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Polícia debocha de suspeita em post de Facebook nos EUA. Isso é permitido?

Do UOL, em São Paulo

24/07/2017 04h00

Uma motorista derruba seis caixas de correio, embaralha as palavras e diz à polícia que tem um lagarto no sutiã. Junte um policial piadista e o que você tem? Um post irreverente no Facebook com fotos da mulher e, claro, do seu lagarto. Mas nem todo mundo está contente.

Departamentos de polícia dos Estados Unidos estão cada vez mais usando o Facebook para informar a comunidade sobre o que estão fazendo e quem estão prendendo. Alguns adicionam um pouco de humor. Mas advogados de direitos civis dizem que postar 'mugshots' (as fotos, de frente e de perfil, de suspeitos logo após serem presos) e fazer descrições pejorativas leva à vergonha pública pessoas que ainda não foram condenadas.

"Elas viram alvo de piada justamente no dia em que, para muitas dessas pessoas, foi o seu pior", diz à Associated Press Arisha Hatch, diretora da organização de direitos civis Cor da Mudança, que recentemente conseguiu com que a polícia da Filadélfia parasse de postar "mugshots" em sua página de 'operações especiais' no Facebook.

"O impacto de se ter uma 'mugshot' publicada na rede social, para todo mundo ver, pode ser incrivelmente danosa para as pessoas que são parentes, têm empregos e vidas para os quais elas terão que voltar."

Em Taunton, cidade de 57 mil habitantes a cerca de 60 km ao sul de Boston, o post do departamento de polícia com o lagarto em seu sutiã foi compartilhado pelo Facebook e recebeu forte cobertura.

O tenente Paul Roderick escreveu que Amy Rebello-McCarthy atropelou caixas de correio, jogando umas para o alto, antes de seu carro sair da pista, destruir um gramado e parar dentre as árvores. Quando a polícia chegou, ela pediu a eles que chamassem um guincho para que ela e sua companhia masculina pudessem "seguir seu caminho", escreveu Roderick.

"Desculpe, Amy, não podemos mover o carro agora. Se o fizermos, o que você usará para se segurar em pé?", escreveu.

Roderick descreveu como ela contou à polícia que tinha um lagarto."Onde alguém guarda um dragão-barbudo enquanto dirige, você pergunta? Resposta: Em seu sutiã, claro!"

Muitos comentários enalteceram a polícia. "Ótimo trabalho (tirando bêbados das ruas e nos divertindo)", uma mulher escreveu.

Mas outros dizem que o tom foi inapropriado. "Hey, departamento de polícia de Tanton... Sua postura de 'sou melhor que você' é parte da razão para a qual as pessoas não gostam/não respeitam a polícia", um homem escreveu.

Rebello-McCarthy, que se declarou inocente da acusação de dirigir embriagada e outras queixas, não quis dar declarações à imprensa americana sobre o assunto..

Tradicionalmente, a polícia deixa disponível para jornalistas publicarem as fotos e os detalhes de suspeitos. Mas os jornalistas, na maior parte, escolhem as histórias e 'mugshots' de forma seletiva, baseado no quão severa ou estranha é a natureza do crime. Muitos crimes não recebem nenhuma cobertura.

Roderick diz que tudo que ele escreveu no post sobre Rebello-McCarthy era verdadeiro. "Creio que não vejo problema com ele", disse, em entrevista. "Você pode ir longe demais? Acho que sim. Não acho que eu fui. Estou apenas tentando reportar o que aconteceu."

Ainda assim, Roderick recebeu uma reprimenda branda do chefe de polícia. "Ele basicamente disse: 'abaixe o tom um pouco'", contou Roderick.

Jaleel Bussey, 24, da Filadélfia, disse que quase foi expulso da escola de cosmética quando instrutores viram uma 'mugshot' sua no Facebook.

Bussey foi indiciado em 2016 depois que a polícia encontrou drogas dentro de uma casa que ele visitava, para cortar o cabelo de um cliente seu. A maior parte das queixas foi rejeitada antes de ir a julgamento; ele foi absolvido da última delas, de acordo com a promotoria pública da Filadélfia.

Bussey diz que recebeu permissão de continuar na escola depois de explicar que ele não tinha nenhuma droga e que as queixas foram rejeitadas. Ele disse ter se sentido humilhado quando seus familiares e professores viram a 'mugshot'.

"Fiquei com raiva na época", disse. "Fui declarado inocente. Eles ficam colocando a cara das pessoas como se fosse tudo bem."

Em Marietta, no Estado da Geórgia, a polícia tirou sarro de um homem suspeito de roubar uma loja de penhores.

"Senhor, você deve ter se esquecido que deixou com o caixa sua carteira de motorista e TODAS as suas informações pessoais, assim como forneceu a ele sua impressão digital enquanto completava o formulário do penhor, antes de roubá-lo. E, por sinal, tudo isso diante das câmeras... Quando você torna isso tão fácil, tira toda a graça de perseguir os caras maus!", escreveu a polícia em dezembro.

Em algumas comunidades, publicar 'mugshots' e posts com textos irônicos gerou uma reação contrária.

Em South Burlington, Vermont, o chefe de polícia Trevor Whipple foi favorável às 'mugshots', num primeiro momento, mas depois ele começou a perceber comentários depreciativos sobre tudo em relação aos suspeitos, dos cortes de cabelo à inteligência. O departamento interrompeu a prática depois de um ano.

"Queremos usar nossa página do Facebook para humilhar as pessoas?", perguntou Whipple. "Legalmente, não há problema - todas as 'mugshots' são públicas - mas a questão virou: é isso que queremos fazer?"

No Brasil

No Brasil, a atuação das polícias e secretarias da Segurança nas redes sociais costuma ser sóbria e de caráter principalmente informativo, se limitando a divulgar ações e balanço de operações da instituição. A polêmica envolvendo policiais e redes sociais, normalmente, diz respeito a declarações de agentes contra suspeitos, usando tons de ironia e ameaça, em suas páginas pessoais.

Segundo a SSP de São Paulo, as polícias orientam os responsáveis pelas redes sociais "para que sigam padrões estabelecidos em manuais de redação" e respeitem regras como "proibição de inserir imagens e nomes de presos e suspeitos, assim como a inclusão de qualquer comentário tendencioso quanto aos envolvidos em ocorrências policiais".

"O objetivo é que as redes sociais de ambas as polícias retratem os fatos de forma técnica, mostrando o trabalho realizado pelas corporações no combate e prevenção à criminalidade, sempre compromissadas com os valores de legalidade e defesa de direitos", acrescenta a nota da SSP. (Com informações da AP)