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Quem seria um presidente nos EUA melhor para a América Latina: Hillary ou Trump?

3.mar.2010 - A secretária de Estado Hillary Clinton cumprimenta o presidente da Câmara, Michel Temer, acompanhado do presidente do Senado, José Sarney - Roberto Jayme/Reuters
3.mar.2010 - A secretária de Estado Hillary Clinton cumprimenta o presidente da Câmara, Michel Temer, acompanhado do presidente do Senado, José Sarney Imagem: Roberto Jayme/Reuters

Talita Marchao

Do UOL, em São Paulo

06/11/2016 06h01

Em suas plataformas de governo, tanto o Partido Republicano como o Democrata não citam o Brasil. Ambos falam sobre a importância do continente americano para a política externa americana, mas citam apenas os casos específicos de Cuba, Venezuela e Colômbia. Para analistas ouvidos pelo UOL, levando em conta a imprevisibilidade do republicano Donald Trump, a eleição da candidata democrata Hillary Clinton seria mais favorável para os países latino-americanos.

Com as recentes mudanças na América Latina, com a ascensão de partidos conservadores no poder e ganhando terreno político após anos de governos comandados pela esquerda, a relação com os EUA deve ficar mais fácil. E não é somente o caso do Brasil, onde a ex-presidente Dilma Rousseff sofreu o impeachment. Países como Peru e Argentina elegeram políticos com foco mais administrativos, em gestão, do que políticos. No Chile, a presidente Michelle Bachelet enfrenta baixíssimos índices de popularidade, e na Venezuela, Nicolas Maduro vive uma crise não só econômica, mas de governabilidade.

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Ainda assim, apesar dos sinais de melhoria nas relações, a América Latina não deve ser uma prioridade da Casa Branca, seja ela comandada por Hillary ou Trump.

"Hillary representa a continuidade na política para a América Latina, já que ela ajudou a desenvolver a política de Obama desde o seu primeiro dia na Casa Branca. Ela não vai investir muito tempo na região, a menos que ocorra uma mudança brutal em um país ou outro. Trump é completamente o contrário, ele é totalmente imprevisível. Não há um meio de calcular o impacto de suas políticas na América Latina, ele não sabe nada sobre a região e não tem nenhum especialista na área em sua equipe", afirma Peter Hakim, presidente emérito do Inter-American Dialogue, em Washington.

"A América Latina não representa uma ameaça ou um grande risco. Tampouco ela representa grandes oportunidades. Barack Obama fez um esforço para criar mais laços econômicos e comerciais entre Brasil e EUA, mas não teve êxito. Ele trouxe ao Brasil 50 donos de grandes empresas e indústrias americanas, tentou fazer a base da relação entre os dois países, mas obviamente não funcionou. Por isso, o Brasil é ainda mais distante hoje", afirma Hakim.

Na avaliação de Ernesto Talvi, diretor da iniciativa Brookings Institution-Ceres para a Améria Latina, a vitória de Hillary permitiria não só ao continente americano, para a economia global, recuperar a tranquilidade.

"Este homem vai trazer incertezas ao país que hoje é, militarmente e economicamente, o mais importante do planeta. Até mesmo o risco de uma paralisia econômica. Se os fluxos de capital cessam por medo, o potencial de dano é enorme. Nós já vivemos isso na América Latina no início dos anos 80 e no fim dos 90, sabemos que são golpes impossíveis de serem absorvidos", disse.

"O potencial de dano é imenso, especialmente para os países emergentes e os latinos, já que estamos mais próximos", acrescenta Talvi.

Brasil sem projeto claro

Hillary Clinton foi a única a citar as relações com o governo brasileiro --e o mexicano, em um artigo de opinião publicado no jornal americano Miami Herald.

"Os EUA não podem se dar ao luxo de ser deixado para trás em uma região que inclui México e Brasil, duas das maiores economias do mundo. Sua segurança e prosperidade impactam diretamente na nossa", disse a candidata democrata no texto publicado em setembro.

O maior desafio na relação do Brasil com o próximo governo americano será comercial. Hakim acredita que o Brasil "não sabe bem o que quer dos EUA", e não está disposto a apresentar qualquer proposta atualmente, seja para buscar um tratado de livre comércio ou no desenvolvimento de energia nuclear. Segundo ele, altos funcionários do governo americano afirmam que a Casa Branca não tem instrumentos para negociar com o Brasil desde que o país começou a perder sua estabilidade econômica. "E não há esta urgência de parceria com nenhum país da AL fora o México atualmente", afirma Hakim.

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"O grande desafio brasileiro com o próximo presidente americano é chegar a algum ponto com toda a agenda bilateral de negociações que, neste momento, é voltada para um processo de convergência de normas aduaneiras, de facilitação de comércio e assentar as bases para algo que era impensável há alguns anos, como um tratado de livre comércio entre Brasil e EUA", diz Talvi.

O diretor do Brookings lembra ainda que, para que a região se beneficie comercialmente de uma parceria com os EUA, o Brasil precisaria assumir a liderança. "Esta negociação toda, sob uma presidência de Trump, no meu ponto de vista é impossível". O presidente do Inter-American Dialogue diz ainda que os EUA estão debilitados nos trabalhos com os países latinos, que o Brasil tem um papel importante neste cenário. "No ano passado, uma pessoa da equipe da Casa Branca dizia: 'Não podemos cumprir nossa agenda na América Latina sem o apoio do Brasil, sem ao menos a tolerância".

Na avaliação de Talvi, ainda que os EUA tenham uma relação extremamente complexa e interligada com o México, o Brasil ainda é o grande jogador geopolítico da América Latina e, por isso, teria um papel diplomático mediador mais importante em uma eventual vitória de Trump.

"Com uma vitória republicana, lamentavelmente as relações bilaterais com muitos países serão tensionadas. Isso é inevitável. E quando há tensões, é muito difícil cooperar em coisas tão valiosas como a defesa da democracia, do estado de direito, dos direitos humanos. Tudo isso será debilitado com uma vitória de Trump porque, na minha opinião, ele dá a impressão de que é um político disposto a governar pela vontade própria, e não por processos institucionais".

"É provável que caiam sobre os ombros do Brasil, como representante mais importante da América Latina, responsabilidades que até agora o país não tinha, como defender certos valores da coexistência das nações e valores que relacionados aos direitos dos cidadãos", diz Talvi.

Crise humanitária venezuelana fora do foco

A crise venezuelana é tratada nas duas plataformas de governo. A de Trump defende a queda de Maduro e acusa o Estado venezuelano de narcoterrorismo.

"Um presidente republicano nunca abraçaria um ditador marxista, na Venezuela ou em qualquer lugar. O atual chefe de governo permitiu que o país se transformasse em um Estado narcoterrorista, um posto iraniano ameaçando a América Central, e um refúgio seguro para o Hezbollah. Agora com o país arruinado pelo socialismo e à beira do caos, o povo venezuelano está lutando para restaurar a democracia e recuperar seus direitos. Quando eles triunfarem, como certamente triunfarão, os EUA estão prontos para ajudá-los a restaurar o país na família americana", afirma o texto.

O programa de Hillary é mais leve em relação ao governo de Maduro, e diz apenas que um governo democrata liderado por ela "impulsionará o governo a respeitar os direitos humanos e responder à vontade de seu povo", sem fazer qualquer menção ao risco de queda de Maduro.

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A tendência é que a Venezuela se mantenha como um dilema para a política americana, especialmente com o risco de a crise humanitária e governamental se transformar em um conflito armado.

"Na verdade, Hillary ou Trump pouco podem fazer nesta questão, chegam até a ser irrelevantes comparados com o que os países latinos vizinhos, como o Brasil, poderiam fazer. A região não está assumindo a responsabilidade que tem na defesa de certos valores", avalia Ernesto Talvi.

O analista do Brookings aposta ainda que, enquanto Maduro estiver no comando, respaldado pela cúpula militar, não existirá diálogo. "Não há uma vontade real de dialogo dos EUA com o que Maduro está fazendo, que é simplesmente comprar tempo."

Hillary quer fazer história

Abertura cubana em disputa

Hillary, que foi secretária de Estado e participou da formulação da política externa de Obama, deixa explícito em seu programa que pretende dar continuidade ao processo de abertura iniciado pelo presidente americano em seu segundo mandato. Ela defende ainda o fim do embargo. "Vamos também apoiar o povo cubano e a sua capacidade de decidir o seu próprio futuro e desfrutar dos mesmos direitos humanos e liberdades que as pessoas em todos os lugares merecem".

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A plataforma de governo republicana oficial diz: "queremos receber o povo cubano de volta em nossa família depois que seus governantes corrompidos forem tirados do poder e prestarem contas por seus crimes contra a humanidade".

"A 'abertura cubana' promovida pela atual administração foi uma acomodação vergonhosa às exigências de seus tiranos. Só reforçará sua ditadura militar." O texto ainda defende a manutenção do embargo e o visto dado aos cubanos que "fogem do comunismo".

Mas Trump dá sinais ambíguos. "Há dois meses, Trump disse que era preciso acabar com 50 anos de uma política fracassada com Cuba. Semana passada, disse que vai acabar com a abertura política iniciada pelos EUA. Ele é totalmente imprevisível", reflete Peter Hakim.

Talvi acredita que Trump pode atrasar o processo de abertura, mas que as consequências das ações de Obama não podem ser revertidas. "Há muitos republicanos interessados na reabertura, e ela tem o apoio de integrantes da diáspora cubano-americana, que foi criada nos EUA e não vê sentido no bloqueio".

A maior ambição do polêmico Trump

Estabilidade colombiana

Os EUA têm fortes relações com o governo colombiano há décadas, e isso não deve mudar com o próximo presidente americano. O programa democrata cita rapidamente a parceria com Bogotá, manifestando apoio na continuidade das políticas já adotadas.

A plataforma do Partido Republicano ignora as negociações de paz da Colômbia com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e parabeniza o povo colombiano e manifesta solidariedade às décadas de luta contra a guerrilha. Eles ainda dizem o "sacrifício e sofrimento dos colombianos não podem ser traídos pela ascensão ao poder de assassinos e traficantes de drogas" --vale lembrar que o acordo acertado entre o governo e os guerrilheiros, que foi rechaçado nas urnas em outubro, previa cargos políticos para os ex-insurgentes.

Risco nas relações com o México

A relação dos EUA com o México vai além da enorme fronteira que os dois países compartilham. Ela é extremamente complexa, com muitas dimensões, desde comerciais, no fluxo de investimentos, imigratórias e no tráfico de drogas. Na avaliação dos dois analistas, não há dúvidas de que a vitória de Hillary seja melhor nas relações com o país.

A retórica incendiária de Trump durante a campanha teve o enfoque no muro que ele defende na fronteira e promete cobrar o país vizinho pela construção, nas ofensas aos mexicanos, chamados de traficantes e estupradores, nas promessas de deportações em massa e nos ataques ao Nafta, o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio, que inclui México e Canadá.

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Hillary é completamente contra a construção do muro e o programa democrata afirma que a construção "alienaria o México, um parceiro valioso". 

Na opinião de Peter Hakim, o maior desafio de Hillary na América Latina será na relação americana justamente com o vizinho por causa do viés antiamericano que ganhou tanto apoio na campanha republicana.

Para Ernesto Talvi, o que merece atenção em uma vitória republicana é a forma como Trump cumpriria a sua promessa de renegociar o Nafta. "Ele pode achar que é possível barrar o tratado por decisão presidencial, sem aprovação do Congresso. Mas não há antecedentes jurídicos para isso. Depois, supondo que ele rompa o acordo por decreto presidencial, o problema passaria para o sistema judiciário, já que as empresas americanas que hoje produzem no México abririam processos por causa do rompimento de regras do acordo. Esse homem pode criar um gigantesco limbo constitucional, legal e jurídico. E isso causa paralisia econômica", explica.

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