Topo

#MeToo: Como a campanha contra assédio sexual atingiu poderosos pelo mundo

12.nov.2017 - Mulher coloca nomes de homens de Hollywood que foram acusados de assédio sexual durante protesto em Los Angeles, EUA - Lucy Nicholson/ Reuters
12.nov.2017 - Mulher coloca nomes de homens de Hollywood que foram acusados de assédio sexual durante protesto em Los Angeles, EUA Imagem: Lucy Nicholson/ Reuters

Aron Heller

Da Associated Press

14/11/2017 15h53

As acusações de assédio sexual contra o produtor Harvey Weinstein que sacudiram Hollywood e provocaram uma enxurrada de acusações em outras indústrias americanas, bem como na política, estão alcançando muito além das fronteiras dos EUA, encorajadas pelas mulheres e homens, que disseram que o "efeito Weinstein" está atravessando o globo terrestre.

Cerca de metade das menções a hashtag #metoo [eu também], desde que o movimento foi criado, veio de fora dos EUA. Acusações de casos que ocorreram há décadas levaram à queda de alguns dos homens mais poderosos dos EUA. Aqui estão algumas das consequências -- e quedas -- em locais onde o efeito foi repercutido fortemente.

Reino Unido

Na sequência imediata das revelações de Harvey Weinstein, o governo britânico liderado pela primeira-ministra, Theresa May, foi abalado por uma série de acusações de assédio sexual que levaram a renúncias de alto nível, como a do secretário de Defesa, Michael Fallon, e chegou a ameaçar a posição do primeiro secretário de Estado, Famian Green, que é um aliado vital da primeira-ministra.

michael fallon - P. Nicholls/ Reuters - P. Nicholls/ Reuters
Michael Fallon
Imagem: P. Nicholls/ Reuters

As acusações vieram de pesquisadores parlamentares, funcionários e jornalistas. Alguns disseram que os partidos políticos envolvidos não conseguiram agir e desencorajaram as vítimas a irem à polícia. As alegações variam de um toque indesejável, como uma mão colocada no joelho de um jornalista, por exemplo, até alegações de estupro. Pelo menos um caso envolvendo um parlamentar foi encaminhado para a polícia para possíveis ações judiciais, com os detalhes mantidos em sigilo.

Green, assessor principal da primeira-ministra, foi acusado por uma jovem ativista do Partido Conservador de toques inapropriados e mensagens de texto inadequadas e um ex-policial disse que foi encontrado no computador no escritório de Green, em 2008, imagens de pornografia extrema, que Green nega e chama de uma lambança política.

O escândalo se espalhou além das fileiras do gabinete para atrair vários membros do Parlamento e também políticos da Escócia e do País de Gales, onde o parlamentar do Partido Trabalhista, Carl Sargeant, é acusado de ter tirado a própria vida depois que acusações de assédio lhe custaram o seu posto no governo. Sua família disse que nunca disseram exatamente a natureza das acusações contra ele.

A primeira-ministra e os líderes dos principais partidos da oposição concordaram em criar um novo procedimento de queixa para as pessoas que trabalham no Parlamento para facilitar as denúncias de assédio sexual.

Londres também foi há muitos anos uma base para o ator Kevin Spacey, que atuou como diretor artístico do teatro "Old Vic" de 2004 até 2015. As acusações de assédio sexual que surgiram nas últimas semanas, incluindo algumas durante o seu mandato no "Old Vic", derrubou o ator de seu cargo.

Israel

As comportas se abriram em Israel no início deste mês, quando, durante uma discussão em um programa de TV sobre o assédio em Hollywood, a jornalista do canal "10", Oshrat Kotler, revelou que o magnata da mídia israelense e membro do Comitê Olímpico Internacional, Alex Gilady, lhe fez uma proposta "indecente" durante a sua entrevista de trabalhado, feita há 25 anos. A colunista da revista "Haaretz", Neri Livneh, acrescentou que Gilady se expôs a ela durante uma reunião de negócios em 1999 em sua casa. Outras duas mulheres também se pronunciaram e disseram que Gilady as estuprou.

Alex Gilady assedio - Koji Sasahara/ AP - Koji Sasahara/ AP
3.abr.2014 - Alex Gilady, de Israel, membro do Comitê Olímpico Internacional
Imagem: Koji Sasahara/ AP

Ele negou as acusações de estupro, disse que não se lembra do incidente de Kotler, mas disse que as reivindicações de Livneh eram "precisamente corretas" e pediu desculpas. Como resultado, Gilady, 74, ex-executivo esportivo da NBC, renunciou ao cargo de presidente da empresa de broadcasting, que ele fundou. O COI também disse que está investigando as acusações.

Em seguida, o personagem veterano da mídia israelense, Gabi Gazit, abordou as acusações com desdém em seu programa de rádio diário, levando Dana Weiss, outra proeminente jornalista da TV local do país, a acusá-lo de tal comportamento. Weiss disse que Gazit a beijou aleatoriamente na boca durante encontros casuais nos estúdios de TV. Gazit negou as acusações, mas outras três mulheres apresentaram histórias semelhantes e ele foi forçado a deixar o seu programa.

"Weinstein arrancou um curativo que cobria as feridas e cicatrizes de tantas mulheres que ainda estão em uma indústria majoritariamente masculina e agora acho que é hora de se examinar e curar os ferimentos", disse Weiss à Associated Press. "Este não é um ato de vingança, mas sim uma oportunidade para uma reforma social".

Outras mulheres também fizeram reivindicações contra Haim Yavin, o âncora mais famoso de Israel, que agora está aposentado. Uma ex-jornalista disse que ele uma vez a tocou de forma inadequada. Yavin não respondeu.

Weiss chamou isso de "conversa incômoda, mas saudável" para ter uma sociedade que entenda que as regras do jogo mudaram.

Essa não é a primeira vez que Israel confrontou o assédio sexual dos poderosos às mulheres. Um ex-presidente, Moshe Katsav, foi condenado e preso por violação.

Itália

Na Itália, o escândalo de Weinstein tem sido manchete nos jornais desde que ele foi divulgado, porque a atriz italiana, Asia Argento, foi uma das maiores acusadoras expostas pelo "The New Yorker".

Sua acusação de estupro gerou uma reação hostil no país, com os jornais italianos e comentários que a acusam de criar problemas.

Mas o escândalo assumiu uma nova forma com as acusações de 10 mulheres que dizem que um diretor de televisão e do cinema italiano, Fausto Brizzi, as molestou. Um programa de televisão investigativo mostrou acusações iniciais sem citar o diretor no mês passado, mas em um relatório posterior divulgou o nome Brizzi. Brizzi negou ter feito sexo não consensual.

Na última terça-feira, a unidade italiana da Warner Bros. suspendeu todo o seu futuro trabalho com Brizzi, mas confirmou o lançamento em 14 de dezembro na Itália do seu último filme. A Warner Bros disse ter levado a sério todas as acusações de assédio e que estava empenhada em tornar os seus locais de trabalho mais seguros, mas disse que não seria justo negar o trabalho de centenas de pessoas ao cancelar o lançamento do filme. 

O escândalo de Weinstein também chamou a atenção para a lei italiana, que exige que vítimas de agressão sexual relatem o crime dentro de seis meses após o ato. Várias das mulheres que disseram ser abusadas por Brizzi disseram que tinham muito medo de apresentar uma queixa, temendo retaliação profissional ou reclamações de difamação feitas pelo diretor.

França

A França está se recuperando de Weinstein e outras revelações, mas está em conflito sobre como respondê-las.

As mulheres francesas denunciam os supostos agressores com abertura sem precedentes, nas redes sociais e nas estações de polícia de todo o país, onde os relatos de estupro, assédio e outros abusos estão em ascensão. Uma campanha online com a hashtag #balancetonporc (denuncie o teu porco) começou na França muito antes do início da campanha "#metoo".

balance ton porc  - Jean-Paul Pelissier/ Reuters - Jean-Paul Pelissier/ Reuters
29.out.2017 - Mulheres carregam cartazes onde se lê "Violência. Pare. Basta" (esq.) e "#BalanceTonPorc" ("Denuncie Teu Porco") durante protesto em Marseille, França
Imagem: Jean-Paul Pelissier/ Reuters

Mas nenhuma figura poderosa da França perdeu o seu emprego ou reputação e não houve nenhum clamor nacional para "cabeças rolarem". Os críticos franceses alertaram contra uma reação ao estilo americano que poderia demonizar o romance e pegar homens inocentes na rede.

O cineasta Roman Polanski, que fugiu dos EUA na década de 1970 depois de se declarar culpado de sexo ilegal com uma criança de 13 anos, vive livremente na França e foi celebrado em uma retrospectiva em um filme de Paris algumas semanas depois que as revelações de Weinstein surgiram. Os manifestantes se reuniram para a abertura, mas o festival continuou.

Dominique Strauss-Kahn, o ex-chefe do Fundo Monetário Internacional, acusado por uma funcionária de um hotel de Nova York e por outros de ter cometido agressões sexuais, recebeu recentemente um tempo na televisão para discutir suas opiniões políticas, mas não disse nada sobre o assédio. Seu advogado de Nova York, agora está defendendo Weinstein.

O presidente francês, Emmanuel Macron, deixou sua posição clara: ele incentivou as mulheres a se manifestarem contra agressões sexuais e rapidamente retirou de Weinstein o prêmio "Legion of Honor" que ele ganhou por produzir o filme francês "The Artist" [O Artista], vencedor do Oscar.

Mas as mentalidades sexistas correm profundas e muitas ficam confusas sobre o limite entre o flerte e o assédio. O autor de um recente ensaio francês sobre sedução teve que explicá-lo em uma entrevista para a revista "Madame Figaro" no final de semana, defendendo o seu trabalho: "Um assassino é um predador e não um sedutor".

África do Sul

Na África do Sul, uma ex-parlamentar, Jennifer Ferguson, alegou que foi estuprada em 1993 por Danny Jordaan, presidente da associação de futebol do país. Jordaan negou a acusação.

Danny Jordaan - Denis Farrell/ AP - Denis Farrell/ AP
16.fev.2010 - Foto de arquivo mostra Danny Jordaan, em Johannesburgo
Imagem: Denis Farrell/ AP

Ferguson, uma cantora popular anti-apartheid que se tornou uma representante do partido do Congresso Nacional Africano no Parlamento, disse em uma postagem de blog e entrevista de rádio que Jordaan a estuprou em um quarto de hotel depois de um show que ela deu em Port Elizabeth, na costa sul do país. Ferguson, que agora mora na Suécia, não disse se ela pretende tomar medidas legais. Ela disse que carregou secretamente o incidente por mais de 20 anos, mas foi encorajada a tornar isso público como um resultado das revelações de Weinstein e da campanha #metoo.

Canadá

O fundador do renomeado festival de comédia "Just for Laughs" de Montreal recentemente renunciou ao cargo de presidente da organização após denúncias de pelo menos nove mulheres que ele abusou ou agrediu sexualmente. Gilbert Rozon, 63, anunciou que venderia todas as suas ações em meio às acusações. Julie Snyder, um dos maiores nomes do setor de entretenimento do Quebec, apresentou uma denúncia de agressão sexual contra Rozon.

Gilbert Rozon - Ben Pelosse/ Quebecor via AFP - Ben Pelosse/ Quebecor via AFP
25.jul.2014 - O produtor canadense Gilbert Rozon, em Montreal
Imagem: Ben Pelosse/ Quebecor via AFP

Rozon não disse muito quando renunciou do cargo de presidente do popular festival de comédia.

"Estou me afastando pelo respeito aos funcionários e famílias que trabalham para essas organizações, bem como para todos os nossos parceiros", escreveu ele. Rozon encerrou sua declaração da seguinte maneira: "Para todos aqueles que ofendi durante minha vida, peço sinceras desculpas".

Peru

No Peru, o concurso de beleza deste ano para selecionar a candidata do país para a competição Miss Universo foi um local surpreendente para denunciar a violência de gênero contra as mulheres.

Em vez de citar suas medidas do corpo, como sempre ocorre, cada uma das 23 participantes contou estatísticas assustadoras sobre o maltrato às mulheres nas nações sul-americanas.

"Sou Camila Canicoba e represento a cidade de Lima. Minhas medidas são 2002 casos de feminicídios relatados nos últimos 9 anos no meu país", disse ela com imagens de mulheres vítimas de abuso projetadas em uma tela atrás da passarela.

Na América Latina e no Caribe, mais de 2000 mulheres foram mortas no ano passado devido a crimes de ódio baseados no sexo, de acordo com as Nações Unidas.

Índia

Na Índia, existem repercussões que podem ser dramáticas.

Vrinda Grover, advogada de Nova Déli, e ativista de direitos das mulheres, disse que os homens poderosos durante séculos assumiram os seus direitos sexuais e isso vai levar anos para mudar. Ela disse que houve um aumento na conversa sobre o problema nos últimos anos, mas que o assédio sexual continua e as autoridades, inclusive a polícia, muitas vezes impedem deliberadamente as investigações de agressão sexual.

Grover disse que, desde que as acusações de Weinstein explodiram, tem ocorrido um movimento de mulheres de outros países que se sentiram capacitadas para falar, porque a sociedade agora está condenando esse tipo de comportamento.

"Mas eu não vejo isso acontecendo na Índia, e isso é preocupante", disse ela. "É um país em que as vítimas de estupro não recebem justiça e a sociedade é muitas vezes cúmplice".

Após as acusações de Weinstein, uma lista de mais de 60 acadêmicos indianos acusados de assédio apareceu na internet, mas posteriormente foi retirada. Grover estava entre várias feministas que argumentaram que a lista era injusta porque não fornecia contexto ou explicações adequadas para as acusações anônimas. Alguns estudantes argumentaram que Grover e outras feministas estavam protegendo o status quo.

Enquanto a hashtag #MeToo fez tendências na Índia após as acusações de Weinstein, os especialistas dizem que ela tende a ser uma pequena minoria educada que dissemina essas tendências no vasto país.