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Líderes do G20 chegam a acordo sobre comércio e mudanças climáticas

O presidente argentino Mauricio Macri em entrevista coletiva no segundo dia do G20, em Buenos Aires - ANDRES STAPFF/REUTERS
O presidente argentino Mauricio Macri em entrevista coletiva no segundo dia do G20, em Buenos Aires Imagem: ANDRES STAPFF/REUTERS

Talita Marchao

Do UOL*, em Buenos Aires

01/12/2018 15h47

Líderes do G20, grupo que reúne os países com as maiores economias do mundo mais a União Europeia, chegaram a um acordo sobre mudanças climáticas e comércio multilateral -- incluindo uma reforma na Organização Mundial do Comércio -- na tarde deste sábado (1).

“O comércio internacional e o investimento são motores importantes de crescimento, produtividade, inovação, emprego criação e desenvolvimento. Reconhecemos a contribuição que o sistema multilateral de comércio tem feito para esse fim. O sistema está atualmente aquém de seus objetivos e há espaço para melhoria. Por isso, apoiamos a necessária reforma da OMC para melhorar o seu funcionamento”, diz o documento que acaba de ser divulgado.

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O documento afirma ainda que os signatários do Acordo de Paris (como o Brasil), que também aderiram ao Plano de Ação de Hamburgo, reafirmam que o pacto global do clima “é irreversível e comprometem-se com sua plena implementação, refletindo responsabilidades comuns” à luz de diferentes circunstâncias nacionais. “Continuaremos a enfrentar as mudanças climáticas, promovendo o desenvolvimento sustentável e o crescimento econômico”, diz a nota.

Segundo o texto elaborado, os EUA reiteraram a decisão de sair do Acordo de Paris e “afirmam seu forte compromisso com o crescimento econômico e acesso à energia e segurança, utilizando todas as fontes de energia e tecnologias, protegendo o meio ambiente.”

“Foram muitas horas de reuniões, muitos dias e meses. E os acordos envolvem questões de comércio. Por exemplo, a OMC tem o grande desafio de se modernizar. Existe um princípio de acordo muito bom, ninguém duvida que o comércio gere desenvolvimento e o que está sendo considerado. Onde se tem conflito, se perde muito tempo. Queremos um comércio justo, e o futuro passa pelo comércio", disse o presidente Mauricio Macri em entrevista coletiva no fim da cúpula.

Macri afirmou ainda que Brasil e Argentina são parte de um dos blocos mais protecionistas do mundo [em referência ao Mercosul], e que, na conversa com o presidente brasileiro, Michel Temer, coincidiram de que “tanto a Argentina, quanto o Brasil querem se abrir". "Nos demos conta de que nos equivocamos, e os países que se abriram nos últimos 20 anos são os que mais cresceram, muito mais do que Argentina e Brasil”, disse.

“Esperamos agora, junto ao Paraguai e ao Uruguai, abrir e começar a firmar convênios com o que temos nas mãos, como a União Europeia, Canadá, Japão, Singapura. Estamos com negociações abertas que devem se acelerar nos próximos meses”, disse o líder argentino. 

Pegando carona no que considerou um evento de sucesso em meio a uma grave crise financeira no país, o presidente argentino aproveitou ainda para destacar que a cúpula do G20 foi "uma demonstração de apoio às transformações que estão acontecendo na Argentina". "Um evento dessa magnitude nunca foi visto na América do Sul, na região”, disse.

Durante a entrevista, Macri falou ainda sobre as expectativas para o encontro que acontece ainda neste sábado entre o presidente dos EUA, Donald Trump, e o presidente chinês, Xi Jinping, protagonistas de uma guerra comercial aberta. “Todo mundo tem muita expectativa na reunião que acontecerá em poucas horas, mas o comunicado indica que todos apostamos no comércio crescente e o que estamos buscando é que ele seja feito em termos equitativos".

O acordo realizado pelos líderes ainda versa sobre a participação das mulheres e da discussão de gênero no G20. "Este ano, nos concentramos nos seguintes pilares: o futuro do trabalho, infraestrutura para desenvolvimento sustentável, um futuro alimentar sustentável e uma estratégia de integração da perspectiva do gênero na agenda do G20.", diz o texto.

EUA x China

"Ouvi estes dias que teria que escolher [entre EUA ou China]. A Argentina tem demonstrado especialmente que é capaz de ter relações muito boas com todos os países. Hoje podemos dizer que temos um excelente relacionamento com os EUA, e também com a China”, disse Macri. “Temos amanhã uma reunião com Xi Jinping, que está se tornando cada vez mais um fã da Argentina, não apenas do nosso futebol e tango, mas também da nossa carne e vinho.”

O climão Turquia x Arábia Saudita

O argentino foi perguntado sobre suas reuniões com o príncipe saudita, Mohammad bin Salman, suspeito de envolvimento na morte de um jornalista dentro da missão diplomática saudita na Turquia, e com o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan. Macri afirmou que o tema das discussões com Erdogan foi “o assassinato do jornalista, e nós dois concordamos que, nas organizações pertinentes, continuaremos exigindo que a verdade seja alcançada, que é o que querem todos os argentinos."

Já sobre a reunião com o príncipe saudita, Macri disse que foram debatidas “todas as possibilidades de investimento que a Arábia Saudita tem na Argentina, como questões de energia, petroquímica, e o convidamos a investir no país, porque com isso vamos gerar empregos, que é minha principal preocupação."

'Transformações tecnológicas'

Entre os pontos do acordo, há menção sobre a importância da tecnologia e da inovação para gerar novas oportunidades econômicas. O texto, no entanto, alerta para os conflitos políticos e sociais que essa transição tecnológica pode acarretar, incluindo a desigualdade no acesso a essas inovações. 

"Espera-se que as tecnologias transformadoras tragam imensas oportunidades econômicas, incluindo novos e melhores empregos e padrões de vida. A transição, no entanto, criará desafios para indivíduos, empresas e governos. As respostas políticas e a cooperação internacional ajudarão a garantir que os benefícios da transformação tecnológica sejam amplamente compartilhados", diz o acordo. 

Os líderes também destacaram o investimento em pequenas e médias empresas de tecnologia, defendendo o "fluxo livre de informação, ideias e conhecimento".

É preciso "maximizar os benefícios da digitalização e das tecnologias emergentes para um crescimento e produtividade, promover medidas para impulsionar micro, pequenas e médias empresas e empreendedores, corrigir o fosso digital entre os gêneros e promover a inclusão digital, apoiar a proteção e melhorar o governo e a infraestrutura digital", segundo o texto. 

Reformas na OMC 

O texto faz apenas uma menção às reformas sugeridas para a Organização Mundial do Comércio e trata de forma superficial o assunto. A União Europeia, na última segunda-feira (26), elaborou um documento onde apontava propostas para modificar as operações da OMC, e afirmou que China, Índia e outros países haviam aderido às ideias para se contrapor às pressões feitas pelos Estados Unidos. 

A OMC está se esforçando para desenvolver um plano para a maior reforma em seus quase 24 anos de história, depois que o presidente norte-americano, Donald Trump, levou o principal tribunal de comércio mundial à beira do colapso, bloqueando as nomeações de seus juízes e ameaçando com a saída dos EUA.

O embaixador dos Estados Unidos na OMC, Dennis Shea, criticou repetidas vezes o Órgão de Apelação da OMC, efetivamente o supremo tribunal do comércio mundial, de ultrapassar sua autoridade e quebrar suas próprias regras, invalidando potencialmente seus julgamentos.

“Agora, juntamente com uma ampla coalizão de membros da OMC, estamos apresentando nossas propostas mais concretas para a reforma da OMC. Espero que isso contribua para romper o atual impasse”, disse a comissária europeia de Comércio, Cecilia Malmstrom, em um comunicado na última semana. 


Isolamento dos EUA rende críticas

Logo após a divulgação do acordo do G20, o Greepeace se manifestou endossando as preocupações com as mudanças climáticas no mundo e criticou o isolamento dos Estados Unidos na questão. Outros especialistas também se mostraram receosos com a escolha de Trump de continuar fora do Acordo de Paris. 

"É triste que a Administração Federal dos Estados Unidos, um país que está sentindo cada vez mais a força dos impactos climáticos, continue a se recusar a ouvir a voz objetiva da ciência quando se trata de mudança climática.", disse a diplomata costa-riquenha Christiana  Figueres.

"Este resultado reafirma a decisão do G19 de agir sobre o clima, isolando o governo dos EUA como o único governo que deixou Paris e enviando um forte sinal à COP24 [Conferência do Clima das Nações Unidas]", criticou Jennifer Morgan, diretora-executiva do Greenpeace Internacional. 


*Com informações da Reuters