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Adolescente brasileiro é detido ao desembarcar nos EUA; pai apela por deportação

Vitor Fraga com o pai, Renato, pouco antes de embarcar para os EUA, onde o adolescente foi detido e levado a um abrigo sob a acusação de imigração ilegal - Arquivo pessoal
Vitor Fraga com o pai, Renato, pouco antes de embarcar para os EUA, onde o adolescente foi detido e levado a um abrigo sob a acusação de imigração ilegal Imagem: Arquivo pessoal

Marcelo Freire

Do UOL, em São Paulo

13/08/2017 11h00Atualizada em 14/08/2017 18h01

O fluminense Renato Fraga, 42, não imaginou que acordaria neste domingo (13),  Dia dos Pais, com uma única preocupação: tirar seu filho Vitor, 15, de um abrigo para adolescentes refugiados em Chicago, nos Estados Unidos. Ele foi detido pela Imigração americana no aeroporto de Houston no último dia 9, sob suspeita de imigração ilegal.

O caso de Vitor, de Niterói (RJ), é semelhante aos de outros adolescentes brasileiros que ficam detidos ao viajar desacompanhados dos pais e são levados ao abrigo, onde ficam dias e até meses antes de serem liberados pelas autoridades norte-americanas.

Vitor viajava com a avó, carregava uma autorização dos pais para viajar desacompanhado e tinha visto de turismo nos Estados Unidos. Segundo a imigração americana, em explicação levada aos pais, ele foi detido porque estava matriculado em uma escola pública dos Estados Unidos com visto de turista --de acordo com especialistas em imigração ouvidos pelo UOL, esse é um dos argumentos que motivam a detenção de adolescentes pelas autoridades do país.

"Todo mundo está preocupado. É Dia dos Pais, e ninguém na família dorme desde quarta-feira", lamenta Fraga. "Entendo as razões da imigração, mas o que importa é que já estou aqui [nos Estados Unidos] para levá-lo, com as passagens compradas e tudo. Mesmo assim, não escutam ninguém", reclama.

A detenção

Vitor e sua avó desembarcaram em Houston para pegar um voo a San Francisco, onde mora a madrinha do adolescente --a tia que fez a matrícula do adolescente na escola. "Nós [pais] não sabíamos que era uma escola pública, achamos que era um curso de inglês. Não nos atentamos a isso", lamenta. "O objetivo dele não era o estudo, era a visita mesmo. Ele só aproveitaria para fazer algumas aulas de inglês."

O adolescente brasileiro Vitor Fraga, 15, que foi detido ao desembarcar nos EUA, onde foi levado para um abrigo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O adolescente brasileiro Vitor Fraga, 15
Imagem: Arquivo pessoal

Eles foram levados a uma sala da imigração no início da manhã de quarta, e horas depois Renato foi avisado no Brasil. "Me falaram que eu tinha que estar lá no mesmo dia, mas era impossível porque não havia voo. Comprei a primeira passagem e embarquei para Houston à noite. Mas nesse meio tempo eles separaram o Vitor da avó e liberaram ela. Desembarquei em Houston às 5h e às 5h15 ele embarcou para Chicago. Se eu tivesse conseguido chegar antes, a gente teria voltado."

Renato seguiu para Chicago, onde procurou a imigração imediatamente. "Perguntei onde meu filho estava e o atendente simplesmente respondeu: 'não falo com passageiro'. Eu disse que era um pai procurando o filho detido, mas o atendente falou que, ainda assim, eu era um passageiro. Virou as costas, e eu me senti um zé-ninguém ali."

O contato do pai com a imigração passou a ser feito pelo consulado brasileiro em Chicago --que, por sua vez, entrou em contato com uma ONG que cuida dos adolescentes no abrigo. Essa ONG, chamada Heartland Alliance, destinada ao combate do tráfico infantil, é quem faz a intermediação entre consulado e imigração americana.

Foi em um escritório da ONG que Renato conseguiu encontrar o filho, na sexta-feira, conversando com Vitor por uma hora. Um representante da agência, "super-educado, sem armas nem nada", segundo o pai, levou o adolescente para o encontro, acompanhou a conversa e depois o levou de volta para o abrigo. "Eu e o Vitor não podíamos nem nos tocar", relata.

O contato com o filho

O adolescente brasileiro Vitor Fraga (2º à esq.) com o pai, Renato, e a família - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Vitor com a família antes da viagem aos EUA
Imagem: Arquivo pessoal

"Ele está super-assustado, apesar de estar sendo bem tratado", resume Renato. "Ele ficou muito feliz de ver que estou lá fazendo de tudo para levá-lo. Vitor é um adolescente forte, mas está psicologicamente confuso, chora muito. Afinal, está preso."

De acordo com o pai, Vitor ocupa um quarto com três adolescentes refugiados do Senegal. "As pessoas que estão no abrigo têm problemas familiares muito maiores. São pessoas sem família, sem ninguém ali, com pais presos ou ilegais nos Estados Unidos. Ele é o único caso de alguém que tem passaporte, visto de turista, com alguém para buscá-lo."

Segundo as regras do local, a rotina do adolescente se limita a acordar, arrumar o quarto, tomar o café da manhã e assistir a aulas no abrigo --"o pessoal chama ele de nerd, porque ele sabe tudo, equação de segundo grau, essas coisas", conta Renato. De tarde, "ele fica meio sem ter o que fazer, sem atividade".

"O único livro que ele tem para ler é a Bíblia", diz. Vitor toma um banho por dia e usa roupas do próprio abrigo.

"Quero só uma deportação"

Renato conta que teve todo o apoio possível do consulado brasileiro em Chicago e também da companhia aérea, que avisou a Imigração americana que ele estava a caminho dos Estados Unidos para buscar o filho. "A Imigração sabia o tempo todo que eu estava indo para lá. A companhia aérea, a United Airlines, avisou eles que eu tinha embarcado, mas ignoraram essa informação."

Além disso, ele conversou com Leide Theophilo, mãe de Anna Beatriz Theophilo Dutra, que ficou 15 dias detida num abrigo nos EUA em abril de 2016, caso que repercutiu bastante na época. "A Leide, que foi meio que pioneira em lidar com esses problemas, me tranquilizou muito, dando várias informações. Me senti amparado."

Agora, segundo ele, o que resta é esperar. "Não tenho dúvidas de que o caso será resolvido, mas o duro é essa espera. Não tem expectativa ou informação. Estou em um hotel em Chicago sem saber até quando vou ficar", diz.

"Quando o caso chegar na mão da pessoa certa para analisar, o Vitor vai acabar sendo deportado voluntariamente, mas o duro é que o caso é tratado como outro qualquer, então não sabemos quanto tempo vai demorar. Tem criança que fica quatro, cinco meses, e o caso dele é tratado como outro comum. Ignoram a situação dele, que há um parente aqui, que ele estava com a avó. O governo americano acha que ele está bem e pode ficar lá no abrigo. Mas eu acho que ele está sequestrado."

"Trabalho com comércio exterior e compreendo os problemas que os Estados Unidos têm com essa questão. Acho até que eles estão certos. Mas a gente fica de mãos atadas, porque a Imigração ignora o que a gente fala. É um caso simples de ser resolvido. Quero só uma deportação voluntária para o Brasil e a vida dele segue normal", conclui.

Menores barrados precisam de autorização de juiz antes de deixar os EUA, diz Embaixada

Sem citar diretamente o caso do adolescente brasileiro, a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil se pronunciou nesta segunda-feira (14) sobre a situação dos adolescentes desacompanhados dos pais que têm sua entrada barrada ao desembarcar no país e acabam sendo levados para o abrigo.

Segundo a Embaixada americana, o procedimento ocorre até que os menores compareçam diante de um juiz de imigração. "Nesses casos, as autoridades americanas tomam as medidas adequadas sob a lei americana para garantir a saúde e a segurança do indivíduo até que ele/ela retorne para casa", diz a Embaixada.

Veja na íntegra a nota da Embaixada dos EUA no Brasil:

- O governo dos EUA está empenhado em garantir a segurança dos cidadãos americanos, bem como todos os visitantes nos EUA e também facilitar viagens de negócios, turismo e intercâmbio cultural.

- Todas as pessoas que viajam aos Estados Unidos, incluindo menores desacompanhados, têm a responsabilidade de certificarem que estão viajando com o visto apropriado para as atividades durante sua a visita. Um visto não garante a entrada nos EUA e somente permite que o visitante viaje até um porto de entrada no país, onde ele solicita admissão aos agentes da Alfândega e Proteção de Fronteiras (CBP) dos EUA. Os agentes da CBP determinarão a admissibilidade do visitante com base em uma série de critérios que inclui o motivo da viagem, assuntos relacionados à segurança e outras informações disponíveis. Para mais informações referentes aos processos de admissão dos EUA, incluindo as bases para a inadmissibilidade, visite as páginas de Admissões do Departamento de Segurança Interna (inglês): https://www.cbp.gov/travel/international-visitors; https://www.cbp.gov/travel/international-visitors/applying-admission-united-states.

- Quando o objetivo principal da visita é turismo, um visto de visitante (B) pode ser usado para se matricular em cursos de lazer, incidental ao objetivo principal da viagem, e que os cursos não sejam para crédito para um diploma ou certificado acadêmico. O estudo que conduz a um diploma ou certificado nos EUA não é permitido o uso do visto de visitante (B), mesmo que seja de curta duração.

- Importante ressaltar que segundo os requisitos da lei de 2008 de Reautorização de Proteção às Vítimas de Tráfico (Trafficking Victims Protection Reauthorization Act of 2008), menores desacompanhados que entram nos EUA e que o governo dos EUA busca removê-los devem comparecer perante um juiz da imigração para os procedimentos de imigração. Dentro de 72 horas depois que o Departamento de Segurança Interna determinar que o caso envolve um menor desacompanhado, eles são levados para o Reassentamento de Refugiados do Departamento de Saúde e Serviço Social. Nesses casos, as autoridades americanas tomam as medidas adequadas sob a lei americana para garantir a saúde e a segurança do indivíduo até que ele/ela retorne para casa.

- Segundo a lei americana, somente menores desacompanhados do México e do Canadá podem ter a opção de retirar seus pedidos de admissão, na condição que, seja provado que o menor não foi vítima de tráfico, não tem medo de regressar ao seu país e está apto a tomar uma decisão independente de retirar seu pedido de admissão. Com referência a menores desacompanhados de todos os outros países e que o governo americano busca removê-los dos EUA, eles devem ser colocados sob os requisitos de remoção perante um juiz da imigração. Nesses casos, a lei americana proíbe que os menores retirem seus pedidos de admissão.

- Recomendamos que procure a Polícia Federal para os documentos necessários para saída de menores desacompanhados do Brasil.

Itamaraty diz acompanhar o caso

O Itamaraty afirmou que está acompanhando o caso do Vitor e que o Consulado do Brasil em Chicago já está em contato tanto com a família quanto com a direção do abrigo.

Segundo o Itamaraty, o caso está sendo tratado como prioridade e que a liberação do rapaz, para retorno ao Brasil, depende de uma decisão final do ICE (órgão responsável pelo controle de imigração e alfândega dos EUA).