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Russos ficavam em alerta no Twitter para 'desviar' notícias que prejudicassem Trump

Rick Wilking/ Reuters
Imagem: Rick Wilking/ Reuters

Ryan Nakashima e Barbara Ortutay*

Da Associated Press, em San Francisco (EUA)

10/11/2017 12h02

Agentes russos disfarçados no Twitter correram para desviar notícias escandalosas sobre Donald Trump pouco antes da eleição presidencial no ano passado, enquanto se esforçavam para redirecionar as críticas na mídia da corrente dominante e na campanha de Hillary Clinton, segundo uma análise feita pela agência Associated Press de contas desde então deletadas.

Tuítes de contas apoiadas pela Rússia, como "America_1st_" e "BatonRougeVoice" em 7 de outubro de 2016 ativamente desviavam de notícias de uma gravação em áudio em que Trump fez comentários rudes sobre bolinar mulheres, e em vez disso promoviam e-mails prejudiciais roubados do presidente da campanha de Hillary, John Podesta.

Desde o início deste ano, a extensão da interferência russa para ajudar Trump e prejudicar Hillary na eleição foi tema de análises do Congresso e de uma investigação criminal do procurador especial dos EUA, Robert Mueller. Em particular, essas investigações examinam a possibilidade de conspiração entre a campanha de Trump e os russos.

A análise da AP esclarece a estratégia óbvia por trás da interferência cibernética russa: reagir rapidamente, distorcer e desviar a atenção de qualquer notícia negativa sobre Trump. 

A AP examinou 36.210 tuítes de 31 de agosto de 2015 a 10 de novembro de 2016, postados por 382 contas russas que o Twitter compartilhou com investigadores do Congresso na semana passada. O Twitter desativou as contas, deletando os tuítes e tornando-os inacessíveis na internet. Mas uma parte limitada da atividade dessas contas foi recuperada comparando-se os nomes de identificação [handles] usados nas contas com um arquivo obtido pela AP. 

"A mídia da corrente dominante está novamente falando nisso com a gravação de Billy Bush... Que tal contar aos americanos como Hillary defendeu um estuprador e depois riu da vítima dele?", tuitou a conta America_1st_, que teve 25 mil seguidores em seu auge, segundo metadados do arquivo.

O tuíte foi publicado na tarde de 7 de outubro, horas depois que o jornal "The Washington Post" deu a notícia dos comentários de Trump para Bush, então apresentador do programa "Access Hollywood" sobre beijar, apalpar e tentar fazer sexo com as mulheres, dizendo: "Quando você é um astro, elas deixam você fazer".

Uma hora após a reportagem do "Post", o WikiLeaks lançou sua própria bomba sobre e-mails roubados da conta de Podesta, o que as contas russas vinham escondendo fazia dias. 

"Assange do WikiLeaks indica divulgação de documentos antes da eleição americana", tuitaram as contas "SpecialAffair" e "ScreamyMonkey" com um segundo de diferença em 4 de outubro. "SpecialAffair", uma conta que se descreve como um "Viciado político em ação", tinha 11.255 seguidores na época. "ScreamyMonkey", autodescrita como "Primeira fronteira. Agregador de notícias", tinha 13.224. As duas contas foram criadas com três dias de intervalo no final de dezembro de 2014.

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O Twitter entregou os handles de 2.752 contas que identificou como vindas da Agência de Pesquisas da Internet da Rússia a investigadores do Congresso antes da audiência das gigantes das redes sociais no Capitólio em 31 de outubro e 1º de novembro. A companhia informou que 9% dos tuítes eram relacionados à eleição, mas não divulgou os tuítes propriamente. 

Isso torna o arquivo obtido pela AP a mais abrangente imagem histórica até hoje da atividade russa no Twitter nessa escalada crucial à eleição de 8 de novembro de 2016. A política do Twitter exige que os desenvolvedores que arquivam seu material deletem tuítes de contas suspensas assim que seja razoavelmente possível, a menos que fazê-lo viole a lei ou que o Twitter abra uma exceção. É possível que a existência dos tuítes deletados no arquivo obtido pela AP burle essas regras.

As contas russas não entraram em ação apenas no último minuto. Elas estiveram igualmente ativas em pontos anteriores da campanha. 

Quando Trump se retratou de uma mentira sobre o local de nascimento de Barack Obama em 17 de setembro, declarando abruptamente que Obama "nasceu nos EUA, ponto final", várias contas russas entraram no coro da próxima alegação falsa de Trump, de que foi Hillary quem começou a polêmica sobre o nascimento de Obama. 

Outros continuaram a promover narrativas sobre o nascimento. A conta russa TEN_GOP, que muitos pensaram ser a conta oficial do Partido Republicano no Tennessee, ligava a um vídeo que afirmava que Obama "admite que nasceu no Quênia". Mas as contas russas não estavam coordenadas. O handle "hyddrox" retuitou um post do bilionário anti-Trump Mark Cuban de que "a mídia da corrente dominante está sendo enganada para afastar notícias sobre o nascimento".

Em 15 de setembro, Hillary voltou à trilha da campanha seguindo um surto de pneumonia que a fez cambalear em um serviço memorial do 11 de Setembro. A conta russa "Pamela_Moore13" comentou que sua música introdutória era "I Feel Good", de James Brown --e então observou que "James Brown morreu de pneumonia", frase que foi repetida pelo menos 11 vezes por contas russas, incluindo "Jenn_Abrams", que tinha 59.868 seguidores na época. 

Segundo vários obituários, Brown morreu de falência cardíaca congestiva relacionada a pneumonia.

A discórdia racial também figurou de modo proeminente nos tuítes, assim como em muitos anúncios que trolls [provocadores] russos tinham comprado no Facebook nos meses anteriores e posteriores à eleição. Uma conta russa, "Blacks4DTrump", tuitou uma citação de Trump em 16 de setembro em que ele declarou: "É o Partido Democrata que é o partido da escravidão, o partido de Jim Crow & o partido de oposição" [referência às leis segregacionistas apoiadas por políticos democratas no Sul dos EUA, no século 19 e início do século 20].

Enquanto isso, TEN_GOP pedia aos seguidores: "ESPALHEM a msg do pastor negro explicando por que os afro-americanos devem votar em Donald Trump!"

*Colaborou na reportagem o jornalista de dados da AP Larry Fenn, em Nova York. 

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