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De Temer a Trump Jr., WikiLeaks expõe bastidores da política mundial; entenda

Julian Assange, fundador do WikiLeaks, em Londres - Justin Tallis/AFP
Julian Assange, fundador do WikiLeaks, em Londres Imagem: Justin Tallis/AFP

Colaboração para o UOL, de Londres

14/11/2017 15h51

Vazamento de dados secretos, influência nas eleições norte-americanas, troca de mensagens com o filho de Donald Trump, envolvimento com separatismo catalão, o WikiLeaks parece ter um lugar cativo no noticiário político internacional recente.

Criado em 2006, o movimento tem ganhado destaque ao longo da última década por revelar informações confidenciais. Ele é visto por uns como parte de um esforço heroico por uma maior transparência na política e nas finanças globais, e é acusado de ser um “traidor” responsável por colocar vidas em risco.

Controvérsias à parte, o WikiLeaks tem um papel de peso na política e na economia global nos dias de hoje, e até o Brasil, e o presidente Michel Temer, já apareceram citados em documentos vazados pelo site.

Saiba mais sobre esta plataforma.

Em 2014, protestos pediam a liberdade de Julian Assange, considerado herói - Francois Lenoir/Reuters - Francois Lenoir/Reuters
Em 2014, protestos pediam a liberdade de Julian Assange, considerado herói
Imagem: Francois Lenoir/Reuters

O que é o WikiLeaks?

Descrito como uma organização de mídia sem fins lucrativos, o WikiLeaks foi criado em 2006 com o objetivo de tentar ser uma "Wikipedia sem censura". Na prática, ele se consolidou como uma das principais plataformas para a publicação de informações secretas em todo o mundo.

A plataforma foi criada por Julian Assange, um cidadão australiano, que se apresenta como um ativista, e rejeita o rótulo de hacker.

A ideia desde o começo era publicar grandes vazamentos de documentos e análises. O próprio site criado para divulgar as informações diz que o grupo aceita o envio de material restrito e censurado de relevância política, ética, diplomática e histórica. Eles rejeitam boatos, opinião ou relatos que possam ser encontrados em outras fontes.

Uma das formas mais comuns de se explicar o WikiLeaks é como um intermediário. Eles recebem informações secretas vazadas de empresas e governo, analisam, checam fontes e dados e em seguida distribuem e divulgam as informações.

O grande passo foi a criação de uma plataforma na internet em que qualquer pessoa que tenha acesso a dados secretos possa divulgar as informações de forma anônima.

Apesar do nome parecido e de a Wikipedia ser comumente citada nas descrições do WikiLeaks, não há nenhuma relação entre os dois grupos, e a semelhança vem apenas de serem sites colaborativos.

Vídeo vazado em 2007 mostra helicóptero dos EUA atirando em jornalistas no Iraque - Divulgação/Boeing - Divulgação/Boeing
Vídeo vazado em 2007 mostra helicóptero dos EUA atirando em jornalistas no Iraque
Imagem: Divulgação/Boeing

Qual a sua importância?

Desde sua criação, o WikiLeaks já teria divulgado mais de 10 milhões de documentos secretos. Além disso, o grupo supostamente teria recebido muitos outros documentos vazados, que não foram publicados por algum motivo ou que ainda podem vir a público.

Em uma palestra gravada do TED em 2010, Assange falou sobre o trabalho do WikiLeaks, e ressaltou que o grupo já era responsável por divulgar mais informações sigilosas do que a imprensa tradicional.

Em um cenário em que governos e empresas atuam de forma secreta, o WikiLeaks acabou se consolidando como uma forma de buscar maior transparência na política e na economia. Ele foi responsável por vazamentos que revelaram corrupção e problemas políticos em vários países.

Um dos primeiros casos de maior visibilidade do WikiLeaks no mundo foi a divulgação de um vídeo de 2007 que mostra um helicóptero dos EUA atirando em jornalistas e civis no Iraque.

Outro caso notório foi a divulgação de milhões de documentos da diplomacia norte-americana, revelando o que Assange chamou de papel “imperialista” dos EUA no mundo.

Assange equador - Xinhua/Yui Mok/PA Wire/Zumapress - Xinhua/Yui Mok/PA Wire/Zumapress
Imagem: Xinhua/Yui Mok/PA Wire/Zumapress

Por que o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, está na Embaixada do Equador em Londres e não pode sair de lá?

Assange foi acusado de estuprar uma mulher e assediar outra em Estocolmo, na Suécia, em agosto de 2010. O governo sueco pediu que ele fosse extraditado ao país para responder ao processo. Assange nega as acusações. Ele, entretanto, teme que a extradição à Suécia seja um primeiro passo antes de ele ser transferido para os Estados Unidos, onde poderia ser julgado pela divulgação de informações sigilosa.

Para evitar ser julgado na Suécia ou nos EUA, Assange pediu asilo ao Equador e se refugiou na embaixada do país em Londres em junho de 2012. Segundo a mídia inglesa, Assange escolheu o Equador depois de ter entrevistado o então presidente do país, Rafael Correa.

Desde então, o governo britânico diz ter a obrigação legal de extraditar Assange para a Suécia. Como ele está na embaixada, considera-se que ele está em território equatoriano, apesar de ele estar em Londres. Se Assange sair da embaixada, entretanto, pode ser preso pela polícia inglesa e mandado para a Suécia.

O que o WikiLeaks divulga é ilegal?

Desde o surgimento da plataforma, esta pergunta é controversa. Para alguns, o WikiLeaks representa o futuro do jornalismo investigativo, como uma organização que pode ajudar a criar transparência e a revelar segredos dos poderosos.

Governos e empresas costumam discordar deste ponto de vista, e acusam Assange e o site de divulgar informações sensíveis e criar risco à segurança nacional.

O WikiLeaks se defende argumentando que tem um time de analistas que estudam o material recebido e decidem o que pode ou não ser publicado. Além disso, eles dizem garantir que as informações não publicadas não possam ser acessadas.

Ainda assim, o WikiLeaks enfrenta mais de uma centena de processos de governos e empresas citados em vazamentos.

Michel Temer e o então vice-presidente dos EUA, Joe Biden, em 2013 - Sergio Lima/Folhapress - Sergio Lima/Folhapress
Michel Temer e o então vice-presidente dos EUA, Joe Biden, em 2013
Imagem: Sergio Lima/Folhapress

O que ele já falou sobre o Brasil?

O Brasil já foi tema de vários vazamentos de informações pelo WikiLeaks, especialmente em documentos revelados um dos maiores vazamentos já realizados pelo WikiLeaks, o de 2,3 milhões de despachos diplomáticos do Departamento de Estado dos Estados Unidos --chamado de Cablegate.

Os documentos registram a comunicação entre embaixadas norte-americanas em diversos países, incluindo o Brasil.

Em um dos casos de maior visibilidade, o Wikileaks relembrou em sua conta no Twitter em 2016 que o presidente Michel Temer teria atuado como informante da embaixada dos EUA quando era deputado federal, em 2006.

A afirmação se baseia em informação do Cablegate, citando um telegrama em que o então cônsul-geral dos Estados Unidos, Christopher J. McMullen, relata ao governo americano conversas com Temer.

Temer teria afirmado que o desempenho do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva no cargo era decepcionante e que a situação oferecia uma oportunidade para o PMDB lançar seu próprio candidato nas eleições seguintes.

Segundo a "Folha", Temer negou que tenha feito tais declarações ao cônsul e sugeriu que o conteúdo dos telegramas tenha sido tirado de entrevistas que deu à imprensa.

O Brasil é citado em nove páginas no livro "The WikiLeaks Files: The World According to US Empire" (Os Arquivos do WikiLeaks: O Mundo de Acordo com o Império dos EUA).

Sobre o Brasil e o resto do continente, segundo Assange, os documentos mostram a "continuidade entre a política brutal dos EUA para a América Latina durante a Guerra Fria e as formas mais sofisticadas de derrubar governos que se viram mais recentemente", diz no livro, de 2015.

O livro começa falando sobre penetração norte-americana na América Latina desde a Doutrina Monroe, cita influência norte-americana na onda de golpes militares no continente na segunda metade do século XX (como o do Brasil, em 1964), fala sobre treinamentos militares do Brasil em parceria com outros países e descreve e compra de caças pelo Brasil.

Donald Trump, presidente dos Estados Unidos - Doug Mills/The New York Times - Doug Mills/The New York Times
Donald Trump, presidente dos Estados Unidos
Imagem: Doug Mills/The New York Times

Qual o papel do WikiLeaks nas eleições dos EUA?

O WikiLeaks foi responsável pela divulgação de milhares de e-mails da campanha presidencial de Hillary Clinton durante a eleição. A ação pode ter influenciado no processo eleitoral e ajudado na vitória de Trump.

As revelações mostraram opiniões da então candidata à Presidência em relação à regulamentação bancária e mostraram que o Partido Democrata poderia ter favorecido Hillary na disputa prévia para indicar quem seria o candidato do partido.

Apesar de alguns analistas terem defendido a divulgação como sendo importante para os eleitores, existe a suspeita de que a Rússia tenha sido responsável por hackear os computadores da campanha da democrata e enviar os dados para o WikiLeaks.

O vazamento das informações via WikiLeaks está fortemente ligado às investigações sobre uma possível influência russa na vitória de Donald Trump na eleição.

O WikiLeaks foi acusado de ter sido usado pelo Kremlin para favorecer Trump. Além disso, chegou a ser discutida a possibilidade e o governo russo estar financiando o funcionamento do site de vazamentos.

Assange e o WikiLeaks negam as acusações.

Trump Jr. trocou mensagens diretamente com o WikiLeaks durante a campanha do pai - JIM WATSON/AFP - JIM WATSON/AFP
Trump Jr. trocou mensagens diretamente com o WikiLeaks durante a campanha do pai
Imagem: JIM WATSON/AFP

O que se sabe sobre a relação entre Assange e Trump Jr?

O filho mais velho do presidente dos Estados Unidos manteve contato direto com o WikiLeaks durante a disputa eleitoral norte-americana em 2016.

Trump Jr trocou uma série de mensagens diretamente com o WikiLeaks entre 20 de setembro e 12 de outubro do ano passado.

As revelações ganharam peso por estarem relacionadas com a investigação a respeito de uma possível interferência do governo russo nas eleições norte-americanas. Segundo estudos da inteligência dos EUA, militares russos passaram informações hackeadas da campanha de Hillary Clinton para o WikiLeaks.

Advogados do próprio filho do presidente entregaram cópias das conversas a uma investigação que acontece no Congresso norte-americano. Segundo os advogados, toda a correspondência foi fornecida aos investigadores. Nas mensagens, o WikiLeaks oferece informações para a campanha de Trump e pede que seu filho ajude a divulgar os vazamentos de dados.

"Ei, Donald, ótimo ver você e seu pai falando das nossas publicações", disse uma mensagem do WikiLeaks para Trump Jr., dias depois de o então candidato ter dito em um comício que amava o WikiLeaks.

Entre as mensagens, o WikiLeaks informa sobre a criação de um novo site contra Trump e aconselha o republicano a recorrer em caso de derrota nas urnas.

Trump Jr. respondeu ao WikiLeaks três vezes. Ele agradeceu a informação sobre a página contra o pai, em outro momento fez um comentário sobre Hillary e depois perguntou o que havia por trás dos vazamentos do WikiLeaks sobre então a candidata democrata.

Além disso, o WikiLeaks sugeriu ao filho do presidente que Assange fosse indicado como embaixador da Austrália nos EUA.

"Em relação ao Sr. Assange: Obama/Clinton fizeram pressão sobre a Suécia, o Reino Unido e a Austrália (seu país natal) para perseguir o Sr. Assange de forma ilícita. Seria muito fácil, e ajudaria, se seu pai sugerisse que a Austrália indicasse Assange como embaixador em Washington", disse a mensagem.

O WikiLeaks nega ter recebido informações vazadas pelo governo russo. Segundo Assange, a divulgação da notícia sobre a troca de mensagens entre Trump Jr. e o WikiLeaks foram tiradas de contexto para tentar indicar que houve conluio.

Assange - Olivia Harris/Reuters  - Olivia Harris/Reuters
Imagem: Olivia Harris/Reuters

O Wikileaks e o Julian Assange defendem algum partido ou linha ideológica?

No ano do lançamento do WikiLeaks, Assange publicou uma série de artigos que desde então são considerados a base da filosofia política do grupo. O principal ponto desta análise é uma postura de rejeição à cultura de segredos de governos no mundo, o que, segundo ele, daria margem a posturas autoritárias. A defesa de Assange é de uma filosofia de transparência radical.

Apesar do discurso de que o WikiLeaks é uma organização apartidária, os posicionamentos mais recentes do grupo e de Assange indicam uma maior mobilização política.

Uma evidência disso foi a postura abertamente crítica à campanha de Hillary Clinton durante a eleição presidencial de 2016. 

Outro ponto em que isso ficou mais evidente foi no plebiscito pela independência da Catalunha da Espanha. Segundo o "El País", um dos líderes do movimento de separação se reuniu durante quatro horas com Assange na embaixada equatoriana em Londres. Assange também teria ajudado a publicar mensagens de apoio ao movimento separatista.

Em 2012, a mobilização política tentou ganhar uma feição mais oficial, com a criação de um Partido Wikileaks na Austrália, onde Assange tentou concorrer ao Senado, sem sucesso.

"O Partido Wikileaks acredita que informação verdadeira, correta e factual é o fundamento da democracia e é essencial para a proteção dos direitos humanos de da liberdade. Onde a verdade é escondida ou distorcida, corrupção e injustiça florescem", diz a plataforma oficial do partido.