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Milho, guitarras e bijuterias: comércio entre Brasil e Coreia do Norte persiste apesar de sanções

Desde 1997, o Brasil importou 53 mil guitarras e contrabaixos da Coreia do Norte - Getty Images
Desde 1997, o Brasil importou 53 mil guitarras e contrabaixos da Coreia do Norte Imagem: Getty Images

Sérgio Spagnuolo

Do Aos Fatos

12/09/2017 09h00

Desde 1997, o Brasil importou 53 mil guitarras e contrabaixos da Coreia do Norte, mais de 100 toneladas de fitas magnéticas não gravadas e o equivalente a US$ 5.300 (R$ 16,4 mil) em componentes para miras telescópicas e periscópios, além de mais de US$ 500 mil (R$ 1,5 milhão) em bijuterias diversas.

Apesar das quinquilharias, a Coreia do Norte foi, nos últimos 20 anos, um exportador de produtos de alta tecnologia para o Brasil --entre aparelhos periféricos para informática, circuitos eletrônicos e acessórios de telefonia. Ao todo, nos últimos 20 anos, esses produtos somaram importações de quase US$ 400 milhões (R$ 1,2 bilhão).

No lado das exportações, o Brasil vendeu principalmente produtos primários, como US$ 372 milhões ou R$ 1,1 bilhão em cereais (principalmente soja e milho), óleos vegetais e algodão, além de US$ 564 milhões (R$ 1,75 bilhão) em minérios, principalmente ferro e cobre.

As informações foram levantadas no site do Observatório de Complexidade Econômica (OEC, na sigla em inglês), projeto ligado ao MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), que usa dados da divisão de estatística da ONU (Organização das Nações Unidas), e também no banco de dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC).

Se a ameaça do presidente norte-americano Donald Trump se concretizasse e o Brasil tivesse de romper relações com a terra de Kim Jong-un, teríamos, contudo, pouco a perder financeiramente --Trump disse que iria "paralisar todo o comércio" com países que mantêm relações comerciais com a Coreia do Norte por conta de seu programa de desenvolvimento de arsenal nuclear.

Dados das últimas duas décadas mostram que a Coreia do Norte exportou para o Brasil, principalmente, produtos industrializados e de tecnologia de ponta, ao passo que os brasileiros enviaram à nação asiática, em sua maioria, commodities agrícolas de alto valor agregado e minério.

No período, os norte-coreanos embarcaram para o Brasil ao menos US$ 630 milhões (cerca de R$ 2 bilhões) em máquinas (como maquinário de construção civil) e eletrônicos (como componentes para celulares e computadores).

Enquanto isso, os brasileiros enviaram US$ 776 milhões (R$ 2,4 bilhões) em produtos minerais e metais e quase US$ 400 milhões (R$ 1,2 bilhão) em produtos vegetais e alimentos combinados, de acordo com o OEC.

Considerando o período de 20 anos de relações comerciais cujos dados o MDIC agrega, de janeiro de 1997 a julho deste ano, o Brasil exportou para a Coreia do Norte apenas US$ 1,572 bilhão, ao passo que as importações totalizaram US$ 1,387 bilhão, e as trocas entre os países caíram significativamente nos últimos anos --ou R$ 4,9 bilhões de exportações e R$ 4,3 bilhões em importações se fizermos a conversão entre dólar e real.

Relacionamento já foi mais próximo

Nem sempre foi assim. Acordos assinados anteriormente entre Brasília e Pyongyang e um histórico comercial ativo entre as duas partes mostram que já houve uma disposição de se levar à frente um relacionamento mais estreito entre as duas partes --apesar de o lado brasileiro sempre ter sido crítico dos testes de bombas nucleares.

Embora modesto, é um relacionamento que persiste mesmo em meio às mais de dez sanções econômicas impostas pelo Conselho de Segurança da ONU desde 2006 contra o governo norte-coreano --um novo pacote foi aprovado nesta segunda-feira. A Coreia do Norte foi listada como o 153º parceiro comercial do Brasil no ano passado, segundo o Itamaraty.

Em maio de 2006, os dois países assinaram um acordo comercial com o "desejo de desenvolver as relações comerciais e a cooperação econômica". Menos de quatro meses depois, no dia 9 de outubro, os norte-coreanos realizaram seu primeiro teste nuclear.

O evento, considerando as duas sanções quase imediatas do Conselho de Segurança da ONU, não impediu a evolução do comércio bilateral. De acordo com o MDIC, as transações atingiram o auge em 2008, quando o volume das negociações entre ambas nações somou US$ 375 milhões (cerca de R$ 1,2 bilhão).

Até armamentos chegaram a ser embarcados: em 2007, o Brasil importou cerca de US$ 50 mil (R$ 155 mil) em munição explosiva da Coreia do Norte, segundo o Observatório de Complexidade Econômica.

Kim - AFP - AFP
O líder norte-coreano, Kim Jong-un
Imagem: AFP

Apoios políticos ao Brasil

Embora recentemente o comércio tenha decrescido significativamente --na ordem de 97% desde o ano recorde até o fim de 2016, fruto de pelo menos mais nove sanções internacionais contra a Coreia--, ele persiste na contramão de alguns países do Ocidente.

De acordo com o OEC, apenas 110 países registraram alguma tratativa comercial com a Coreia do Norte em 2015 --como comparação, o Brasil teve negócios com 208 parceiros.

A China é o principal parceiro comercial dos norte-coreanos, representando mais de 80% de seus negócios internacionais. Já a participação do Brasil é um ganho mais político do que propriamente comercial.

Um relatório datado de 2011 enviado pelo Itamaraty para o Senado detalhava que os norte-coreanos apoiavam "o pleito brasileiro a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU", além de terem dado suporte para a candidatura de José Graziano à diretoria-geral da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) e de assinarem um acordo de cooperação econômica e técnica com Brasília em 2010, na área de agricultura.

"No quadro geral de relações externas da Coreia do Norte, o Brasil ocupa espaço próprio. Pyongyang nos vê como um país com uma política externa independente, que privilegia as relações com países em desenvolvimento e que pode contribuir para um melhor engajamento da Coreia do Norte junto à sociedade internacional", apontou o relatório.

10 principais produtos exportados pelo Brasil para a Coreia do Norte:

  1. Minérios de ferro e concentrados
  2. Ferro fundido bruto
  3. Resíduos sólidos do óleo de soja
  4. Resíduos de metais preciosos
  5. Milho em grão
  6. Algodão
  7. Outros grãos de soja
  8. Ferro-nióbio
  9. Óleos brutos de petróleo
  10. Tabaco não manufaturado

 

10 principais produtos importados pelo Brasil vindos da Coreia do Norte

  1. Gasóleo (óleo diesel)
  2. Placas de memória
  3. Terminais portáteis de telefonia celular
  4. Produtos laminados planos, de ferro ou aço não ligado
  5. Tela para microcomputadores portáteis, policromática
  6. Ácido tereftálico e seus sais
  7. Memórias RAM
  8. Pontes e vigas, rolantes, de suportes fixos
  9. Outros circuitos integrados monolíticos
  10. Outras memórias digitais montadas