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Cônsul critica "falta de critérios claros" para prisão de brasileiros na imigração nos EUA

Steve Sapp/Flickr U.S. Customs and Border Protection Follow
Imagem: Steve Sapp/Flickr U.S. Customs and Border Protection Follow

Talita Marchao

Do UOL, em São Paulo

20/06/2017 04h00

Em telegramas enviados para o Itamaraty, o cônsul-geral do Brasil em Miami, Adalnio Senna Ganem, deixa clara a sua preocupação com a "falta de critérios claros por parte de autoridades migratórias" dos EUA para a prisão de brasileiros acusados por fraude de visto –na maioria dos casos, quando a pessoa mente durante a emissão do visto americano sobre a permanência nos EUA além do permitido. O diplomata queixa-se ainda de que muitos brasileiros são detidos sem qualquer agravante criminal, exceto pelo delito imigratório, e diz que o consulado não é informado sobre a transferência de brasileiros presos.

O Brasil é o terceiro país com mais cidadãos em situação ilegal no país em casos de "visa overstay", ou seja, quando a pessoa fica no país além do prazo determinado pelas autoridades imigratórias, mesmo que o visto ainda esteja válido. O Brasil só perde para Canadá e México, ambos países com fronteiras físicas. As autoridades da imigração americana têm plenos poderes para deportar qualquer pessoa que tenta entrar no país. Mas, em alguns casos, os passageiros são detidos e respondem a um processo até que a Justiça determine a deportação.

No documento, enviado ao Itamaraty no dia 13 de outubro de 2016 e obtido por meio da Lei de Acesso à informação, o próprio cônsul explica o que são os casos classificados como “fraude de visto”, “recorrentes na jurisdição de Miami e representam uma das principais áreas de atuação do Setor de Assistência a Brasileiros”, segundo ele.

Citando um advogado de imigração não-identificado no documento, Ganem argumenta que as decisões do CBP (Customs and Border Protection) seriam “arbitrárias e dependeriam da carga de trabalho em um determinado dia”. O diplomata diz ainda que considera incompreensível que a falta de integração entre os bancos de dados do Departamento de Estado e outras agências do governo resulte na detenção de brasileiros portadores de visto.

O cônsul cita ainda uma reunião de 2014 com um representante do Departamento de Estado, que afirmou que a abertura do processo contra determinados indivíduos “seria motivada pela suspeita de que tivessem cometido outros crimes”. Segundo, Ganem, "no entanto, em diversos casos acompanhados pelo Consulado-Geral, o cidadão brasileiro fora preso e deportado somente pelo fato de ter permanecido anteriormente além do prazo permitido e por haver omitido essa informação para obter novo visto, sem que constasse em seu processo qualquer acusação por outro crime.”"

Ganem queixa-se ainda de que o Consulado em Miami não é notificado a respeito da transferência de nacionais entre prisões locais ou para outras jurisdições –independentemente da acusação. Ele ainda sugere que a diplomacia brasileira questione quais providências estariam sendo tomadas para aperfeiçoar o sistema de avaliação para a concessão de vistos do Departamento de Estado.

Procurado pelo UOL, o cônsul-geral Adalnio Senna Ganem afirma os "critérios para detenção por ‘fraude de visto estão previstos na legislação federal norte-americana e não existe dúvida sobre a legalidade dessas prisões". "Em geral, entende-se que o agente migratório, em cooperação com os procuradores federais, avalia a complexidade do crime, possível histórico criminal e migratório, e se existem agravantes com vistas a decidir se inicia ou não processo criminal por 'fraude de visto'. Se não houvesse esse grau de discricionariedade, um número maior de estrangeiros poderia ser processado por ‘fraude de visto'", diz o diplomata.

Ganem ressalta ainda que toda detenção de cidadão brasileiro nos aeroportos da Flórida costuma ser pelo crime de "fraude de visto" ou por outras questões migratórias, mas afirma que neste ano o Consulado-Geral em Miami não tomou conhecimento de nenhuma ocorrência do gênero em sua jurisdição.

Procurada pelo UOL, a Embaixada dos EUA no Brasil não comentou as declarações do cônsul, e afirmou que critérios e procedimentos para a entrada ou prisão de estrangeiros em um porto de entrada nos EUA são de responsabilidade do Departamento de Segurança Interna. 

Presos por “mentirinha”

Em 2015, o ex-cônsul em Miami, Hélio Vitor Ramos Filho, hoje assessor especial da presidência na Câmara dos Deputados, cita em documento enviado pelo consulado em 25 de agosto de 2015 que, em 2014, 20 brasileiros foram condenados na jurisdição do consulado por fraude na obtenção de visto ou por “mentirinha”, como é chamada informalmente a acusação por ocultar o período ilegal nos EUA durante a entrevista de visto. Ramos Filho diz ainda que a permanência irregular vencido é o principal fator a resultar em diversas condenações por questões migratórias”.

Segundo o consulado em Miami, que tem sob sua jurisdição a Flórida, Porto Rico e Ilhas Virgens Norte-Americanas, em 2015 foram presos 22 brasileiros por fraude de visto. Em 2016, onze foram presos.

A missão diplomática brasileira em Miami possui uma cartilha sobre os direitos dos cidadãos detidos em prisões americanas. O principal alvo da cartilha, segundo Ramos Filho afirma em telegrama enviado em 14 de agosto de 2015, são os brasileiros detidos em casos como fraude de visto e que ficam presos até o momento da deportação. "Trata-se de um público vulnerável e que, em geral, nunca cometeu um delito.

"Família só fica sabendo porque a pessoa não chega nos EUA"

A advogada especialista em imigração, Renata Castro Alves, explica que normalmente familiares e advogados só ficam sabendo da detenção de um brasileiro quando a pessoa responsável por buscar passageiro no aeroporto não a encontra no desembarque e não dá notícias da chegada para os parentes no Brasil. "A gente às vezes precisa esperar um período de 24 a 48 horas após a detenção para localizar a pessoa, já que esse procedimento é feito por meio de um localizador eletrônico que só acusa o registro depois que o estrangeiro foi processado por meios legais", diz Renata.

A advogada lembra ainda que existem os casos em que a pessoa é barrada e volta imediatamente para o Brasil sem que a família tome conhecimento, ou seja, sem a oportunidade de notificar qualquer um. Além disso, a companhia aérea não pode informar sobre o embarque ou desembarque de passageiros, já que é uma violação de confidencialidade.

Renata diz ainda que, pelo volume de casos que tem notado nos EUA, o número de brasileiros presos na imigração aumentou desde a posse de Donald Trump. "Antes eu recebia um telefonema a cada três, quatro meses, sobre casos de detenção de brasileiros. Agora isso acontece toda semana. No mínimo, alguém entra em contato sobre um caso ou tem notícias de alguém que foi detido", diz. Mas a advogada acredita que a mudança de governo não é o único fator para o aumento na procura por casos de detenção de ilegais. Ela acredita que, por conta da crise econômica no Brasil, o número de pessoas que excedem o tempo de permanência nos EUA cresceu, principalmente entre os que entram no país com visto de turista.