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Supermercados 'espremem' agricultores e retêm fatia cada vez maior do valor pago nas compras

Do valor final de produtos alimentícios, supermercados retêm 7 vezes mais do que produtores rurais, diz pesquisa de ONG britânica - iStock
Do valor final de produtos alimentícios, supermercados retêm 7 vezes mais do que produtores rurais, diz pesquisa de ONG britânica Imagem: iStock

Carolina Ingizza

Do UOL, em São Paulo

23/06/2018 04h01

Do valor pago por consumidores nos caixas de grandes supermercados, uma fatia cada vez menor fica com quem de fato produziu os alimentos. Os gigantes do setor nos Estados Unidos e na Europa, dominado por alguns poucos conglomerados, abocanham quase metade do preço final dos produtos, aponta uma pesquisa divulgada na última semana pela ONG britânica Oxfam.

Segundo a pesquisa, essa distorção tem aumentado nos últimos anos e prejudica agricultores de países como o Brasil. Ao analisar uma cesta com 12 produtos alimentícios em 2015, o estudo identificou que os supermercados retinham 48,3% do valor cobrado, e os trabalhadores agrícolas apenas 6,5%. Em 1996, os percentuais eram 43,5% e 8,8% - o que mostra que a concentração vem crescendo.

Para produtos como o suco de laranja brasileiro, o feijão verde queniano, o camarão vietnamita e o atum em lata tailandês, a fatia do preço final que sobrou para o pequeno agricultor em 2015 foi inferior a 5%, segundo a Oxfam. No caso específico do suco brasileiro, o valor que chega ao trabalhador corresponde a 4% do preço de venda.

“Isso afeta a capacidade dessas pessoas [produtores rurais] de sair da pobreza”, pontua o relatório da organização.

O relatório aponta que é preciso aumentar em 3,1% o valor repassado aos produtores de laranja do Brasil para que eles tenham salário suficiente para um padrão de vida básico.

Uma trabalhadora tailandesa que limpa camarões levaria mais de 5 mil anos para acumular o que um executivo de um supermercado norte-americano ganha em um ano

Estimativa da ONG britânica Oxfam

Trabalhador em plantação de laranjas da Cutrale; a maior produtora de suco de laranja do mundo entrou na última edição da lista suja do trabalho escravo - Divulgação/Procuradoria Regional do Trabalho 15  - Divulgação/Procuradoria Regional do Trabalho 15
Trabalhador em plantação de laranjas da Cutrale; a maior produtora de suco de laranja do mundo entrou na última edição da lista suja do trabalho escravo
Imagem: Divulgação/Procuradoria Regional do Trabalho 15

Prática é similar no Brasil, diz pesquisadora

A pesquisa da Oxfam se concentrou em supermercados de Europa e EUA. Mas, segundo a geógrafa Valéria de Marcos, professora da USP (Universidade de São Paulo), as grandes redes brasileiras repetem o modelo de baixa remuneração para os produtores rurais. 

“Uma vez, os produtores me relataram que foram obrigados a dar um caminhão de alimentos sem receber nada, porque uma grande rede de supermercados iria fazer uma promoção e eles eram ‘parceiros’”, disse ao UOL.

De acordo com De Marcos, as grandes redes de supermercado oferecem preços baixos às custas dos produtores. “O produtor aceita, porque aquela renda, apesar de baixa, é fixa. Ele sabe que vai vender”, explica a professora.

“Os governos muitas vezes são responsáveis por isso. Eles não fizeram nada até agora e dificilmente farão”, opina a professora. Para ela, a única forma de diminuir a desigualdade causada pela exploração dos agricultores seria através de boicotes organizados pelos consumidores.

Os consumidores deveriam pensar, ao comprar: 'o que está por trás deste alimento que chega à minha mesa?'"

Valéria de Marcos, professora de geografia da USP

“Na Europa já existe um guia de consumo crítico que coloca em evidência a cadeia de produção. Assim, o consumidor decide se continua a comprar ou não de determinado lugar ou não”, afirma a docente.