'Não somos inimigos': editoriais de 350 jornais dos EUA rebatem ataques de Trump contra mídia
Mais de 350 veículos de comunicação americanos publicaram editoriais sobre a importância da liberdade de imprensa nesta quinta-feira (16), em uma campanha coordenada em resposta a ataques do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra a mídia. O presidente, em resposta, acusou os veículos de "conluio" (veja abaixo).
Com a hashtag #EnemyOfNone (Inimigos de Ninguém, em tradução livre), a campanha foi organizada pelo jornal The Boston Globe e teve aderência tanto de publicações de peso como o The New York Times quanto de jornais menores:
The Boston Globe: 'Jornalistas não são o inimigo'
Hoje nos EUA, temos um presidente que criou um mantra dizendo que membros da mídia que não apoiam abertamente as políticas do governo atual são ‘inimigos do povo'. (...) "Essa é uma das muitas mentiras que têm sido proclamadas por esse presidente
Para o The Boston Globe, o tratamento dado por Trump à imprensa também estaria encorajando outros líderes, como o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, a tratar jornalistas como inimigos.
Um exemplo dos ataques de Trump direcionados à imprensa foi uma publicação em sua conta no Twitter em fevereiro de 2017, em que acusa o The New York Times, a emissora CNN e outras organizações de mídia de publicarem fake news (notícias falsas) e serem inimigos do povo americano, falas que foram repetidas em diversas outras ocasiões.
A posição de Trump é vista por muitos no setor como uma ameaça ao papel da mídia de monitorar a classe política e evitar abusos de poder por parte do governo, podendo colocar em risco o direito à liberdade de imprensa garantido pela Primeira Emenda à Constituição dos EUA.
Para alguns ativistas dos direitos da mídia, os comentários de Trump acabaram incitando a ameaças contra jornalistas que cobrem política.
The New York Times: 'Uma imprensa livre precisa de você'
Insistir que verdades de que você não gosta são 'fake news' é perigoso para a força vital da democracia. Chamar jornalistas de 'inimigos do povo' é perigoso, e ponto final
O The New York Times, frequentemente alvo das críticas de Trump, publicou um editorial de sete parágrafos com o título "Uma imprensa livre precisa de você", todo em letras maiúsculas.
O jornal afirma ser correto criticar a imprensa quando o objetivo é apontar algum erro.
Miami Herald: 'Presidente Trump, não somos inimigos das pessoas'
Tão real quanto as ameaças de violência física, especialmente após o assassinato de colegas em Annapolis, Maryland, a postura agressiva de Trump contra a primeira emenda da Constituição nos preocupa ainda mais.
O jornal da Flórida publicou um texto opinativo já na noite da última quarta-feira, no qual faz referência à carta magna dos EUA que prevê liberdades fundamentais - incluindo a de imprensa.
O editorial faz referência à história norte-americana e diz que 'nem o Presidente Nixon', que renunciou após escândalo iniciado por denúncias levantadas por repórteres investigativos.
Veículos que não aderiram
Alguns jornais, porém, mostraram-se céticos em relação à campanha, como The Wall Street Journal, de propriedade do aliado de Trump Rupert Murdoch, que decidiu não participar.
O colunista do jornal James Freeman disse que a iniciativa do The Boston Globe vai contra a independência dos conselhos editoriais. Trump tem direito à liberdade de expressão como qualquer outra pessoa, escreveu.
Embora tenha apoiado a iniciativa, o Baltimore Sun fez a ressalva de que "uma resposta coordenada de organizações de mídia independentes alimenta uma narrativa de que estamos, de alguma maneira, alinhados contra esse presidente republicano".
Não está claro quanto impacto a campanha terá. "As pessoas que leem editoriais não precisam ser convencidas", disse Ken Paulson, ex-editor-chefe do USA Today. "Não são elas que tentam calar você em comícios presidenciais."
Paulson avalia que a mídia precisaria de uma campanha de marketing de maior alcance capaz de ressaltar a importância da liberdade de imprensa como um valor fundamental.
Republicanos nos EUA têm adotado uma postura cada vez mais negativa em relação à imprensa nos últimos anos. Uma pesquisa do Pew Research Center mostra que a percentagem de eleitores do partido e republicanos em potencial que acreditam que a mídia tem um efeito negativo sobre o país subiu de 68% em 2010 para 85% em junho de 2017.
Trump acusa jornais de "conluio"
Logo na manhã desta quinta, ainda sem fazer referência direta à campanha dos jornais, Trump fez novas críticas, pelo Twitter, ao que chama de "imprensa fake news". "A imprensa fake news é o partido de oposição. É muito ruim para nosso grande país... mas estamos vencendo", escreveu Trump.
Cerca de uma hora depois, no entanto, Trump lançou um ataque direto ao Boston Globe, New York Times e aos outros veículos.
"O Boston Globe, que foi vendido para o falido The New York Times por 1,3 bilhão de dólares (mais 800 milhões de dólares em perdas e investimentos), ou 2,1 bilhões de dólares, foi depois vendido pelo [New York] Times por 1 dólar. Agora o [Boston] Globe está em um conluio com outros jornais por liberdade de imprensa. Prove!", acusou o presidente, usando o termo "conluio" ("collusion", em inglês), frequentemente usado pela imprensa em referência à investigação criminal sobre as possíveis ligações entre agentes russos e a campanha de Trump à Casa Branca, em 2016.
"Não há nada que eu queria mais para nosso país do que uma verdadeira liberdade de imprensa. O fato de que a imprensa é livre para escrever e dizer o que quiser, mas muito do que diz é fake news, forçando uma agenda política ou simplesmente querendo machucar as pessoas. A honestidade vence", concluiu Trump.
Com Deutsche Welle e jornais internacionais
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