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Chile abre temporada de eleições presidenciais que devem mudar panorama da América Latina

Homem pedala perto de cartazes de campanha de candidatos das eleições chilenas, entre eles Piñera - Esteban Felix/AP
Homem pedala perto de cartazes de campanha de candidatos das eleições chilenas, entre eles Piñera Imagem: Esteban Felix/AP

Talita Marchao

Do UOL, em São Paulo

19/11/2017 04h00

Os chilenos vão às urnas neste domingo (19) para escolher o sucessor da socialista Michelle Bachelet na presidência, inaugurando uma sequência de eleições nos próximos meses que deve mudar o panorama da América Latina. Em comum, as eleições ocorrem em um cenário de volatilidade política e podem abrir caminho para uma grande mudança no cenário dos principais atores políticos da região.

Além de Chile, realizam eleições Brasil, México, Colômbia e Paraguai --os quatro sem sinal de candidaturas definidas e palco de uma onda de insatisfação com os atuais governos-- além de Venezuela e Cuba, países em que o establishment há muito não muda.

"O que a gente espera é que, em função também de um desencanto mais amplo também com a política, em algumas destas eleições exista a chance de vitória de candidatos mais radicais que podem gerar resultados inesperados e complicar o diálogo regional sobre cooperação", diz ao UOL Oliver Stuenkel, coordenador do MBA de Relações Internacionais da FGV (Fundação Getúlio Vargas). "São eleições que despertam muitas dúvidas para o futuro da dinâmica política latino-americana", afirma.

Chile: O país volta para as mãos da direita?

No caso chileno, o ex-presidente de direita Sebastián Piñera é o favorito, e pode assegurar a vitória ainda no primeiro turno neste domingo. Piñera aparece com vantagem nas pesquisas de intenção de voto (34,5%, segundo o Centro de Estudos Públicos).

 Sebastián Piñera durante campanha presidencial - CLAUDIO REYES/AFP - CLAUDIO REYES/AFP
Sebastián Piñera durante campanha presidencial
Imagem: CLAUDIO REYES/AFP

Seu principal adversário é o jornalista e senador Alejandro Guillier, independente, que defende as reformas promovidas pela coalizão de centro-esquerda de Bachelet. Com 15,4% das intenções de voto, Guillier, 64, lutar por uma chance no segundo turno, previsto para 17 de dezembro.

Se não vencer no primeiro turno, Piñera deve ter diante de si no segundo turno uma centro-esquerda completamente fragmentada --que poderia ter mais chance de garantir uma candidatura com chances se tivesse conseguido manter sua aliança.

Caso Piñera consiga os votos para levar a presidência neste domingo, o Chile se somará à Argentina, Peru e Brasil no grupo de países governados por presidentes de centro-direita.

Como a nova lei eleitoral chilena impede a publicidade nas ruas e limita os gastos de campanha, os chilenos demonstram indiferença com a eleição, despertando temores de um elevado índice de abstenção. O voto é facultativo no país desde 2012.

Para o professor, a vitória do ex-presidente pode ser explicada pela fragmentação da esquerda e pela economia. Apesar de não enfrentar uma recessão, como o Brasil, o Chile tem registrado quedas nas taxas de crescimento.

"Piñera não é uma pessoa extremamente popular, não simboliza um novo começo, como ocorreu com o [Mauricio] Macri, presidente na Argentina, eleito com a promessa de trazer algo novo, uma nova energia", afirma Stuenkel. 

"É preciso levar em conta ainda a decepção com a incapacidade de Bachelet de gerenciar e entregar algumas mudanças importantes". Uma das promessas da socialista era convocar uma Assembleia Constituinte para mudar a Constituição do país, que vem da ditadura.

"Ela conseguiu avançar muito em questões importantes como o aborto em casos de estupro e no casamento gay, e existe um reconhecimento disso. Mas muitas pessoas queriam mais mudanças, principalmente o fim da Carta Pinochet, a Constituição chilena", analisa Stuenkel.

Colômbia: acordo de paz cria cenário instável

Os colombianos elegem um novo presidente em 27 de maio. Depois de um referendo em que o acordo de paz com as Farc foi rejeitado pela população, mas efetivado por meio da ratificação no Congresso, a posição do presidente Juan Manuel Santos, do Partido Liberal Colombiano, se viu enfraquecida.

As Farc devem participar efetivamente do pleito, já que a guerrilha se transformou em partido político e promete a candidatura de Rodrigo Londoño (Timochenko, líder das Farc) à presidência. Além disso, movimentos políticos independentes prometem agitar o cenário político do país. Estão previstos mais de 30 candidatos.

"A Colômbia tem um cenário de completa imprevisibilidade em função também da polarização criada com a questão do referendo. Isso diminui o espaço para o diálogo construtivo", analisa o especialista.

Stuenkel explica que as eleições de 2018 na Colômbia representam um novo capítulo na política colombiana, já que a partir de agora, com o fim da guerra civil, um eleitor pode se definir como "esquerda" sem ser associado com as Farc --até agora, a Colômbia teve governos de centro-direita justamente por esta associação.

O professor lembra ainda que é preciso levar em conta não só o fator Farc, mas também um campo uribista muito forte (em referência ao ex-presidente Álvaro Uribe, grande opositor do acordo de paz) e vários candidatos radicais da esquerda.

Germán Vargas Lleras em ritmo de campanha na Colômbia - Reprodução/Twitter - Reprodução/Twitter
Germán Vargas Lleras em ritmo de campanha na Colômbia
Imagem: Reprodução/Twitter

Aparecem ainda na lista de prováveis nomes Gustavo Petro, cujo nome é associado com o governo venezuelano; Germán Vargas Lleras, ex-vice-presidente de Santos; Sergio Fajardo, ex-prefeito de Meddelín, de centro-esquerda, entre outros.

Brasil: Cenário semelhante ao que ocorreu em 1989

O Brasil vive um momento semelhante ao de outros países latinos com a perda de legitimidade dos partidos tradicionais, e a eleição de outubro enfrenta uma possibilidade real de ter um vencedor que não seja do establishment ou que não seja de um dos principais partidos que têm dominado as eleições desde a democratização, PSDB e PT.

"A eleição do ano que vem é muito parecida com a de 1989, ou seja, com muitos candidatos, muita fragmentação, uma pulverização muito grande em que é possível chegar ao segundo turno com 15% dos votos. Quando mais candidatos estiverem na disputa, mais fácil é para chegar ao segundo turno", analisa Stuenkel.

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Montagem com fotos do deputado federal Jair Bolsonaro e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lideravam as pequisas de intenção de voto do Ibope no fim de outubro

Segundo ele, este terreno é fértil para o surgimento de nomes de fora do cenário atual, como Jair Bolsonaro (PSC). Lula lidera as pesquisas de intenção de voto --apesar de todo o impacto da Operação Lava Jato. Mas o especialista da FGV lembra que é muito cedo para se embasar nas pesquisas em busca de sinais do que pode ocorrer em outubro: "Quando a gente olha pesquisas anteriores, feitas um ano antes da eleição em si, existem nomes que não aparecem. A própria Dilma Rousseff (PT) não aparecia nas pesquisas um ano antes de vencer a votação de 2010."

Nomes como o do prefeito de São Paulo João Doria (PSDB), Ciro Gomes (PDT) e até o do apresentador Luciano Huck aparecem nas primeiras sondagens.

Na avaliação de Stuenkel, a ascensão dos nomes em pesquisas de opinião para a eleição deve estar diretamente ligada à situação econômica brasileira no próximo ano.

"Atualmente vemos várias tentativas de promover questões morais e culturais, e um avanço de uma direita mais culturalmente conservadora. Há uma tentativa clara de reduzir o tema da economia do debate. Mas a própria economia é imprevisível: é possível que o brasileiro já sinta a recuperação econômica até a eleição, e isso deve influenciar também. Quando melhor a economia fica, maior é a chance de aparecer candidatos estabelecidos tradicionais. Se a economia não melhorar até lá, aumenta a chance para pessoas de fora da política tradicional".

México: Muito além do fator Trump

O grande problema da eleição mexicana ultrapassa as polêmicas envolvendo o presidente dos EUA, Donald Trump, e seu muro. O presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, enfrenta uma queda livre em suas taxas de popularidade, e conclui seu governo de centro com uma imagem de decepção para a população, alimentando ainda mais a rejeição do eleitorado a políticos --é preciso levar em conta que o país tem uma uma longa história entre a corrupção e a classe política.

Pesquisa publicada em outubro pelo Pew Research Center mostra que 93% dos mexicanos não confiam em seu presidente. Com esta conjuntura, qualquer apoio de Peña Nieto a um candidato na eleição presidencial de julho de 2018 poderia ser, na verdade, um problema, e não um reforço.

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Andrés Manuel López Obrador na varanda de um prédio com jornalistas na Cidade do México
Imagem: Francisco Cañedo/Xinhua

Por enquanto, o nome que aparece na frente nas sondagens é o de Andrés Manuel López Obrador, o candidato populista de esquerda que deve tentar o cargo pela terceira vez. Ainda é muito cedo para afirmar que o ex-prefeito da Cidade do México tem realmente chances de ser eleito, mas Obrador deve se beneficiar do sentimento anti-Trump no país.

"Obrador poderia causar uma instabilidade regional, uma incerteza muito grande semelhante ao que ocorreu durante a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil em 2002", explica Stuenkel. 

O professor diz ainda que, no México, existe uma tentativa feita por vários grupos para montar candidaturas, mas não há ainda um nome forte para uma candidatura de direita, por exemplo. 

A eleição mexicana terá profundas implicações para as relações bilaterais entre México e EUA --Trump fez promessas de campanha envolvendo a renegociação do acordo de livre comércio com o México e o Canadá, o Nafta, e insiste na construção de um muro na fronteira mexicana.

Paraguai: A eleição após a derrota da proposta de reeleição

Depois que o projeto de reeleição impulsionado pelo presidente Horacio Cartes foi enterrado, o país iniciará em dezembro o seu processo eleitoral, começando pelas primárias dos partidos. A disputa deve novamente ocorrer entre o tradicional Partido Colorado, de centro-direita, e uma aliança opositora formada pelo PLRA (Partido Liberal Radical Autêntico) e a Frente Guasú, do ex-presidente Fernando Lugo.

No lado colorado, Santiago Peña, ex-ministro da Fazenda de Cartes, já se intitula pré-candidato presidencial, mas deve enfrentar o senador Mario Abdo. Do outro lado, o presidente do PLRA, Efraín Alegre, que disputou a presidência com Cartes em 2013, deve contar com o apoio de Lugo e de Mario Ferreiro, prefeito de Assunção --mas todo esse suporte pode não ser suficiente para derrotar o Partido Colorado.

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Santiago Peña, pré-candidato do Partido Colorado, em campanha no Paraguai
Imagem: Reprodução/Twitter

Cuba: O fim da era Castro (ou não)?

O presidente da ilha não é escolhido por eleição direta, mas Raúl Castro reiterou nos últimos anos sua promessa de passar a presidência adiante em fevereiro de 2018. Vai ser a primeira vez em quase 60 anos que Cuba não é comandada pela família Castro.

O processo que resulta na escolha indireta do presidente já começou: em novembro, os cubanos vão às urnas para votar em integrantes do conselho municipal (como são os vereadores) --é a única eleição direta em Cuba. Os nomes dos candidatos foram indicados pela própria população. Os eleitos deverão propor 50% dos candidatos das Assembleias Provinciais e para a própria Assembleia Nacional --os outros 50% são indicados por organizações próximas ao governo (operária, estudantis, feminina, camponesa e comunitária). Uma nova votação popular conclui o processo.

Quem escolhe o presidente é a Assembleia Nacional, e quem deve ser eleito é o vice-presidente Miguel Díaz-Canel, 57. Engenheiro de computação, entrou no Partido Comunista na juventude e foi nomeado pelo próprio Raúl em 2013. Parte de uma geração mais nova que a dos combatentes liderados pelos irmãos Castro e por Che Guevara, Díaz não combateu na revolução, não veste uniforme militar e foi professor universitário.

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Miguel Díaz-Canel, vice-presidente cubano, com o presidente Raúl Castro
Imagem: YAMIL LAGE/AFP

"Não há espaço para mudanças bruscas nesse momento em Cuba. A ilha está em uma situação complicada, mas não está desesperada, já que tem o apoio razoável da Rússia e da China, mesmo perdendo o suporte venezuelano", avalia Stuenkel.

Venezuela: Com ou sem eleição, chavismo segue firme no comando

Oficialmente, a Venezuela prevê realizar eleições presidenciais em dezembro de 2018. Mas Maduro já demonstrou nas últimas eleições que não só não respeita o calendário eleitoral --votações são adiadas independentemente do calendário --como também segue firme em sua recém-empossada Assembleia Nacional, que destituiu os poderes do Parlamento eleito com maioria opositora.

Maduro - Palácio de Miraflores via Reuters - Palácio de Miraflores via Reuters
Imagem: Palácio de Miraflores via Reuters

"É impossível de saber se vai mesmo ter uma eleição. Mas, se tiver, é mais provável que ele ganhe, em função das limitações como a participação política e a liberdade de expressão", diz o professor. "

Mesmo que as eleições aconteçam, é pouco provável que a votação seja livre e transparente. As últimas votações na Venezuela registraram inúmeras queixas de fraudes, denúncias de intimidação. Foi aprovada ainda, pela Assembleia chavista, uma lei de ódio que prevê a suspensão de partidos políticos e o fechamento dos meios de comunicação que incitem à violência --na interpretação chavista, uma crítica ao governo pode ser vista como incitação ao ódio.

(Com agências internacionais)