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Você se considera ocidental? Para grande parte do mundo, o Brasil não faz parte do Ocidente

Getty Images
Imagem: Getty Images

Leonardo Rodarte*

Colaboração para o UOL, em São Paulo

24/09/2018 04h01

Para os brasileiros, esta não é uma questão: nos consideramos ocidentais. Na escola, na mídia, no dia a dia, falamos do Ocidente como o lugar a que pertencemos: "aqui no Ocidente, a Ioga ainda é vista como hobby", dizia artigo em um jornal.

Mas, se tiver algum amigo europeu ou norte-americano, faço o teste. Pergunte se o Brasil é um país ocidental. A resposta revelará que a definição não é tão consensual. O Ocidente não somos nós - ao menos para grande parte do mundo.

Isso porque falar uma língua de origem latina e estar a oeste do meridiano de Greenwich não é suficiente para estar no Ocidente. Enquanto Estados Unidos e Portugal são indiscutivelmente “ocidentais”, a classificação de países como o Brasil e a Argentina não é unânime.

Mas, afinal, o que faz um país ocidental? Abaixo, a divisão geográfica do planeta em dois hemisférios:

Um conceito mutável

A dicotomia Ocidente Oriente remonta à época do império Romano e, desde os primórdios, já guardava aspectos tanto geográficos quanto culturais.

No período de queda do império, a divisão tomou caráter oficial com a instituição do Império Romano do Ocidente, com capital em Roma, e o Império Romano do Oriente, com sede em Constantinopla (atual Istambul):

Enquanto a parte ocidental se desintegrou já no século 5, o império a Oriente se manteve unificado até 1453, quando foi tomado pelos turcos islâmicos. A partir desse momento, o conceito de Ocidente começa a aproximar da ideia de “cristandade", em oposição ao islã que vinha do oriente.

“O Ocidente sempre se definiu em oposição a algo, ora em relação aos povos islâmicos do Oriente Médio, ora em relação aos povos asiáticos de maneira geral", afirma o professor José Henrique Bortoluci, do Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da FGV. "É um conceito que necessariamente abarca uma exclusão do outro”.

Dos romanos aos dias atuais, o conceito de ocidente ganhou diversas interpretações e durante a Guerra Fria adquiriu também contornos políticos e econômicos.

No período da Guerra Fria, o conceito de Ocidente passa a ser associado a existência de certas instituições, como democracia e capitalismo e, ainda que de maneira difusa, também a valores judaico-cristãos

José Henrique Bortoluci, professor da FGV

Dessa maneira, explica Bortolucci, países como Austrália e Nova Zelândia seriam indiscutivelmente parte do mundo ocidental, ainda que geograficamente estejam mais próximos da Ásia.

E o Brasil?

Não há consenso sobre qual a classificação para o Brasil. Se não somos ocidentais, há diversas classificações possíveis: latino-americanos ou mundo em desenvolvimento são opções.

Outras regiões neste 'limbo' classificatório são a África e a Rússia.

“A classificação da América Latina e do Brasil é particularmente problemática”, segundo o professor.

Se por um lado a colonização europeia deixou marcas na língua e no modelo de organização dos países latino-americanos, o subdesenvolvimento socioeconômico e as ditaduras que marcaram a história da região excluiriam esses países do clube ocidental.

Alguns estudiosos se referiam a América Latina como 'extremo ocidente’ para demarcar a diferença em relação aos países capitalistas avançados

Termo cunhado pelo diplomata e politólogo francês Alain Rouquié

Em outras palavras, na parte 'desenvolvida' do mundo, o Ocidente é sinônimo de desenvolvimento, democracia e cultura de base europeia -- uma definição vaga que não deixa de ter certa carga de preconceito.

Para Oliver Stuenkel, autor do livro O Mundo Pós-Ocidental, o debate acerca da filiação do Brasil ao Ocidente gera poucos resultados concretos para as políticas externas.

“O conceito de Ocidente é ambíguo e, na prática, traz mais problemas que soluções”, afirma. Mesmo entre os formuladores da política externa brasileira parece não existir consenso.

“O Itamaraty evita o uso do termo ‘Ocidente’ na sua linguagem diplomática oficial porque mesmo entre diplomatas não há entendimento comum”, afirma o estudioso.

Stuenkel, no entanto, vê vantagens nessa ambiguidade do Brasil em relação ao ocidente. “Em um mundo multipolar, ter legitimidade para dialogar com vários atores é estratégico. O Brasil é um dos poucos países que consegue dialogar com as potências ocidentais ao mesmo tempo que tem legitimidade para liderar os países não ocidentais”.

*Leonardo Rodarte é formado em Relações Internacionais pela USP e mestre em Políticas Públicas pela Yonsei University, na Coreia do Sul -- esse, sim, um país oriental.