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Manipulável, iletrado e sem noção do trabalho: Como é o Trump do livro "Fire and Fury"

Mulher leva um exemplar do livro "Fire and Fury: Inside the Trump White House", de Michael Wolff, em uma loja em Washington DC - Carlos Barria/ Reuters
Mulher leva um exemplar do livro "Fire and Fury: Inside the Trump White House", de Michael Wolff, em uma loja em Washington DC Imagem: Carlos Barria/ Reuters

James Cimino

Colaboração ao UOL, em Nova York

09/01/2018 10h21

Lançado há apenas três dias, o livro do jornalista Michael Wolff, "Fire and Fury: Inside the Trump White House" ("Fogo e Fúria: Dentro da Casa Branca de Trump", em tradução literal), que pretende revelar os bastidores dos primeiros nove meses do governo de Donald Trump já se tornou o assunto preferido da mídia americana. O livro deve ser lançado no Brasil em março.

Tido como controverso, impreciso e de veracidade contestável até pelos inimigos do 45º presidente dos Estados Unidos (Trump chegou a tuitar um meme com reviews desfavoráveis do "The New York Times" e da "CNN", dois veículos que ele abertamente acusa de produzir "fake news" a seu respeito), o livro é muito menos interessante do que a publicidade ao seu redor faz acreditar.

E o motivo é simples, "Fogo e Fúria", que segundo Wolff é um relato de encontros com Trump e seus aliados durante 18 meses, não traz nada que quem acompanhe o noticiário político dos Estados Unidos e que não seja um fanático cego pelo presidente americano não tenha percebido. O livro retrata Trump como despreparado, megalomaníaco, iletrado, completamente sem a menor noção do trabalho que deveria fazer e, pior, sem o menor interesse. Wolff afirma que Trump seria semi-alfabetizado, o que alguns críticos chegam a especular.

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Não bastasse isso, seu "entourage", também segundo o livro, é tão despreparado quanto ele, pois nem eles acreditavam que Trump seria eleito. O livro fala, inclusive, que o objetivo do empresário era pura autopromoção. Ser presidente nunca teria sido seu verdadeiro interesse. É como se Trump e os que o cercam (eleitores inclusive) quisessem apenas "causar".

Para se ter uma ideia, no capítulo sobre Steve Bannon, o líder de extrema-direita que se tornou seu principal estrategista, Wolff conta que para emitir as ordens executivas para banir a entrada de muçulmanos no país, Bannon teve de se instruir sobre o assunto pela internet.

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Politicamente, para quem lê o livro, os Estados Unidos estariam operando mais ou menos como o avião da comédia "Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu", ou seja, o avião vai pousar, mas por meio de uma sequência de trapalhadas difíceis de acreditar. E toda vez que aparece alguém com um mínimo de seriedade para tentar ajudar, a pessoa desiste porque não consegue existir dentro do aparente caos administrativo que se tornou a Casa Branca desde a chegada do líder carismático que é muito melhor de conversa que de execução.

Um exemplo disso é o depoimento da ex-chefe de gabinete Katie Walsh, descrita como uma republicana organizada e metódica, mas que não resistiu por muito tempo no cargo exatamente por destoar demais do resto da equipe.

O livro "Fire and Fury" - Henry Holt and Company via AFP - Henry Holt and Company via AFP
Imagem: Henry Holt and Company via AFP

"Na maioria dos governos anteriores, na Casa Branca, política e ação fluíam, com a equipe tentando implementar o que o presidente deseja -- ou, na pior das hipóteses, o que o chefe de gabinete diz que o presidente deseja. Na Casa Branca de Trump, o fazer político, desde o primeiro momento em que Steve Bannon emitiu a ordem executiva anti-imigração, foi um processo de sugestionamento, de vai que cola (...). Trump, observou Walsh, tinha uma série de crenças e impulsos, muitos deles o acompanham há muitos anos, alguns são francamente contraditórios e poucos deles se encaixam nas convenções políticas e legislativas. Portanto, ela e todo mundo viviam traduzindo uma série de desejos e urgências para um programa, um processo que requeria um grande trabalho de adivinhação. Era como, disse Walsh, 'tentar adivinhar o que uma criança quer'." Katie Walsh negou que tenha dado essa declaração logo após a divulgação do livro.

Outro ponto que o livro reincide é sobre o mito de que o presidente dos EUA não lê os documentos que lhe são dados para assinar. Especula-se que ele tenha déficit de atenção, mas o que mais se percebe mesmo é que ele só lê o que lhe interessa -- em geral notícias sobre si mesmo, que quando desfavoráveis o irritam profundamente e lhe tiram totalmente o foco de qualquer outra discussão relevante, como o futuro do país. Ah! Ele lê outra coisa: a coluna de fofocas "Page Six" do jornal "The New York Post".

Um aspecto interessante que o livro traz sobre o governo Trump, no entanto, é como o fato de o presidente não ter necessariamente uma agenda o torna facilmente manipulável. Em um primeiro momento, três eram os homens que disputavam o posto de Rasputin oficial da Casa Branca: Steve Bannon, Reince Priebus (ex-chefe de gabinete) e Jared Kushner (conselheiro sênior e genro de Trump).

"Cada um desses homens via o presidente como uma página em branco -- ou como uma palavra cruzada. (...) E cada um tinha uma ideia radicalmente diferente do outro sobre como preencher essa página. Bannon era o militante da extrema-direita que quer jogar para fora do país um milhão de pessoas, destruir a regulação de saúde e implantar uma série de tarifas que irão dizimar nosso comércio. Jared quer lidar com questões de tráfico humano e planejamento familiar. E Priebus quer que Donald Trump seja um tipo de republicano mais tradicional", diz outro trecho do livro.

Embora em alguns momentos da obra Trump seja mostrado como uma criatura patética, cujo cargo parece ser muito maior que ele, constantemente ele se coloca como muito maior que o cargo, como se pode observar na reprodução de seus discursos públicos, inclusive seus comentários sobre seu discurso de posse, que segundo ele mesmo entraria para a história -- talvez não como ele espera.

Por isso que mesmo quando seus aliados políticos apelam para o oportunismo, ele pega a ação para si, pois precisa sempre acreditar ou ser convencido de que as ideias são todas suas e que está governando o país sozinho, como uma versão midiática do rei francês Luís 14, que dizia que o Estado era ele.

Para Trump o importante é sempre ganhar a discussão, mesmo que seja se auto depreciando, como mostra o livro ao narrar um passeio entre ele, um amigo e sua mulher, uma modelo, pela cidade de Atlantic City, onde ele tem um cassino. O amigo não queria ir até o local porque, segundo ele, era um reduto de gente "white trash". Quando a modelo perguntou o que era white trash, Trump respondeu: "É gente como eu, mas sem dinheiro."