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Ditador mais velho do mundo tenta resistir a golpe militar e continuar governo de 37 anos

Relação entre Zimbábue e China remonta à época dos movimentos independentistas na África - Ju Peng/ Xinhua - Ju Peng/ Xinhua
Relação entre Zimbábue e China remonta à época dos movimentos independentistas na África
Imagem: Ju Peng/ Xinhua

Lucas Borges Teixeira

Colaboração para o UOL

16/11/2017 18h00

Na última quarta-feira (15), o ditador Robert Mugabe, do Zimbábue, foi colocado sob custódia em sua casa durante uma tentativa de tomada de poder por parte de forças militares do país. As Forças Armadas assumiram o controle, mas negam que este seja um golpe de Estado. Fato é que as últimas notícias podem marcar o fim do governo de 37 anos.

Com 93 anos, Mugabe é o mais velho chefe de Estado em exercício do mundo. Ele está no poder desde a declaração oficial de independência do país, em 1980. Seu governo é acusado de corrupção, repressão a oposição e imprensa, fraude em eleições e não a respeitar os direitos humanos.

Mesmo sob custódia, ele resiste a renunciar à presidência do país. 

Especialistas ouvidos pelo UOL especulam que a tentativa dos militares seja fruto de disputas internas entre a elite e os representantes do governo pela tomada de poder assim que o ditador morresse.

General Constantino Chiwenga e o presidente Robert Mugabe - Philimon Bulawayo/Reuters - Philimon Bulawayo/Reuters
General Constantino Chiwenga e o presidente Robert Mugabe
Imagem: Philimon Bulawayo/Reuters

Golpe militar?

Na última quarta, força militares tomaram as ruas da capital do país, Harare, sob a premissa de acalmar a tensão em torno da sucessão de Mugabe, já com 93 anos. O então presidente foi detido “sob custódia” em sua casa.

Os militares dizem que saíram dos quartéis no final da noite de terça (14) para resolver casos de corrupção em torno do governo. Na manhã da quarta, três explosões foram ouvidas próximas à casa do ditador.

O presidente da vizinha África do Sul, Jacob Zuma, disse que conversou com Mugabe pelo telefone e o ditador diz estar bem. Um de seus ministros, Ignatius Chombo, de Finanças, foi detido pelo grupo militar.

“Intervenções militares como esta não são desconhecidas em território africano”, afirma Elaini Silva, professora de direito internacional da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

“Ao tomarem a capital, eles se recusaram a dizer que é um golpe, falam que é uma ação para afastar criminosos do governo, em uma clara tentativa de dar legitimidade à ação.”

O grupo tomou o grupo estatal de comunicação ZBT e fez um anúncio ao vivo para todo o país. “Nós apenas temos como alvo os criminosos de seu entorno que estão cometendo crimes que causam sofrimento social e econômico ao país para que se faça justiça”, dizia um dos soldados não identificados. “Assim que nós cumprirmos com nossa missão, a situação voltará ao normal.”

Militares nas ruas de Harare, capital do Zimbábue - Jekesai Njikizana/ AFP - Jekesai Njikizana/ AFP
Militares nas ruas de Harare, capital do Zimbábue
Imagem: Jekesai Njikizana/ AFP

O que está por trás?

Aos 37 anos, o governo de Mugabe enfrenta sua pior onda de críticas. Com uma economia instável e um dos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo, a gestão do ex-guerrilheiro que ajudou a conduzir o país para a independência tem perdido cada vez mais apoio.

O ápice aconteceu na semana passada, quando o então vice-presidente Emmerson Mnangagwa, 75, parceiro desde a época da guerrilha, foi expurgado pelo ditador sob a justificativa de tramar um golpe e teve de deixar o país. Mnangagwa tinha apoio do exército e era o nome mais cotado como futuro comandante da nação.

Mais de uma centena de funcionários do alto escalão do governo também foram punidos.

Robert e Grace Mugabe se casaram em 1996 - Jekesai Njikizana/AFP - Jekesai Njikizana/AFP
Robert e Grace Mugabe se casaram em 1996
Imagem: Jekesai Njikizana/AFP

O que se especula é que haja uma disputa interna entre o ex-vice-presidente e a então primeira-dama, Grace Mugabe, 52, que tem ganhado cada vez mais voz dentro do governo.

“Grace criou esta articulação para que se tornasse a próxima sucessora”, afirma Victor Martins, professor de relações internacionais no Centro Universitário Assunção (Unifai). “Como resposta, Mnangagwa articulou com os militares e com a elite, insatisfeita com o governo de Mugabe.”

“A transferência do governo para um familiar também não é nada desconhecido nos países africanos”, afirma Silva. A então primeira-dama tem apoio de parte da juventude do Zimbábue, mas é duramente criticada por seus altos gastos, em um país em situação de crise. A docente, no entanto, vê doses de machismo em declarações contra Grace.

De acordo com Martins, a elite, não tão em evidência como os militares, também tem um papel fundamental nesta crise. “Este golpe que está em curso não é pelo clamor popular”, afirma Martins. “É tudo um jogo de interesses pelo poder.”

Pressão internacional

Nos últimos anos, o governo também vem sofrendo pressões internacionais por seu estado autoritário. “Ela não é uma ditadura militar típica porque tem eleições diretas, mas são sempre controversas”, afirma Silva.

Em 2008, na mais polêmica eleição que seu governo enfrentou, as forças apoiadoras de Mugabe foram acusadas de desviar eleitores e os órgãos eleitorais suspeitos de não aceitar documentos válidos na hora da votação.

“Há alguns anos órgãos regionais, como a União Africana e a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral [SADC, na sigla em inglês], nos quais Mugabe é ativo, tentam colocar um poder de coalizão, formado por oposição e centro”, relata Silva.

Além dos países vizinhos no sul da África, Martins acredita que grandes potências, como Estados Unidos, China e Índia, estão de olho na mudança de poder no país dada sua ainda grande reserva mineral.

O que está por vir

“É preciso dizer que nada está acabado”, afirma Silva. “Formalmente, Mugabe ainda não foi considerado destituído, tanto que os órgãos internacionais montaram um grupo de mediação com representantes de diversos países e até padre da Igreja Católica.”

Zuma convocou uma reunião com os países membros do SADC para debater o futuro do país, já que Mugabe se nega a renunciar.

“Se firmada a mudança, agora, esta elite que assumiu o poder tem duas opções: ou se acostuma às pressões internacionais e torna o processo mais democrático ou faz apenas a troca de um ditador por outro e se isola internacionalmente, como a África do Sul fez nos anos 1980”, afirma Martins.

“Também tem de ver como a população irá se comportar nestes próximos dias. Se não, poderá ser que nem a Primavera Árabe, onde uma junta militar assumiu o poder, mas a repressão e o controle à imprensa não pararam. Mudou o governo, mas tudo se manteve igual”, explica o professor. “A projeção de futuro não é muito boa.”