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"Ainda espero meu filho", diz mãe de desaparecido em submarino argentino há 8 meses

"Ainda espero meu filho", diz Yolanda Mendiola, 55, que acampa em frente à Casa Rosada para pressionar por buscas por submarino - Bruno Aragaki/UOL
"Ainda espero meu filho", diz Yolanda Mendiola, 55, que acampa em frente à Casa Rosada para pressionar por buscas por submarino Imagem: Bruno Aragaki/UOL

Bruno Aragaki

Do UOL, em Buenos Aires

05/07/2018 04h01

Yolanda Mendiola, 55, relembra o gosto amargo da manhã de 17 de novembro de 2017, há quase oito meses. “Estava tomando ‘mate’ [o equivalente argentino do chimarrão] e assistindo à TV quando ouvi que o submarino tinha perdido a comunicação já havia dois dias”, contou a dona de casa ao UOL em frente à Casa Rosada, sede do governo argentino.

Desde então, nem ela, mãe de um submarinista, nem nenhum familiar dos 44 ocupantes do ARA (Armada da República Argentina) San Juan sabem o que aconteceu com a embarcação ou com aqueles que estavam nela, a pelo menos 250 metros de profundidade.

O navio perdeu contato com a base por volta das 7h30 de 15 de novembro do ano passado. O último sinal captado foi enviado de 430 km da costa, na região da Patagônia argentina. Investigações detectaram indícios de explosão nas proximidades por volta das 10h30 do mesmo dia, mas, até o momento, nada foi confirmado.

Não tive premonição, nem nada. Meu filho disse que embarcaria no San Juan e voltaria. Ainda estou esperando

Yolanda Mendiola, mãe de desaparecido no ARA San Juan

Manifestantes em frente à Casa Rosada pedem celeridade nas buscas pelo submarino - Bruno Aragaki / UOL - Bruno Aragaki / UOL
Famílias dos ocupantes do submarino desaparecido organizaram protesto em frente à Casa Rosada
Imagem: Bruno Aragaki / UOL
Na última semana de junho, um grupo de cerca de 20 pessoas, a maioria mães, mulheres e irmãs dos militares, formou um acampamento improvisado junto às grades da Casa Rosada para cobrar celeridade nas investigações. A reportagem do UOL visitou o local e conversou com familiares na ocasião.

“Não posso mais viver assim. Inteiro ou em pedaços, vivo ou morto, preciso saber como está o meu filho”, disse Mendiola, mãe de Leandro Cisneros, 28, cuja foto ela carrega no peito. Ela mandou confeccionar um broche com a imagem dele, vestido com boina e traje militar.

Segundo a Marinha da Argentina, a procura pelo ARA San Juan continua. Mas um imbróglio burocrático irritou os familiares, que, há oito meses, esperam respostas e acusam o governo de lentidão.

Há mais de um mês, a Argentina tenta contratar uma empresa estrangeira que forneça tecnologia de busca submarina de que o país não dispõe. No fim de junho, no entanto, por ordem do Escritório Nacional de Contratações, que viu irregularidades na licitação, o processo foi interrompido.

“Fazem isso de propósito, para esticar o tempo”, diz Zulma Sandoval, mãe de um tripulante do submarino. “[Mauricio] Macri poderia fazer algo. Escreve aí: nós queremos que o presidente firme um decreto e dê prioridade nas buscas”, pediu à reportagem.


Argentina já declarou que ocupantes estão mortos

Em dezembro de 2017, depois de 20 dias do desaparecimento do submarino, o ministro de Defesa da Argentina, Oscar Aguad, encerrou a operação de resgate --“que termina quando não existem mais condições de vida”. 

Diante da pergunta de um jornalista local que questionava se ele queria dizer que os ocupantes estariam mortos, Aguad respondeu: “Exatamente”. A busca, desde então, tem como objetivo encontrar a embarcação.

Submarino Ara San Juan desaparecido na Argentina - Xinhua - Xinhua
Foto de 2014 ARA San Juan: submarino realizava viagem de Ushuaia, no sul da Argentina, até mar del Plata, no norte do país
Imagem: Xinhua

Ao UOL, um oficial da Marinha do Brasil que opera submarinos e pediu para não ser identificado disse que, se a embarcação for encontrada, “certamente não terá mais ninguém com vida”.

“Mas, dependendo da profundidade a que o submarino afundou, é capaz de que ainda esteja preservado: até 1.000 metros, o casco ainda pode estar intacto, mas alagado”, disse.

Três hipóteses

Família de Alberto Sanchez, um dos desaparecidos no ARA San Juan - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
O suboficial Alberto Sánchez, um dos desaparecidos junto com o submarino ARA San Juan, e a família: "Temos esperança", diz a mulher, Marcela
Imagem: Arquivo Pessoal
Submersos em um mar de dúvidas e sem nenhuma resposta à vista, os familiares do ARA San Juan se agarram a teorias diversas para manter viva a esperança de descobrir o que aconteceu.

Em conversas no grupo de WhatsApp dos familiares dos “44 heróis”, como se referem aos ocupantes do submarino, circulam basicamente três hipóteses sobre o que aconteceu com o navio: sequestro, falha técnica ou ainda ataque por parte da Inglaterra --país com que, desde 1833, a Argentina trava disputa pela soberania das ilhas Malvinas.

Um documento divulgado pela imprensa argentina em janeiro sugere que o ARA San Juan tinha ordens para “obter reconhecimento preciso e localização, identificação e registro fotográfico” de aeronaves militares que operam no arquipélago em disputa. O governo argentino nega.

“O presidente Macri nos deve uma resposta. Vivemos nessa agonia de não saber nada. E até que me provem o contrário, não me considero viúva, nem meus filhos se consideram órfãos”, disse Marcela Fernández, mulher do suboficial Alberto Sánchez.

O Ministério de Defesa da Argentina não respondeu aos questionamentos da reportagem feitos por email e telefone.

Em casa, Sandoval, mãe do marinheiro desaparecido Celso Vallejos, tem de lidar com outro silêncio que a preocupa. Desde o incidente, os netos, de 8, 14 e 11 anos, se recusam a falar sobre o pai.

"Já procuramos psicólogos e eles falam que é preciso dar tempo. Mas, cada vez que falamos dele, os meninos mudam de assunto. Não podemos mais viver assim, precisamos de uma resposta", disse.