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"Guerra dos Sexos": por que a questão de gênero será uma das marcas das eleições americanas

Mulher mostra camiseta com os dizeres "Mulheres desagradáveis votam", com expressão usada por Donald Trump para se referir a Hillary Clinton durante debate presidencial, em Nova York, nos EUA - Brendan McDermid/Reuters
Mulher mostra camiseta com os dizeres "Mulheres desagradáveis votam", com expressão usada por Donald Trump para se referir a Hillary Clinton durante debate presidencial, em Nova York, nos EUA Imagem: Brendan McDermid/Reuters

André Carvalho

Do UOL, em São Paulo

08/11/2016 06h02

Como nunca antes na história dos Estados Unidos da América, a questão de gênero estará presente na eleição presidencial, que será realizada nesta terça-feira (8) e colocará frente a frente o republicano Donald Trump e a democrata Hillary Clinton.

Mais do que uma "guerra dos sexos", o pleito deste ano evidencia duas diferentes visões de sociedade a partir de uma perspectiva de gênero: se por um lado há um candidato com um histórico de declarações e comportamentos machistas e misóginos, de outro há uma mulher que já se declarou feminista e tem em seu currículo importantes ações pelo empoderamento feminino.

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"A eleição de novembro se transformou em um referendo sobre gênero, mas foi Trump quem escolheu lutar nesse campo de batalha", escreveu a jornalista Charlotte After, na revista "Time". Para ela, são muitas as evidências que fazem da corrida presidencial de Donald Trump uma "campanha macho alfa".

"Sua masculinidade é o tema principal de sua corrida presidencial. Todos os seus recursos mais atraentes (seu carisma, sua ênfase na 'força', sua brutal força de convencimento) e suas fraquezas mais incapacitantes (sua intimidação, sua falta de preparo, suas 'indiretas' com conotação sexual) estão enraizadas em seu gênero", avalia.

De fato, Donald Trump acumulou, desde o início de sua corrida presidencial, quando ainda era um postulante à candidatura republicana à Presidência, uma série de declarações sexistas, relativizadas por ele como "brincadeiras de vestiário" ou "papo de homem".

O vazamento de uma fita, gravada em 2005 e divulgada no início de outubro pelo “Washington Post”, no qual o republicano gabava-se --pelo simples fato de ser famoso-- de poder "fazer qualquer coisa com as mulheres quando se é famoso", inclusive "pegá-las pela xoxota", foi a cereja no bolo de uma campanha marcada pela misoginia.

Antes, Trump já havia destratado, de forma machista, a jornalista da Fox News Megyn Kelly, a ex-Miss Universo Alicia Machado, a pré-candidata republicana Carly Fiorina, além de fustigar a própria oponente no pleito presidencial Hillary Clinton –no primeiro debate realizado entre eles, por exemplo, o republicano interrompeu a democrata em 55 oportunidades, em um comportamento machista chamado de "manterrupting".

Para Ryan Grim, do "Huffington Post", os eleitores norte-americanos têm a chance de repudiar tal machismo nas urnas. "Este julgamento pode ser potencialmente devastador: o eleitorado poderá mostrar a maior rejeição a um candidato já vista na história americana", afirma o jornalista, frisando que "se Donald Trump faz o que diz fazer com mulheres, ele deveria ser preso."

Além do impacto causado pelas declarações de Trump no seio republicano –"figurões" do partido, como o presidente da Câmara dos Deputados, Paul Ryan, além da família Bush, condenaram as afirmações do candidato--, uma enorme ruptura, que pode ser fatal às pretensões do bilionário à Casa Branca, deve ser sentida entre uma parcela do eleitorado que historicamente vota no Partido Republicano, mas que tende a migrar para a candidatura democrata: as mulheres brancas com diploma universitário.

Para o pesquisador Harry Wilson, do Roanoke College (Virgínia), o afastamento desse nicho de eleitores da candidatura republicana tente a ser irreversível. "Uma vez que as pessoas se voltam contra você, é difícil ganhá-las de volta", avalia.

Homens com Trump; mulheres com Hillary

De acordo com sondagem encomendada pela revista "The Atlantic", Hillary tem 33 pontos de vantagem sobre Trump (61% vs. 28%) quando é considerado apenas os votos femininos. Em um cenário inverso, com apenas eleitores homens, o republicano levaria 48% dos votos populares, ante 37% da democrata.

Levando-se em consideração o que, de fato, define o pleito, ou seja, a votação no Colégio Eleitoral, o cenário é semelhante. Valendo-se da análise de pesquisas eleitorais do site FiveThirtyEight, em uma eleição com votos apenas de mulheres, Hillary seria eleita com o apoio de 458 dos 538 eleitores do Colégio Eleitoral, contra 80 de Trump. Entre os homens, o republicano vence, embora com uma vantagem menor: 350 a 188.

Ao UOL, Martha Regula, pesquisadora da Biblioteca Nacional de Primeiras Damas, afirmou que "é extremamente difícil prever a reação da sociedade americana caso uma mulher seja eleita presidente". Ela vê a corrida eleitoral como "muito controversa" e prevê "algumas consequências" por parte de apoiadores de Trump se por ventura ele for derrotado. 

A pesquisadora, no entanto, crê que "os americanos, os cidadãos e os meios de comunicação vão aceitar uma mulher presidente". Ela acrescenta que "muitos anos atrás, ninguém pensou que teríamos um presidente afro-americano e a aceitação dele não tem sido uma questão para a maioria dos americanos."

Diferentemente de 2008, quando pleiteou pela primeira vez a candidatura democrata à Presidência da República (foi derrotada por Obama), desta vez Hillary tem enfatizado sua condição de candidata mulher –e feminista.

Questionada pela reportagem da revista eletrônica "Lennysletter", em setembro de 2015, se se considerava feminista, a democrata foi enfática: "Sim, totalmente". Hillary afirmou ainda que fica "desconsertada" quando vê uma mulher afirmar ser a favor da igualdade de direitos, mas não se declarar feminista.

Hillary de fato tem passagens em sua biografia que a credenciam como uma militante feminista. Em 1997, criou a Vital Voices Global Partnership, ONG que, em parceria com o corpo diplomático dos EUA, tem por objetivo a promoção de avanços na qualidade de vida das mulheres em todo o mundo.

Como secretária de Estado do governo Obama, criou o posto de Embaixadora Externa para Mulheres. Antes, já havia ajudado a criar o Escritório para a Violência Contra as Mulheres no Departamento de Justiça.

"Feminismo branco de Wall Street"

Apesar destas e outras iniciativas, porém, há quem critique o “feminismo branco de Wall Street” de Hillary. Muitas eleitoras que se declaram feministas apoiaram o socialista Bernie Sanders nas primárias democratas.

A atriz Susan Sarandon, por exemplo, afirmou recentemente que votará na candidata do Partido Verde, Jill Stein, recusando-se a apoiar a democrata. "Não voto com minha vagina", afirmou à "BBC".

"Não importa que Hillary seja uma mulher. Importa que não é o nosso tipo de mulher", escreveu Molly Roberts, colunista da revista estudantil de Harvard. “Pode ser que Clinton seja uma mulher, mas também é branca, rica, privilegiada e heterossexual", completa.

“Clinton representa um tipo de feminismo neoliberal centrado em romper o teto de cristal. Isso significa eliminar os obstáculos que impedem mulheres mais bem privilegiadas, com boa formação e que já possuem grandes quantidade de capital cultural e de outro tipo, subir nos escalões governamentais e empresariais”, afirma Nancy Fraser, intelectual feminista.

"As principais beneficiárias deste tipo de feminismo são majoritariamente mulheres privilegiadas, cuja possibilidade de ascender depende, em boa medida, do enorme grupo que se encarrega do serviço doméstico e do cuidado familiar, muito mal pago e muito precário, também formado por mulheres, sobretudo negras", completa.

Para a acadêmica Yasmin Nair, as feministas norte-americanas esperam que as políticas mulheres "tenham algo a dizer, e não simplesmente dependam de misoginia e incompetência de seus rivais".

A força das mulheres nas eleições americanas