Revista de celebridades pagou para 'engavetar' casos que manchassem imagem de Trump
A National Enquirer, uma das principais publicações que cobrem a vida de celebridades norte-americanas, efetuou pagamentos a pelo menos duas pessoas que alegavam ter histórias com potencial de prejudicar a imagem de Donald Trump. A revista pagou pela exclusividade das histórias entre 2015 e 2016, quando Trump era candidato à presidência, mas elas nunca foram divulgadas.
A Enquirer aborda temas comuns de tabloides e reportagens não autorizadas sobre a vida pessoal dos artistas, sendo alvo constante de processos pela falta de comprovação das informações.
No caso de Donald Trump, no entanto, a abordagem foi diferente. Amigo de longa data de David Pecker --dono do grupo editorial American Media Inc (AMI), que comanda a revista--, o presidente contou com capas e matérias positivas nos últimos anos. Durante a eleição de 2016, a Enquirer atacou primeiro os adversários republicanos de Trump, nas primárias, e depois Hillary Clinton, terminando por publicar um editorial declarando apoio ao megaempresário no pleito.
A Enquirer passou a ser vista com suspeitas por investigadores federais por causa dos pagamentos pelas histórias engavetadas. O inquérito envolve Michael Cohen, advogado pessoal do presidente e que também pagou pelo silêncio de uma pessoa - a atriz pornô Stormy Daniels - para que ela não divulgasse detalhes de um suposto caso com Trump. Os investigadores pediram acesso às comunicações de Cohen com Pecker e Dylan Howard, diretor de conteúdo da Enquirer.
De acordo com o jornal The New York Times, Cohen, Pecker e Trump elaboraram estratégias em conjunto no início da campanha presidencial do empresário, em 2015, para protegê-lo e atacar seus rivais. A AMI nega a existência dessas estratégias, apesar de confirmar os dois pagamentos.
Compra de histórias custou US$ 180 mil à revista
O primeiro caso de pagamento da National Enquirer por um material que não foi publicado é o da ex-modelo Karen McDougal, que alegava ter tido um romance de oito meses com Trump em 2006, quando ele já era casado com a atual primeira-dama, Melania.
McDougal recebeu US$ 150 mil e passou a escrever colunas sobre saúde e beleza em revistas do grupo AMI.
A segunda história foi revelada na quinta-feira (12) pela Associated Press e envolve um ex-porteiro do edifício Trump World Tower, em Nova York. O homem, Dino Sajudin, disse ter informações sobre um suposto filho fora do casamento que o presidente teria tido, anos atrás, com uma funcionária do edifício.
A Enquirer pagou US$ 30 mil a Sajudin. Segundo a AP, o contrato diz que o pagamento se refere aos "direitos perpétuos" do boato. Sajudin estaria sujeito a uma multa de US$ 1 milhão caso divulgasse a história ou os termos do acerto.
A National Enquirer costuma fazer pagamentos pela exclusividade de publicação de histórias pessoais de celebridades mas, segundo ex-funcionários ouvidos pela AP, não é prática da revista fazer esses pagamentos antecipadamente, se a ideia original é a publicação. O acerto seria feito apenas quando a revista atesta que o boato pode ser sustentado de alguma maneira.
No caso das histórias engavetadas, a National Enquirer admitiu ter feito pagamentos a McDougal e Sajudin, mas negou que a motivação tenha sido proteger Trump. A justificativa do pagamento a McDougal foi sua participação como colunista da revista. Pecker, no entanto, admitiu à revista The New Yorker que, ao ser contratada, McDougal concordou em contrato a não 'atacar' Trump na imprensa. "Ele é meu amigo pessoal", justificou o dono da revista, ressaltando que um ataque a Trump representa um ataque à empresa.
Sobre Sajudin, o diretor de conteúdo, Dylan Howard, disse que a intenção original era publicar o boato, mas que ele se mostrou "não confiável". De acordo com a AP, ex-funcionários alegaram que, na verdade, a direção da revista ordenou que os repórteres parassem de investigar o caso.
A AMI está respondendo a uma queixa na Comissão Federal Eleitoral questionando se esses pagamentos configuram doação ilegal à campanha de Trump.
Amigo protegido
Segundo a New Yorker, que entrevistou Pecker no ano passado, o dono do grupo AMI conheceu Trump há pouco mais de 20 anos, quando já era um empresário famoso no meio editorial. Pecker considerou Trump uma figura inspiradora por causa de "seu glamour, sua riqueza, seu acesso a mulheres bonitas e seu modo de viver", de acordo com a New Yorker.
Pecker chegou a lançar uma revista sobre o magnata, chamada Trump Style, publicada entre 1997 e 2002 e de circulação limitada. A relação entre os dois se aprofundou, com Pecker frequentando o condomínio Mar-a-Lago, na Flórida, de Trump, e presenciou o casamento do magnata e Melania, em 2005.
O próprio dono da Enquirer diz ter incentivado Trump a sair candidato a presidente, ideia que o entusiasmou desde o início. Após o lançamento oficial da campanha, em 2015, Pecker teria colocado o grupo AMI e a National Enquirer à disposição de Trump para promovê-lo, de acordo com o NYT.
Ataques aos rivais de Trump
Logo começaram os ataques aos rivais do magnata. Até a eleição, a revista publicou casos, nunca confirmados, sobre oponentes republicanos de Trump como Marco Rubio ("os segredos de sexo e drogas de Rubio", diz a manchete) e Ben Carson - segundo a National Enquirer, o pré-candidato republicano, um neurocirurgião renomado, certa vez "deixou uma esponja dentro um cérebro de um paciente".
Sobre Ted Cruz, a revista acusou seu pai, Rafael Cruz, de ter se reunido com Lee Harvey Oswald, acusado de matar John F. Kennedy, meses antes do assassinato do presidente, em 1963. A base para a publicação do texto era uma imagem de Oswald com um homem que tinha uma aparência "similar" à de Rafael Cruz. Esse rumor, negado de forma veemente pelo pré-candidato republicano, foi logo usado por Trump pra criticar o rival.
Hillary Clinton também sofreu nas mãos da National Enquirer durante as eleições: ela foi chamada de "espiã russa", "sociopata", "corrupta", "racista" e "criminosa", entre outros adjetivos, nas estridentes capas da publicação. A revista chegou até a dizer, em 2015, que Hillary não chegaria à Casa Branca porque "morreria em seis meses" devido a seu "deteriorado" estado de saúde.
Trump, além de ter usado histórias da National Enquirer para atacar seus adversários, também já fez suas exaltações públicas ao dono da revista. Em 2013, em meio a boatos de que Pecker poderia se tornar sócio do grupo que publica a Time, uma das revistas semanais mais prestigiadas dos Estados Unidos, Trump sugeriu que ele passasse a comandar a revista.
"David Pecker seria uma escolha brilhante para CEO da revista Time. Ninguém poderia reerguê-la melhor que David! Eles deveriam escolhê-lo para comandar - ele tornaria a revista empolgante e ganharia prêmios!", escreveu Trump.
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