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Atirador de Campinas: EUA tiveram quase um caso assim por dia em 2018

Atirador invade escola em Parkland, Flórida - Reprodução/CNN
Atirador invade escola em Parkland, Flórida Imagem: Reprodução/CNN

Tânia Gomes

Colaboração para o UOL, em São Paulo

14/12/2018 04h01

O ataque a tiros dentro de uma igreja em Campinas chocou o Brasil na última terça-feira (11) pela brutalidade, pela falta de explicações, mas também pelo caráter pouco usual. Apesar da violência urbana que aflige o país há décadas, esse tipo de atentado, a princípio desvinculado de intenção de roubar, soa mais como "coisa dos Estados Unidos".

E de fato é: nos 346 dias deste ano, os Estados Unidos já registraram 329 ataques de "tiros contra massas" - o que equivale a quase um episódio do tipo por dia, segundo a organização Gun Violence Archive, de Washington, que compila esses casos no país.

Dos ataques registrados pela organização, pelo menos 167 resultaram em mortes -- 363 vítimas, segundo levantamento feito pelo UOL com base nos registros. A proporção é, portanto, de 2,17 mortes para cada ataque a armas com vítimas letais. Outras 1.306 pessoas ficaram feridas.

O mais letal dos ataques registrados neste ano nos EUA ocorreu em fevereiro, em uma escola de ensino médio, na Flórida, onde 17 pessoas morreram. Na ocasião, um ex-aluno disparou o alarme de incêndio e começou a atirar enquanto alunos e funcionários tentavam deixar o local. Foram 12 mortos dentro da escola, três fora dela e outras duas morreram no hospital. O autor dos disparos, identificado como Nikola Cruz, 19, carregava um rifle AR-15 e várias munições. Ele foi preso pela polícia.

De acordo com a ONG americana Everytown For Gun Safety, todos os dias, 96 americanos são mortos por armas de fogo no país, seja em casos de homicídio - que respondem por cerca de um terço das mortes -, seja por suicídio - que responde por quase dois terços. E o acesso às armas aumentaria o risco de morte por homicídio em duas vezes.

Outra característica do ataque em Campinas, o suicídio do atirador, também pode ser observada em alguns dos tiroteios de massa registrados nos EUA. Um exemplo é o do ataque em Thousand Oaks, na Califórnia, em novembro deste ano, quando um ex-fuzileiro naval se matou após abrir fogo em um bar e matar 12 pessoas. David Long, o autor do crime, portava uma pistola calibre .45.

Acesso a arma de fogo no Brasil

A discussão por um maior controle de armas nos EUA é antiga e o Brasil experimentou uma nova onda de discussões sobre o assunto durante a campanha presidencial. O presidente eleito Jair Bolsonaro é defensor de uma flexibilização da lei para o porte de armas de fogo por civis.

Temos de parar essa coisa do politicamente correto, dizer que desarmar todo mundo vai tornar o Brasil um lugar melhor. Não vai

Bolsonaro em sua primeira entrevista à televisão após a eleição.

Hoje, há 619.604 armas nas mãos de civis no Brasil. E cerca de seis armas são vendidas por hora no mercado civil nacional, segundo dados do Exército obtidos via Lei de Acesso à informação pelo Insitito Sou da Paz.

Segundo o Estatudo do Desarmamento, como é conhecida a lei restritiva aprovada em 2003, aqueles que pretendem comprar uma arma no Brasil devem ter pelo menos 25 anos, não podem ter histórico criminal, devem dar prova de emprego e residência fixos e devem passar por teste psicológico, além de fazer treinamento para o uso de armas.

Os números da violência no país são constantemente usados como argumentos para o afrouxamento do Estatuto, mas a lei ajudou a diminuir a violência no país e o índice de homicídios caiu 12% nos quatro anos após a aprovação do estatuto. Depois disso, no entanto, os crimes começaram a aumentar de novo, estabelecendo um recorde em 2017, de 30,8 por 100 mil habitantes, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Estudos mostram que ter mais armas de fogo em circulação aumenta o número de mortes, mas "não há soluções mágicas", segundo Ilona Szabó, diretora do Instituto Igarapé, um grupo de pesquisa que enfoca questões de segurança. "Precisamos de medidas sustentáveis que tornem nosso país mais seguro", completou em entrevista dada recentemente para o jornal The New York Times.

Apesar do número de defensores do porte de armas pelo cidadão civil ter aumentado nos últimos tempos, a maioria dos brasileiros ainda é contra. Em pesquisa feita pelo Datafolha pouco antes da eleição deste ano, 55% dos entrevistados disseram que a propriedade de armas por civis deve ser proibida. Em 2013, esse número era de 68%.