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Trump dá número pessoal de celular a líderes mundiais e preocupa autoridades dos EUA

Josh Haner/The New York Times
Imagem: Josh Haner/The New York Times

Vivian Salama

Da Associated Press, em Washington (EUA)

31/05/2017 10h47

O presidente Donald Trump tem dado o número de seu telefone celular a líderes mundiais, dizendo-lhes para ligar diretamente a ele. É um convite incomum, que quebra o protocolo diplomático e desperta preocupações sobre a segurança e o sigilo das comunicações do comandante-em-chefe dos EUA.

Trump incentivou os dirigentes do Canadá e do México a lhe telefonar diretamente em seu celular, segundo autoridades atuais e passadas dos EUA com conhecimento direto dessa prática. Dos dois, só o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, aproveitou a oferta até agora, disseram as autoridades.

Trump também trocou números com o presidente francês, Emmanuel Macron, quando os dois conversaram imediatamente depois da vitória de Macron no início deste mês, segundo uma autoridade francesa, que não quis comentar se Macron pretende usar a linha.

Todas as autoridades pediram anonimato porque não estavam autorizadas a revelar as conversas. Nem a Casa Branca nem o gabinete de Trudeau responderam a pedidos de comentários.

A ideia de líderes mundiais se comunicarem por celular pode parecer normal no mundo móvel de hoje. Mas no campo diplomático, em que os telefonemas entre líderes são assuntos altamente ensaiados, é mais uma quebra de protocolo notável de um presidente que manifestou desconfiança dos canais oficiais. A formalidade e a disciplina da diplomacia têm sido um aprendizado duro para Trump --que, antes de assumir o cargo, era facilmente acessível por celular e se considerava um homem de negócios impulsivo e independente.

Os presidentes geralmente fazem telefonemas em uma de várias linhas seguras, como as da Sala de Situação ou do Salão Oval da Casa Branca, ou da limusine presidencial. Mesmo que Trump use seu celular liberado pelo governo, as ligações são vulneráveis a espionagem, especialmente de governos estrangeiros, segundo especialistas em segurança nacional.

"Se você fala em uma linha aberta, é uma linha aberta, o que significa que os que têm capacidade para monitorar essas conversas estarão fazendo isso", disse Derek Chollet, um ex-assessor do Pentágono e membro do Conselho Nacional de Segurança que hoje está no Fundo Marshall alemão dos EUA.

Um presidente "não leva consigo um telefone seguro", disse Chollet. "Se alguém estiver tentando espioná-lo, você deve supor que haverá pessoas escutando tudo o que disser."

A advertência é válida mesmo quando se trata de aliados. Como aprendeu a chanceler alemã, Angela Merkel, em 2013, quando um conjunto de segredos americanos vazados por Edward Snowden revelou que os EUA estavam monitorando o celular dela, as boas relações não impedem certa espionagem entre amigos.

"Se você for Macron ou o líder de qualquer país e conseguir o número do celular do presidente dos EUA, é racional supor que o entregará diretamente ao seu serviço de inteligência", disse Ashley Deeks, uma professora de direito na Universidade da Virgínia que serviu como assessora jurídica para assuntos político-militares no Departamento de Estado dos EUA.

A prática expõe Trump a acusações de hipocrisia. Durante toda a campanha presidencial no ano passado, ele criticou sua adversária democrata, Hillary Clinton, por usar um servidor de e-mail privado enquanto foi secretária de Estado, insistindo que ela não deveria ter acesso a informações sigilosas porque as deixaria vulneráveis a inimigos estrangeiros.

Os telefonemas do presidente a líderes mundiais muitas vezes envolvem um considerável planejamento antecipado. Autoridades do Departamento de Estado e do Conselho Nacional de Segurança geralmente preparam um roteiro com pontos de conversação e o histórico do líder do outro lado da linha. Muitas vezes uma transcrição informal da ligação é feita e distribuída entre um grupo seleto --seja um pequeno número de assessores ou um grupo maior de autoridades de política externa. Esses registros são preservados e arquivados.

A Casa Branca não respondeu a perguntas sobre se o presidente está mantendo registros de ligações menos formais com líderes mundiais.

A Casa Branca de Trump já enfrenta críticas por seus aparentes esforços para trabalhar fora dos canais diplomáticos habituais.

O governo tem evitado perguntas sobre a suposta tentativa de um assessor graduado de montar um canal secreto de comunicação com Moscou nas semanas que antecederam à posse de Trump. O assessor da Casa Branca Jared Kushner, genro do presidente, encontrou-se em dezembro com o embaixador da Rússia nos EUA e conversou sobre a possibilidade de usarem uma linha de comunicação secreta para facilitar discussões delicadas de políticas sobre o conflito na Síria, segundo uma pessoa inteirada das conversas. A pessoa pediu o anonimato porque não estava autorizada a falar sobre o assunto.

A Casa Branca disse que esses canais secretos de comunicação são úteis e discretos.

Trump se esforçou mais que a maioria dos presidentes recentes para manter em particular suas conversas com líderes mundiais. Seus comentários ao primeiro-ministro da Austrália, Malcolm Turnbull, ao presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, e a diplomatas russos vazaram, supostamente depois que anotações das conversas circularam entre autoridades da segurança nacional.

Não ficou claro se uma ligação imprevista e informal com um líder estrangeiro seria registrada e arquivada. A Lei de Registros Presidenciais de 1981, aprovada em reação ao escândalo de Watergate, exige que o presidente e sua equipe preservem todos os registros relacionados ao cargo. Em 2014, a lei foi emendada para incluir e-mails pessoais.

Mas a lei contém "pontos cegos" --como a manutenção de registros de comunicações diretas por celular, segundo Jonathan Turley, professor de direito na Universidade George Washington especializado em interesse público e Lei de Segurança Nacional.

No governo de Barack Obama, o primeiro presidente que usou telefone celular, preocupações sobre invasões cibernéticas --especialmente de governos estrangeiros-- colocaram os equipamentos do presidente no fundo da bolha de segurança. Muitas funções do BlackBerry de Obama foram bloqueadas, e um número reduzido de pessoas tinha seu número de telefone e endereço de e-mail, segundo ex-assessores.

"O governo às vezes parece uma grande burocracia com regras idiotas, mas muitas dessas coisas foram implementadas por bons motivos, existem há algum tempo e determinam a maneira mais eficaz de fazer negócios na esfera política internacional", disse Deeks. "Às vezes os presidentes demoram mais para entender isso."