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Brasil perde protagonismo, e Temer participa do G20 como coadjuvante

29.nov.18 - O presidente Michel Temer é recebido na Argentina pelo presidente interino do Senado, Federico Pinedo - Alejandro Pagni/AFP
29.nov.18 - O presidente Michel Temer é recebido na Argentina pelo presidente interino do Senado, Federico Pinedo Imagem: Alejandro Pagni/AFP

Talita Marchao

Do UOL, em Buenos Aires

30/11/2018 04h01

A poucos dias de deixar o cargo, o presidente Michel Temer (MDB) participa de sua última cúpula do G20 representando um Brasil distante do status de protagonista internacional que se via há alguns anos. O encontro começa nesta sexta-feira (30) em Buenos Aires.

A avaliação é de analistas ouvidos pelo UOL e confirmada pela agenda do evento. Em um encontro que congrega as 20 maiores economias do mundo, Temer tem somente dois encontros bilaterais com primeiro-ministros da Austrália, Scott Morrison, e de Singapura, Lee Hsien Loong. Ele participa também, antes da abertura da cúpula, de uma reunião informal dos Brics, grupo formado por Rússia, China, Índia e Brasil.

No comunicado à imprensa internacional distribuído pela organização do evento, há menção a 12 "máximos líderes mundiais". O texto cita Emmanuel Macron (França), Theresa May (Reino Unido), Angela Merkel (Alemanha), Sebastián Piñera (Chile) e Donald Trump (EUA), mas não menciona nem Temer, nem o Brasil.

Trump - Getty Images - Getty Images
O presidente dos EUA, Donald Trump
Imagem: Getty Images

"O Brasil passou de uma postura de grande envergadura para uma posição até mesmo um pouco marginal dentro do G20. Isso aconteceu muito em função do que a gente viveu no país nos últimos anos", diz Paulo Velasco, cientista político da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), 

Ele explica: "Não só a crise econômica e financeira, que naturalmente tira a credibilidade. Mas também a própria crise política. Tiramos uma presidente, quase tiramos o outro e agora tivemos uma eleição muito turbulenta, em um cenário político bastante polarizado e dividido".

Matias Spektor, coordenador da graduação da Escola de Relações Internacionais da FGV (Fundação Getúlio Vargas), também vê perda de protagonismo do Brasil, mas diz que, pelo tamanho e peso econômico, o país continua sendo importante.

"Uma crise financeira que afete o Ibovespa, por exemplo, pode levar junto a Argentina, o México, a Coreia do Sul, gerando um efeito dominó. E o problema do efeito dominó é que ninguém consegue pará-lo. Mesmo que o Brasil não tenha mais uma posição de liderança, continua sendo importantíssimo para o G20", avalia o professor da FGV.

As reuniões do G20 se iniciaram na esteira da crise financeira global de 2008, organizando as ações para voltar a irrigar a economia global de forma coordenada --e o Brasil teve papel de liderança.

Agenda de Temer

Em sua agenda para esta edição do G20, Michel Temer não tem encontro nem mesmo com o anfitrião do encontro, o presidente argentino, Mauricio Macri, ou com Donald Trump, presidente dos EUA, que enviou um de seus conselheiros para se reunir com Bolsonaro no Rio de Janeiro na quinta-feira

Temer chegou a convidar Bolsonaro para acompanhá-lo na cúpula, mas o presidente eleito recusou por questões de saúde --ele ainda se recupera de um atentado a faca sofrido durante a campanha.

Não é comum que presidentes de saída levem seus sucessores: para efeito de comparação, o atual presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, participará do G20 em seu último dia de mandato; ele volta para o seu país no meio do evento, quando deve passar a faixa presidencial ao eleito, Andrés Manuel López Obrador, que toma posse no dia 1º de dezembro.

Apesar da recusa de Bolsonaro, Velasco avalia que teria sido interessante que o eleito tivesse aceitado o convite, caso tivesse condições de saúde para viajar. "Era uma forma interessante para Temer apresentar seu sucessor e mostrar que ele também está comprometido com o mesmo tipo de política, que a transição é alinhada. Mostraria o compromisso com a continuidade, sobretudo do que interessa ao grupo", diz o professor da Uerj.

saudita - Saudi Broadcast Authority/AFP - Saudi Broadcast Authority/AFP
O ministro das Relações Exteriores da Argentina, Jorge Marcelo Faurie, recebe o príncipe saudita, Mohammed bin Salman, em Buenos Aires
Imagem: Saudi Broadcast Authority/AFP

Entre as diversas saias-justas do evento, como a guerra comercial travada entre China e EUA, as presenças do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan e do príncipe saudita, Mohammad bin Salman, suspeito de envolvimento na morte e esquartejamento de um jornalista dentro da sua embaixada na Turquia, e do russo Vladimir Putin, envolvido em uma nova escalada militar contra a Ucrânia, o Brasil também tem a sua cota de climão.

Na preparação do Itamaraty para o encontro, a chancelaria brasileira deixou claro que as mudanças climáticas estavam entre as prioridades do Brasil. Entretanto, pouco antes de o Temer embarcar, o próprio Itamaraty anunciou na quarta-feira que retirou a candidatura brasileira para sediar a COP-25, conferência do clima das Nações Unidas, no próximo ano. A declaração foi feita depois que Bolsonaro afirmou que recomendou ao próximo chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, que o Brasil não realizasse o evento.

O evento seria palco das negociações para a implementação do Acordo de Paris. Mas o próprio futuro ministro Araújo já deu declarações questionando o que chamou de "alarmismo climático".

O que Temer vai fazer no G20

Especialistas ouvidos pelo UOL concordam que o Brasil deve aproveitar a vitrine que o G20 representa para mostrar aos investidores o compromisso com o livre comércio. Temer deverá tentar passar a imagem de que está "arrumando a casa", levando adiante as reformas econômicas que podem interessar ao grupo que representa cerca de 85% da economia mundial.

"O fato de a economia brasileira ser a mais fechada do G20 traz um custo enorme para a recuperação econômica do país. O que Temer vai tentar mostrar é que a nossa direção é a de uma maior abertura. Essa é a mesma mensagem do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), é a mensagem que foi vitoriosa nas urnas, é a mensagem do Paulo Guedes", diz ao UOL Matias Spektor, coordenador da graduação da Escola de Relações Internacionais da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

Paulo Velasco, cientista político da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), avalia que Temer deve ressaltar o "compromisso com a plena e efetiva estabilização monetária".

"Isso passa por uma série de reformas e pela lógica do equilíbrio fiscal. Além disso, o Brasil também deve sinalizar compromisso com livre comércio. Embora o G20 não seja um foro propriamente comercial, todos os temas ligados à economia internacional acabam aparecendo. E a grande dúvida é de que forma isso vai continuar no próximo governo", afirma Velasco.

De fato, ao delimitar os temas de grande importância para o Brasil na cúpula, o Itamaraty deixou claro que o comércio internacional e o futuro do trabalho são prioridades. A chancelaria brasileira afirma ainda que pretende usar o encontro para reiterar "seu compromisso com a democracia e com as reformas econômicas, no plano doméstico".

"Sabemos que a partir de janeiro haverá uma série de ofertas de privatizações, estamos falando de mais de uma centena de empresas. O encontro do G20, neste sentido, vai servir como um sinalizador das intenções deste governo brasileiro e do próximo: a abertura dos negócios. A mensagem mais importante para tirar a economia brasileira do atoleiro em que ela ainda se encontra é a de que já foram feitas reformas e haverá ainda mais, tornando o Brasil mais atraente para investimentos e gerando novos empregos", diz Spektor.