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Análise: 'Modelo Trump', adotado por Bolsonaro no Brasil, dá sinais de desgaste nos EUA

Donald Trump chega para entrevista coletiva após as eleições de meio de mandato nos Estados Unidos, acompanhado do vice-presidente, Mike Pence - Mandel NGAN / AFP
Donald Trump chega para entrevista coletiva após as eleições de meio de mandato nos Estados Unidos, acompanhado do vice-presidente, Mike Pence Imagem: Mandel NGAN / AFP

Marcelo Freire

Do UOL, em São Paulo

08/11/2018 04h01

Jair Bolsonaro (PSL) utilizou muitas táticas de Donald Trump na última eleição presidencial no Brasil: rejeição à classe política tradicional; uso das redes sociais; retórica agressiva e ataques a opositores e à imprensa; discurso nacionalista e de exaltação às forças de segurança do país. Deu certo.

Mas o modelo popularizado por Trump dá sinais de desgaste -- e um deles é a perda da maioria do Partido Republicano na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos.

A derrota na Câmara está longe de significar uma rejeição massiva contra os republicanos nos EUA, por dois motivos. Primeiro: apesar de os democratas terem tomado 27 cadeiras dos adversários até o momento, havia a expectativa, de acordo com as pesquisas, que esse número fosse maior.

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Segundo: os republicanos ampliaram a maioria no Senado, tirando três cadeiras democratas e perdendo apenas uma - essa vantagem pode aumentar com o fim da apuração.

Mas a possibilidade de ser submetido a investigações em comissões comandadas pelos democratas na Câmara e o potencial de ver seus projetos legislativos barrados pela oposição significam, sem dúvida, um revés para o presidente que saiu atrás nas pesquisas em 2016 para vencer de forma surpreendente e chegar à Casa Branca com apoio numeroso no Congresso.

"Com o resultado na Câmara, os democratas podem rejeitar qualquer iniciativa do Executivo, seja o orçamento para a construção do muro no México, os cortes nos impostos para os ricos e a classe média, as mudanças nas políticas comerciais com outros países, como a China, ou qualquer iniciativa na área da saúde", diz o canadense Sean Purdy, professor do departamento de História da USP (Universidade de São Paulo) e especialista em história dos Estados Unidos.

"Claro que a maioria republicana no Senado pode barrar projetos democratas também, mas ainda assim o tamanho da perda na Câmara é importante. A eleição foi sim um referendo sobre o Trump, e ele sai mais fraco - não só simbolicamente, mas também na prática", acrescenta.

Segundo ele, é "interessante e irônico que o Brasil abraça um modelo que muitos nos EUA estão rejeitando". E, apesar do entusiasmo de Bolsonaro com Trump e sua intenção de aproximar os dois países, a vitória dos democratas pode atrapalhar esses planos.

"Vários deputados democratas na Câmara já se pronunciaram contra Bolsonaro e isso pode dificultar qualquer aproximação dos dois países mesmo que os líderes concordem em algumas políticas de direita, na área comercial, econômica ou de direitos humanos, entre outras", afirma.

O balanço do poder na política americana

Câmara dos Deputados

  • Em jogo: Todas as 435 cadeiras, renovadas a cada dois anos
  • Divisão até 2018: 235 republicanos, 193 democratas e 7 cadeiras vagas
  • Resultado parcial (até 15h20 desta quinta, segundo AP): 225 democratas, 197 republicanos (13 ainda indefinidos)

Senado

  • Em jogo: 35 de 100 cadeiras, incluindo dos 5 estados mais populosos (Califórnia, Texas, Flórida, Nova York e Pensilvânia)
  • Divisão atual: 51 republicanos e 49 democratas.
  • Resultado parcial (até 15h20 desta quinta, segundo AP): 51 republicanos e 46 democratas (ainda indefinidos)

Governos de estados

  • Em jogo: 36 estados (entre 50), incluindo os 5 mais populosos
  • Divisão atual: 33 republicanos, 16 democratas e 1 independente
  • Resultado parcial (até 15h20 desta quinta, segundo AP): 26 republicanos e 23 democratas (1 ainda indefinido)

O caminho democrata

Ao mesmo tempo que há uma união democrata contra Trump, agora até com potencial de um pedido de impeachment - 40% dos eleitores desejam que o presidente seja removido do cargo, segundo pesquisa boca de urna da CNN -, o partido agora precisa demonstrar uma agenda política alternativa à do presidente. "Os democratas precisam de um programa para ganhar o apoio da população. Ser anti-Trump não é suficiente", diz Purdy.

Outro aspecto evidenciado nas eleições foi a guinada dos democratas à esquerda, uma ameaça que já rondava o partido em 2016, quando Bernie Sanders teve chances de superar Hillary Clinton nas primárias para a presidência mesmo sem o apoio da cúpula.

"Muitos desses democratas que ganharam na Câmara defendem um salário mínimo maior para trabalhadores em situação precarizada e a ampliação do Obamacare [plano de saúde pública do ex-presidente que Trump busca encerrar]. Foram muitos ganhos dessa ala progressista, principalmente em grandes estados como Nova York e Pensilvânia. Não são maioria, claro, mas mostram os novos rumos políticos dos EUA estão mudando."

Teste para reeleição de Trump

Além da Câmara e do Senado, houve também a disputa em 36 dos 50 estados.

Considerando que os dois ainda indefinidos (Geórgia e Alasca) têm republicanos na frente na apuração, a conta final deverá ficar em 27 estados para o partido de Trump e 23 para os democratas.

Essa disputa é importante para Trump principalmente por causa de sua tentativa de buscar a reeleição em 2020. E três derrotas são preocupantes: Michigan, Wisconsin e Pensilvânia, estados que escolheram o republicano há dois anos na eleição presidencial e que foram vencidos pelos democratas agora.

Em compensação, candidatos apoiados por Trump conseguiram vitórias importantes na Flórida e em Ohio, dois conhecidos 'campos de batalha' nas eleições presidenciais, variando suas escolhas entre republicanos e democratas em duelos geralmente apertados. "Nesses estados ficou meio empatado, talvez pendendo um pouco para o lado republicano. Foi uma das vitórias de Trump", diz Purdy.