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"Me diga que vc tá ok": amigos fortalecem laços para superar ataque a escola

Jason Dearen

Da Associated Press, em Parkland (Flórida)

16/02/2018 13h54

Era o último período do dia na escola Marjory Stoneman Douglas e Jonathan Black estava na aula de história, aprendendo sobre o Holocausto. No campus, cinco de seus amigos, que se conheciam desde o ensino fundamental, sentaram em salas de aula diferentes, de olho no relógio. Em 19 minutos, a aula acabaria e os amigos tinham planos para o Dia de São Valentim: um pouco de basquete e um tempo para ficar juntos.

Dentro da sala de aula 1214, o relógio apontava 14h21. E então: pá! pá! pá!

De forma instintiva, Jonathan, 16, se jogou no chão e usou sua mesa como cobertura. Ele sentiu o cheiro do fedor químico da pólvora, viu partículas de serragem pelo ar e a porta da sala de aula estilhaçada pelos tiros. Em volta, seus colegas se cobriram com livros e se abrigaram atrás de gabinetes.

O rosto de uma garota estava coberto de sangue. Perto dali, um garoto não estava se mexendo. Jonathan percebeu que ele provavelmente estava morto.

Atrás da porta atingida, o barulho soava ao longo do corredor, variando entre tiros, silêncio, tiros, silêncio. Os sons que interrompiam os momentos de silêncio eram gritos horríveis - junto com os gemidos dos colegas feridos de Jonathan.

O adolescente pensou em mandar uma mensagem aos pais e, é claro, aos melhores amigos, mas ele havia deixado seu telefone em cima da mesa e estava muito paralisado pelo medo para conseguir levantar a mão e pegar. Jonathan não tinha como saber se Joey, Noah, John, Sam, Ethan - seu círculo de amigos, que se uniu em torno de futebol, basquete e bar mitzvahs - estavam bem ou se eles, também, estavam agonizando em algum lugar em meio a mais um massacre mortal dentro de outra escola dos Estados Unidos.

Jonathan Black, Joey Cordover, Noah Kaufman, John Greenberg, Sam Resnick e Ethan Rocha passaram, separadamente, por momentos traumáticos durante o massacre ocorrido na Marjory Stoneman Douglas em Parkland, na Flórida, que deixou pelo menos 17 mortos. - AP Photo/Jason Dearen - AP Photo/Jason Dearen
Imagem: AP Photo/Jason Dearen

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Eles se chamavam debochadamente de "Jew Crew" ["turma de judeus", em tradução livre], esses seis amigos que se conheceram jogando esportes nos primeiros anos de escola e que, aos 13, planejaram bar mitzvahs consecutivos para que as festas durassem por semanas. Junto com Jonathan ficavam Joey Cordover, Noah Kaufman, John Greenberg, Sam Resnick e Ethan Rocha, que não é judeu mas virou um "membro honorário" do grupo.

Os seis se deram bem rapidamente e não se separaram desde então, passando horas jogando Xbox ou juntos na "casa-das-portas-sempre-abertas" de Jonathan na abastada Parkland, um subúrbio de condomínios fechados e shoppings urbanos que fica uma hora ao norte de Miami. Eles até começaram a planejar ir à faculdade juntos na Universidade da Flórida mas, como calouros do ensino médio, teriam que passar pelo colégio antes.

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Na quarta-feira (14), enquanto as balas rasgavam a sala de aula de Jonathan, Joey Cordover estava do lado oposto da escola, na sala de estudo. De repente, o alarme de incêndio disparou, pela segunda vez no dia. Os alunos sentados ao seu redor olharam uns para os outros, confusos. Num primeiro momento, eles deram de ombros, pensando que era um alarme falso. Joey e os outros olharam para fora da janela e viram alunos andando para o ponto de encontro designado para treinamentos. Eles decidiram ir também.

Sam e Noah estavam juntos na aula de história quando o alarme disparou. Eles também pensaram que era um alarme falso, mas quando a sala começou a sair, alguém gritou "é um Código Vermelho!". Tradução: tiroteio no campus. Segundos depois, eles ouviram tiros. Os dois começaram a correr para a rua enquanto a polícia fortemente armada passava por eles em direção à escola.

14.fev.2018 - Alunos correm para fugir de tiroteio na escola Marjory Stoneman Douglas, em Parkland, na Flórida - John McCall/South Florida Sun-Sentinel via AP - John McCall/South Florida Sun-Sentinel via AP
Imagem: John McCall/South Florida Sun-Sentinel via AP

Joey também conseguiu sair, deixando sua mochila em uma pilha crescente no meio da rua, como orientado pela polícia, mas segurando firme seu celular. Às 14h33, seu pai mandou mensagem para checar se ele estava bem. Ele disse que estava, mas em todos os lugares as crianças falavam sobre alunos sendo mortos.

"Pelo menos 1 morto", Joey escreveu para seu pai. "Irreal."

Outro da turma, John Greenberg, saiu de uma sala de aula provisória e ficou parado do lado de fora em meio a uma multidão de alunos aterrorizados. Quando alguém disse que o atirador possivelmente havia escapado, ele foi para casa. Em outro lugar, Ethan Rocha também conseguiu ficar em segurança.

Sobrou apenas Jonathan.

Do lado de fora, na rua, onde Sam e Noah ficaram juntos, os rumores se espalhavam. Eles ouviram que talvez tivesse havido mortos na aula de história, aquela sobre o Holocausto. Eles sabiam que Jonathan tinha aquela aula naquele último período. Noah tentou falar com Jonathan pelo telefone, mas a chamada não completava. O serviço de telefonia estava congestionado, com todos tentando falar com seus entes queridos.

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De volta à sala de aula 1214, no prédio onde 12 das 17 vítimas, a maioria alunos, eventualmente seriam encontradas, policiais com armaduras invadiram gritando "todos coloquem as mãos para cima!". Jonathan levantou suas mãos, sentou, olhou em volta e viu destruição.

Depois de cerca de 10 minutos, a polícia disse aos alunos para saírem. Jonathan passou por seus amigos caídos no corredor. Lá, dois outros corpos estavam entre ele e a saída do prédio. Ele disse a si mesmo para não olhar.

14.fev.2018 - Alunos saem com as mãos levantadas para fugir de tiroteio na escola Marjory Stoneman Douglas, em Parkland, na Flórida - Mike Stocker/South Florida Sun-Sentinel via AP - Mike Stocker/South Florida Sun-Sentinel via AP
Imagem: Mike Stocker/South Florida Sun-Sentinel via AP

Do lado de fora, cercado por sirenes e helicópteros e crianças e pais chorando, Jonathan mandou uma mensagem a sua mãe, que já havia enviado quatro mensagens de texto urgentes perguntando se ele estava bem. "Eles atiraram na minha sala", ele respondeu. "Três pessoas levaram tiro na minha sala." Ele saberia depois que tinham sido quatro pessoas.

Ele então olhou o grupo da sua turma. Havia uma mensagem de Noah, esperando.

"Vc tá bem? Amigo. Vc tá bem?"

"Estou traumatizado."

"Me diga que vc tá ok", enviou Noah.

"Tô ok, 3 pessoas levaram tiro na minha sala. Mas eu tô ok."

Ethan falou na sequência. Depois, dentro de minutos, chegaram mensagens dos outros quatro.

Na manhã seguinte, os seis foram juntos a uma sessão de assistência a estudantes no YMCA [Associação Cristã de Moços] local. Então, como haviam feito tantas vezes, se uniram na casa do Jonathan. Dessa vez, eles deram um abraço apartado e disseram "te amo, cara", sem qualquer ironia ou constrangimento.

"Não sabemos o que fazer. É confuso", diz Sam Resnick, sentado no sofá entre Jonathan e Ethan.

"Quando estivermos mais velhos e as pessoas perguntarem qual colégio a gente fez, e a gente responder Marjory Stoneman Douglas, elas dirão "hey, onde houve aquele tiroteio em massa", acrescenta Noah. "Vão nos colocar na mesma categoria [das escolas] Columbine ou Sandy Hook. Não parece real, honestamente."

Horas depois, ainda juntos, a turma foi ao parque Pine Trails para uma vigília da comunidade e pela chance de começar a aceitar tudo isso. Jonathan andou no meio da multidão, com sua mãe vindo em seguida. Seus olhos escuros estavam vermelhos. Ele viu sua professora de história, Ivy Schamis, e os dois falaram brevemente. Ele deu um abraço no seu amigo John e começou a chorar.

Os amigos sabem que esse é apenas o primeiro dia de muitos que virão, mas sua conexão, eles dizem, é a chave para encontrar um jeito de continuar.

"Criamos um laço que não pode ser quebrado", diz Jonathan. "Passar por uma situação como essa nos deixou ainda mais próximos."