Topo

Estados brasileiros negociam tecnologia de segurança e de água com Israel 

Governador eleito do Rio, Wilson Witzel (PSC) faz visita a Israel em dezembro - Ricardo Minussi/Divulgação
Governador eleito do Rio, Wilson Witzel (PSC) faz visita a Israel em dezembro Imagem: Ricardo Minussi/Divulgação

Beatriz Montesanti

Do UOL, em São Paulo

13/12/2018 04h00

Antes mesmo de Jair Bolsonaro se tornar presidente eleito com um discurso de aproximação com Israel, governos estaduais alinhados tanto à direita quanto à esquerda já articulam contratos ambiciosos de compra de tecnologia do país judeu.

As negociações abrangem desde a aquisição de dessalinizadores a equipamentos de segurança, como armas e drones --tecnologias pelas quais a nação é conhecida e que geram extensos debates acerca de seu uso entre os defensores dos direitos humanos. A expectativa é que esses contratos sejam assinados no começo de 2019, impulsionados pelo discurso pró-Israel do governo federal.

Desde a campanha presidencial, Bolsonaro e seus aliados têm promovido um alinhamento com o governo israelense, a fim de agradar a base evangélica do eleitorado e na tentativa de mimetizar os passos do presidente norte-americano, Donald Trump.

Entre os acenos feitos, está a controversa intenção de mudar a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém. A polêmica vem do agrado para israelenses, enquanto se descontentam os vizinhos árabes, com os quais temos relações comerciais mais intensas.

30.out.18 - Jair Bolsonaro se reuniu por duas vezes com o embaixador de Israel desde que eleito - Reprodução/Facebook/Israel no Brasil - Reprodução/Facebook/Israel no Brasil
Jair Bolsonaro já se reuniu por duas vezes com o embaixador de Israel desde que foi eleito
Imagem: Reprodução/Facebook/Israel no Brasil

Atualmente, o Brasil registra déficit comercial com Israel e superávit com os países árabes. A aproximação com Israel é vista com receio por alguns setores, como os produtores de carne bovina e de frango, que temem uma retaliação de seus principais importadores.

Alheios a essa polêmica, estados como Bahia, Maranhão e Rio de Janeiro têm caminhado para negociações com o país.

Governador reeleito da Bahia, Rui Costa (PT) esteve em Israel em novembro, em busca de parcerias na área de segurança pública. Comitivas maranhenses, por sua vez, foram duas vezes ao país neste ano, avaliando a compra de dessalinizadores de água e tecnologia de segurança para o estado governado por Flávio Dino, do PCdoB. Já o governador eleito do Rio, Wilson Witzel (PSC), esteve em Israel na semana passada tendo em foco a compra de drones equipados com armas.

Na Bahia, houve protestos contra acordo

A Bahia debate desde o começo do ano relações bilaterais com Israel nas áreas de inovação tecnológica, agricultura e recursos hídricos. 

Em abril, o embaixador israelense no Brasil, Yossi Shelley, esteve no estado e se reuniu com representantes de diversas secretarias, além de Rui Costa. Em novembro, foi a vez de Costa ir a Israel. 

O governador participou de uma feira de cibersegurança, onde conversou com representantes das empresas Globe Keeper, Sayvu e Cellebrite, especializadas em comunicação criptografada. Durante a viagem, visitou também parques de dessalinização da Mekorot --empresa nacional de água de Israel e referência no setor. 

A Bahia já se aproximou da empresa anteriormente. Em 2013, um acordo de cooperação técnica foi assinado entre a Embasa (Empresa Baiana de Águas e Saneamento), a Cerb (Companhia de Engenharia Hídrica e de Saneamento da Bahia) e a Mekorot. O acordo, no entanto, foi cancelado três anos mais tarde, após pressão de movimentos sociais. 

Os opositores dizem que a Mekorot é responsável por um "apartheid hídrico" na Cisjordânia, ao desviar água de vilas palestinas para os assentamentos israelenses na região, considerados ilegais pela comunidade internacional. Uma campanha internacional de boicote à empresa foi responsável pelo fim de contratos também em outros países, como Argentina, Portugal e Holanda.

Maranhão planeja fazenda modelo

O Maranhão é um dos focos de investimento de Israel no país. Shelley já esteve ao menos quatro vezes no estado desde que assumiu o cargo, em janeiro de 2017. 

Flávio Dino, por sua vez, também negocia acordos com a Mekorot e enviou duas missões ao Oriente Médio em 2018. A primeira, em maio, para participar de uma exposição internacional de tecnologia agrícola, quando surgiu a possibilidade de realizar um projeto-piloto de dessalinização das águas salobras dos lençóis freáticos de Santo Amaro, cidade litorânea a 200 km de São Luís. O estado também estuda a possibilidade da criação de uma fazenda modelo, utilizando tecnologia agrícola dos kibutzim, as fazendas coletivas israelenses. 

A segunda missão maranhense ao país aconteceu em novembro para participar de uma feira de segurança. O interesse do estado, nesse caso, está na compra de equipamentos de inteligência para o combate ao crime organizado em presídios. As tratativas se estendem para a venda de carne bovina kosher produzida no Maranhão, além da realização de intercâmbios acadêmicos.

Por envolver diferentes áreas, as negociações são capitaneadas pela Secretaria de Programas Especiais do Maranhão. Segundo disse ao UOL o titular da pasta, Enos Ferreira, o governo estuda adquirir uma linha de financiamento com o próprio Ministério da Economia de Israel. O estado avalia também lançar mão do inciso de singularidade, que permite dispensar a licitação para a compra dos equipamentos.

"São tratativas em andamento, algumas aguardando manifestação do Estado de Israel e outras avançando com nosso corpo técnico", diz Ferreira. "Estamos vivendo um momento complicado na economia brasileira, então precisamos ver todas as possibilidades para poder colocar em execução essas negociações." 

Para Ferreira, as manifestações do governo federal "só podem ajudar" as tratativas já em andamento. "Essa sinalização de um bom relacionamento do governo brasileiro com o Estado de Israel não altera em nada o que já vem sendo tratado. Pelo contrário, as portas devem continuar abertas para esse diálogo, que é importante para ambos os lados", diz o secretário. 

Segundo ele, o governo do Maranhão não foi procurado por movimentos sociais sobre o assunto. "Nunca chegou [ao meu conhecimento] nenhuma situação dessa natureza. Nós temos que buscar os caminhos melhores para atender as soluções dos problemas do estado." 

Rio busca drones e treinamento policial

Wilson Witzel viajou no dia 4 de dezembro a Israel para conhecer um modelo de drone equipado com câmera e uma arma de grosso calibre, que atira durante sobrevoos. Em entrevista à Folha, Witzel disse ter intenção de adquirir 50 unidades do modelo para monitorar o crime organizado no Rio. Ele se encontrou com representantes das empresas de tecnologia Elbit Systems e Aerospace Industries.

Os drones da Elbit são usados pelo Exército israelense em bombardeios na Faixa de Gaza e também são alvos de denúncias de organizações de direitos humanos. Em 2014, o então governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), cancelou um memorando de entendimento com uma subsidiária da empresa no Brasil, a AEL Sistemas Ltda, após protestos. A empresa é grande fornecedora de equipamentos para o Exército brasileiro, mas o uso de drones armados para segurança pública no Brasil não está previsto em lei.

Em um vídeo publicado no Twitter na segunda-feira (10), Witzel diz ter "trocado ideias com o Exército" de Israel para aperfeiçoar "técnicas contra o terrorismo e, no caso do Rio de Janeiro, contra o crime organizado".

"Nós temos situações muito parecidas, queremos poupar vidas e ter mais efetividade nas ações policiais", diz no vídeo. Witzel anunciou ainda que os dois governos irão promover um intercâmbio, enviando policiais cariocas a Israel para conhecer técnicas de patrulhamento nas áreas conflagradas, como os checkpoints e as zonas de fronteira. O governador eleito afirmou ainda que pretende retornar a Israel em janeiro para assinar convênios com o Ministério da Defesa do país.

No dia em que Witzel embarcou para Israel, movimentos sociais das favelas do Rio, em parceria com o BDS, organização que promove boicotes, desinvestimentos e sanções a Israel, lançaram um manifesto de repúdio à iniciativa.

"Os valores dos drones são altos para um Rio em crise e, ao que tudo indica, se trata de uma opção ideológica", diz Pedro Charbel, coordenador latino-americano do Comitê Nacional Palestino do BDS. "A eleição de [Jair] Bolsonaro escancara esse processo, de os governos terem anuência para negociar com empresas que violam os direitos humanos. É realmente preocupante."