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Sem atuação na crise da Venezuela, Brasil perde protagonismo na América Latina

5.ago.2017 - O chanceler do Brasil, Aloysio Nunes, durante reunião do Mercosul em SP - Leonardo Benassato/ Framephoto/ Estadão Conteúdo
5.ago.2017 - O chanceler do Brasil, Aloysio Nunes, durante reunião do Mercosul em SP Imagem: Leonardo Benassato/ Framephoto/ Estadão Conteúdo

André Carvalho

Do UOL, em São Paulo

04/11/2017 04h00Atualizada em 05/11/2017 15h49

Sem tomar um papel de liderança na crise da Venezuela, o Brasil perdeu seu protagonismo e teve seu poder de interlocução na América Latina abalado. Esta é a conclusão de especialistas em relações internacionais ouvidos pelo UOL.

Para Javier Vadell, professor de relações internacionais da PUC-Minas, a política externa brasileira adotou, desde a chegada de Michel Temer à Presidência da República, um comportamento “ideológico” que levou a uma crise de interlocução com antigos parceiros comerciais, como a Venezuela. Além de uma perda de protagonismo na região, decorrente do enfraquecimento de órgãos de integração regional, como o Mercosul.

A suspensão da Venezuela do Mercosul --ocorrida em uma reunião realizada em São Paulo em agosto--, em vez de tentar intermediar a situação do país, para Vedell, enfraquece o órgão, diminuindo sua força política. 

Constituinte de Maduro toma posse na Venezuela - Foto: AFP - Foto: AFP
Assembleia Constituinte Venezuelana toma posse em Caracas; Grupo de Lima não reconheceu resultado de eleições
Imagem: Foto: AFP

A questão venezuelana

O distanciamento político entre Brasil e Venezuela, estabelecido com o ingresso de Temer no Palácio do Planalto, inviabiliza tanto a manutenção das fortes relações comerciais estabelecidas nos governos Lula e Dilma, quanto a mediação na crise política do país.

"O Brasil era um importante interlocutor da Venezuela”, lembra o professor Rafael Villa, professor da USP (Universidade de São Paulo), ressaltando o papel do governo brasileiro em 2003 na liderança do Grupo de Amigos da Venezuela, criado para mediar a crise naquele país com a oposição pedindo a renúncia do então presidente Hugo Chávez.

Vedell acredita que a política externa brasileira "se mostrou frágil" por não ser contemplativa com relação à questão venezuelana, lembrando que o país vizinho foi um grande parceiro comercial do Brasil nas últimas décadas.

Em setembro, o chanceler brasileiro, Aloysio Nunes, disse à "Folha de S.Paulo" que o Brasil não poderia ser mediador no diálogo entre governo e oposição venezuelanos por "ter um lado muito definido", em relação à oposição feita ao governo de Nicolás Maduro. 

Com o vácuo deixado pelo Brasil, outros países assumiram o posto: México, Chile, Bolívia e Nicarágua estão à frente de uma comissão para manter o diálogo entre o governo Maduro e a oposição venezuelana. 

Em lugar do "Grupo de Amigos da Venezuela", foi criado o Grupo de Lima, de países críticos ao governo de Nicolás Maduro, que tem tido como liderança o Canadá. Fazem parte do grupo Brasil, Argentina, Canadá, Chile, México, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Honduras, Panamá, Paraguai e Peru.

Enfraquecimento comercial do Mercosul

De acordo com Rafael Villa, há atualmente uma paralisia na diplomacia brasileira "que vai deixando uma espécie de vácuo que outros países podem cobrir".

Ele cita a diminuição das relações "Sul-Sul" --entre países em desenvolvimento-- por parte do governo brasileiro, incluindo as relações com os países do BRICs e do Mercosul, como exemplos desta "paralisia". 

No final de agosto de 2016, por exemplo, por falta de deliberação do Mercosul, insumos industriais --de tinta para impressão de tecidos a insumos para a fabricação da cerveja-- tiveram custos de importação majorados.

Em 2014, a taxa de importação de insumos havia sido reduzida de 16% para 2%, com o intuito de tornar os produtos locais mais competitivos em relação àqueles produzidos na Ásia. A manutenção da baixa tarifa, que venceu em maio de 2016, no entanto, não foi renovada por conta da não realização da cúpula --que ocorreria dois meses depois, quando a decisão sobre a saída da Venezuela foi discutida. 

Vadell destaca que a crise no bloco econômico é interessante para os EUA, que podem, assim, travar relações comerciais mais vantajosas na região. "O importante para os EUA é fomentar a divisão [na região]. Quanto mais dividido o Mercosul, melhor. Este trabalho é sutil", afirma. 

A intenção por parte do Itamaraty de revogar a decisão 32, datada do ano 2000, que impede que países membros do Mercosul assinem acordos bilaterais de livre-comércio de forma independente, sem os outros membros do bloco, é uma das formas de enfraquecimento do bloco.

Para isso ocorrer, é necessária a aprovação dos quatros membros plenos do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai) --os argentinos, no entanto, resistem à possível mudança.

Brasil deixa de ser rota de viagem

De fato, o Brasil deixou de entrar na rota de viagem de líderes internacionais, em turnês pela América Latina --recentemente, EUA, Itália, Japão e Alemanha não incluíram o Brasil em suas excursões. A Argentina, por sua vez, tem ganhado cada vez mais atenção de países desenvolvidos. 

O presidente da Argentina, Mauricio Macri, e o vice-presidente americano, Mike Pence, durante coletiva conjunta em Buenos Aires nesta terça-feira (15) - Foto: AFP - Foto: AFP
O vice-presidente dos EUA, Mike Pence, e o presidente da Argentina, Mauricio Macri, durante encontro ocorrido em Buenos Aires
Imagem: Foto: AFP

De acordo com especialistas ouvidos pela BBC, as crises econômica e --sobretudo-- política no Brasil têm afastado estes países.

"Mas isso deve mudar quando a economia brasileira voltar a crescer e ocorrer uma renovação política no Brasil", afirmou à BBC o ex-embaixador da Argentina no Brasil Juan Pablo Lohlé, do Cepei (Centro de Estudos Políticos Estratégicos Internacionais).