defendeu nesta segunda-feira (15) que os povos da América Latina têm a obrigação de rechaçar governadores que "se apropriam de bens públicos e do dinheiro do povo" e que "governam sem ética, para enriquecer". "Não temos o direito de cometer o mesmo erro de novo, o erro de dar poder a gente assim. E peço isso a vocês, que aqui estão: não cometam esse erro. Não temos esse direito, pela nossa geração e pelos que vão vir", disse.

A fala ocorreu durante palestra realizada na noite desta segunda-feira na XIV Semana de Relações Internacionais da Unesp (Universidade Estadual Paulista) em Franca. Para o senador, lutar contra as contradições, favorecendo uma ação política integrada mesmo entre governos ideologicamente opostos, é a receita para que a América Latina consiga superar seus problemas econômicos e volte à rota do crescimento econômico e, com isso, promover a melhora de vida de seu povo.

Discorrendo sobre o tema "As relações internacionais na América Latina", Mujica ainda ressaltou que, embora momento político da região seja conturbado, a união constitui-se no único caminho para o desenvolvimento da região. E que a política tem papel fundamental nesse processo. "Em um momento como o que vivemos é que entra a política. Ela tem que resolver os conflitos, não incendiá-los. A política tem mais sentido do que nunca em tempos assim", disse.

"Não importa o governo de cada país, importe que andemos todos juntos, unidos como América Latina", disse o ex-presidente. "Nunca vamos viver em um mundo sem contradições. Por si só, a América Latina deve ser o maior polo da diversidade humana mundial. E, como somos muito diferentes, sempre haverá o conflito, mas o essencial é que temos que estar juntos", disse.

Apesar do discurso, Mujica evitou criticas diretas a qualquer governo da América Latina e pregou que o subcontinente deve apostar na "integração dos diferentes".

Defesa do Mercosul

Mujica também defendeu a existência do Mercosul e criticou países que se posicionam contra a livre movimentação de pessoas e de trabalhadores entre os países da América Latina. "É uma lástima que paraguaios não possam trabalhar livremente no Brasil ou na Argentina, e vice-versa, e que as portas do Chile, por exemplo, estejam fechadas", disse.

Ele ainda defendeu que os governos da região se unam e criem "transnacionais poderosas" para ganharem poder de negociação com o que chamou de "grandes potências econômicas, sociais e culturais" do mundo, em especial Estados Unidos e países da Europa.

"Precisamos usar nosso talento para a felicidade. É preciso pensar que governantes passam, mas os povos permanecem.  A América Latina deve ter suas empresas transnacionais, esse é um processo irreversível. Só assim poderemos enfrentar as grandes potências. E, para isso, é preciso que haja entendimento político entre nossos países", disse.

Fora Temer

Na palestra, presenciada por um público que tomou completamente os assentos disponíveis --foram 2.000 lugares sentados, mas havia muitas pessoas em pé ou sentadas no chão-- houve poucas referências ao atual momento brasileiro. Apenas depois que o senador uruguaio terminou seu discurso é que estudantes entoaram, timidamente, um grito de Fora Temer.

Representantes do Movimento dos Sem Terra também entregaram a Mujica uma bandeira do movimento que o líder uruguaio segurou por alguns momentos, abandonando-a logo em seguida antes de deixar o local.

Cultura do ócio

Mujica ainda criticou o que chamou de "inferno" dos tempos modernos, a alta concentração de renda. "Precisamos transformar esse inferno, precisamos lutar para transformá-lo em felicidade. O homem precisa trabalhar para viver, mas não pode transformar o trabalho em sua principal função na vida. Crescimento econômico tem que servir para buscar a felicidade e a cooperação entre os povos e pessoas, não para favorecer ao acúmulo de capital", disse.