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Brasileiros ultrapassam africanos e são maior grupo entre presos com drogas no aeroporto de Guarulhos

Pedro Graminha

Do UOL, em São Paulo

19/10/2018 04h00

O número de brasileiros presos por tráfico de drogas no aeroporto internacional de Guarulhos, em São Paulo, 81 pessoas este ano, é maior do que o de africanos (47), segundo dados da Polícia Federal tabulados pelo UOL.

Há dois anos, cidadãos de diversos países da África compunham a maior parcela (44%) dos presos tentando embarcar ou desembarcar no aeroporto mais movimentado do país com drogas. Os brasileiros eram 22%.

Mas a tendência passou a se inverter no ano passado, quando brasileiros e africanos se igualaram e respondiam a 28% dos presos por tráfico de drogas em Cumbica, segundo números da PF, sempre comparando o período de janeiro a setembro.

Uma possível explicação para esse aumento no número de brasileiros envolvidos no narcotráfico internacional é a crise econômica que o país enfrenta nos últimos anos. 

"Durante a crise econômica na Europa, havia uma maior incidência de europeus presos. A partir de 2016 e 2017, houve um crescimento de sul-americanos, sobretudo venezuelanos e bolivianos. Não há dados suficientes para confirmar, mas há uma coincidência entre crises econômicas e as nacionalidades, isso porque uma pessoa que passa muito tempo desempregada é mais vulnerável para ser cooptada para esse tipo de crime", disse ao UOL o delegado Rodrigo Weber de Jesus, responsável da Polícia Federal do aeroporto.

África é parada intermediária

Nos três anos analisados, a maior parcela das drogas apreendidas tinha como destino cidades da África (49% em 2018) - usadas, segundo especialistas, como ponto intermediário antes de chegar à Europa.

Também aumentam as apreensões em voos que têm como destino cidades europeias - eram 16% em 2016 e chegaram a 31% em 2018. No sentido inverso, nota-se diminuição nas apreensões com destino à Ásia (de 14% para 5%).

O número de pessoas presas este ano em Guarulhos, 207, apresenta pouca diferença em relação ao registrado no mesmo período em 2016 (209 pessoas), mas chama a atenção o aumento no volume de drogas apreendida: de 1,2 tonelada há dois anos entre janeiro e setembro, a PF registrou, este ano, 2,4 toneladas.

Enganando a marcação 

Escondidas no fundo falso de malas, dentro da sola de sapatos ou ingeridas por passageiros, as "mulas", como são chamadas as pessoas que levam drogas para fora do país, usam métodos engenhosos para esconder as substâncias. A polícia relata ter encontrado drogas diluídas em tubos de xampu e até em garrafas de vinho ou camufladas em grãos, tudo para escapar dos aparelhos de raio-x e dos cães farejadores.

"A criatividade dos traficantes não tem limite. Podem tentar passar a droga solta em um tablete dentro da mala ou até em vários pacotinhos disfarçados de grãos de feijão, dentro de uma embalagem”, conta o delegado.

Um dos métodos mais comuns é a ingestão de pacotes com as substâncias, o que põe em risco a vida de quem tenta transportar a droga. 

Para identificar quem tenta embarcar com drogas para o exterior, a PF diz que mantém policiais a paisana na fila do check-in. Uma vez que um passageiro é identificado com comportamentos suspeitos, os policiais realizam uma abordagem e fazem algumas perguntas.

"Muitas vezes, pela informação que a pessoa passa, há contradições entre o que ela declara e o que efetivamente está fazendo. Por exemplo, quando a pessoa diz estar desempregada, mas está viajando a turismo. A partir desse tipo de informação, já se pode ter uma ideia se a pessoa ingeriu droga ou não. Para confirmar é preciso levar a pessoa ao hospital e fazer uma tomografia."

Rota da droga que sai do Brasil

O procurador do MP-SP (Ministério Público de São Paulo), Marcio Sergio Christino, especialista em crime organizado, diz que o predomínio de rotas para a África se dá, sobretudo, pela facilidade de enviar as drogas para a Europa, o destino principal dos narcóticos brasileiros.

A escolha dos países se dá sobretudo por questões de logística: eles vão para onde é mais fácil carregar as drogas; os países africanos, em geral, tem aparatos de segurança menos sofisticados e, muitas vezes, autoridades em conluio com os traficantes. Entre os países que atualmente mais recebem a mercadoria ilegal estão a Etiópia e a África do Sul. 

Traficantes brasileiros quase não operam na rota da droga em direção aos EUA, uma das maiores do mundo --este mercado é dominado por colombianos e mexicanos.

O modelo de negócio dos traficantes

A principal droga comercializada pelos traficantes brasileiros é a cocaína, representando quase 98% do total apreendido no aeroporto de Guarulhos. 

Segundo Marcio Sergio Christino, procurador do MP, a maior parte da cocaína que circula no Brasil é proveniente da Bolívia. Ele diz que os traficantes bolivianos trazem a droga para o país, mas outros grupos exportam o produto a partir dos portos e aeroportos brasileiros.

"O processo para levar drogas pelo mar é por atacado, em toneladas, para abastecer uma operação muito maior”, explica o procurador do MP.

Apesar de transportarem menores quantidades, as rotas pelos aeroportos são mais "seguras": para enviar um contêiner, é necessário uma empresa registrada, o que deixa pistas que podem levar aos traficantes. Nos aeroportos, mesmo se uma "mula" é pega, dificilmente ela terá informações relevantes para chegar aos donos das drogas.

Nesse caso, Christino explica que, para compensar as poucas quantidades de drogas que uma mula pode carregar e os riscos de serem pegas, os traficantes diluem as mercadorias por várias cabeças.

"Pode parecer pouca coisa o que cada uma leva, mas se depois você misturar a droga, vai perceber que é um valor muito alto. Por isso, compensa", afirma.

Mesmo com todas as cifras apresentadas nos trabalhos de detecção em portos e aeroportos, Christino diz que é impossível saber a quantidade real de drogas que entra e sai do país.

"Você não tem nenhuma fonte de dado correta que pode ser consultada, porque não há registro do que não foi apreendido. Seja qual for o número que se tenha, é pura especulação".