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Viagem de Netanyahu ao Brasil tem foco em mercado e apoio diplomático

30.out.2018 - Foto da Embaixada de Israel no Brasil mostra o embaixador Yossi Shelley em encontro com Jair Bolsonaro - Reprodução/Facebook/Israel no Brasil
30.out.2018 - Foto da Embaixada de Israel no Brasil mostra o embaixador Yossi Shelley em encontro com Jair Bolsonaro Imagem: Reprodução/Facebook/Israel no Brasil

Beatriz Montesanti e Talita Marchao

Do UOL, em São Paulo

28/12/2018 04h00

Pela primeira vez nos 70 anos de existência de Israel, um primeiro-ministro do Estado judeu vem ao Brasil. A visita de Binyamin Netanyahu marca um movimento de aproximação entre os dois países, promovido por Jair Bolsonaro (PSL) desde a campanha presidencial. 

Analistas enxergam a iniciativa de Bolsonaro como ideológica --movida pela base eleitoral evangélica--, mas o interesse de Israel no Brasil é extremamente pragmático: o país do Oriente Médio está de olho no vasto mercado brasileiro para a venda de tecnologia, em especial na área de segurança, que é o maior item de exportação israelense e do qual o Brasil já é um grande comprador. 

"A política externa israelense no geral é muito pragmática", afirma o professor Augusto Teixeira Júnior, do programa de pós-graduação em ciência política e relações internacionais da UFPB (Universidade Federal da Paraíba) e líder do Grupo de Pesquisa em Estudos Estratégicos e Segurança Internacional (GEESI). 

"Por ser um país com suas próprias características no contexto de segurança, Israel não pode se dar ao luxo de conduzir sua política exterior calcada em ideologias que transcendam o problema de sua própria sobrevivência. Essa projeção para mercados externos é algo mandatório, seja no governo trabalhista ou de um partido conservador, como o Likud, do atual primeiro-ministro israelense", diz o professor. 

Segundo ele, isso faz com que Israel busque estabelecer contatos com governos que não sejam ameaças e que ofereçam oportunidade de mercado para suas empresas. É o caso do Brasil. Ainda mais quando o futuro ministro Paulo Guedes acena para a abertura da economia para investimentos externos. "É uma oportunidade muito lucrativa para empresas israelenses investirem no país." 

O histórico das relações entre Brasil e Israel

O Brasil votou a favor da resolução da ONU (Organização das Nações Unidas) que determinou a criação do Estado de Israel, em 1948. Desde então, os dois países mantêm um diálogo constante, mas com altos e baixos. 

O Brasil é um grande importador de tecnologia israelense, em particular nas áreas do agronegócio e da segurança. A balança comercial entre os dois Estados registra há anos superávit para Israel. O país do Oriente Médio também é um dos poucos a ter um acordo bilateral com o Mercosul. O outro é o Estado palestino. "Isso já demonstra uma posição do destaque que Israel exerce sobre o Brasil", destaca Teixeira. 

A cooperação entre os dois países na área de defesa e tecnologia tem sido estável independentemente de quem esteve no poder, ressalta Marco Túlio Freitas, professor do Instituto Nacional de Pós-Graduação em São José dos Campos (SP) e também pesquisador do GEESI.

Witzel Israel - Ricardo Minussi/Divulgação - Ricardo Minussi/Divulgação
10.dez.2018 - Governador eleito no Rio, Wilson Witzel (PSC) visita Israel para prospectar a compra de drones
Imagem: Ricardo Minussi/Divulgação

A compra de tecnologia de defesa israelense teve especial destaque durante o governo Lula (2003-2011), quando houve uma tentativa de impulsionar a indústria nacional.

Na gestão Dilma (2011-2016), as relações sofreram um recuo diplomático, mas que não chegou a afetar as trocas comerciais. Em 2014, a então presidente chamou o embaixador israelense em Brasília para prestar esclarecimentos sobre a escalada da violência em Gaza. Em 2016, recusou a indicação de Dani Dayan para assumir a embaixada, por estar associado à política de assentamentos da Cisjordânia. 

Mas o mal-estar, afirma Teixeira, "só afetou as relações formais entre os dois países". "Formais eu digo entre chefes de governo. Em relação a burocracias e em particular no campo militar, a aproximação se manteve bem."

Para Freitas, esse período representou uma "frente fria" nas relações entre os dois países. 

Na época, lembra ele, o Brasil comprou 70 mísseis de procedência israelense para o novo caça brasileiro Gripen NG, de origem sueca. Além disso, o país estabeleceu uma parceria com a ElBit --gigante do setor de defesa israelense--, que forneceu aeronaves, armas e outros equipamentos ao Exército e à Polícia Federal. 

"O que ocorrerá com a vinda do primeiro-ministro israelense é a ampliação da cooperação entre estes países em outras áreas. Também devemos apontar que, esses setores destacados deverão passar por uma mudança significativa", diz o professor. 

Ele ressalta, no entanto, que há limites para o entusiasmo do futuro governo do Brasil, e também do Rio de Janeiro, na aquisição da tecnologia de defesa. Há na legislação brasileira restrições para a aquisição de equipamentos bélicos pelas polícias militares, além de restrições orçamentárias. 

"Em suma, as polícias militares, assim como seus governadores, não são livres para comprar qualquer equipamento no exterior, principalmente aqueles que podem trazer certo tipo de vantagem em um eventual confronto com as Forças Armadas", explica. "Antes de adquirir produtos, o governo fluminense deverá passar pelo escrutínio dos militares federais. Aí, é que podem haver algumas tensões resultantes do lobby da indústria nacional junto aos militares brasileiros."

O que ganha o Brasil?

Além de questões econômicas, Israel vê no Brasil um aliado político em legitimar a atuação do país no conflito israelo-palestino. O governo de Netanyahu foi marcado pela expansão sistemática de assentamentos na Cisjordânia --condenada pela comunidade internacional e que afasta a possibilidade de um acordo de paz na região. O premiê, no entanto, não dá sinais de que pretende reverter essa proposta. 

Bolsonaro poderia ajudar Israel com a mudança --ainda não confirmada-- da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém. Reivindicada por israelenses e palestinos como capital de seus respectivos Estados, a questão é nevrálgica no conflito. Representantes do agronegócio no Brasil temem que, caso se concretize, ela resulte em represálias para o setor por parte dos países árabes.

"Sem dúvida nenhuma a visita de Netanyahu terá um valor simbólico importante. O Brasil é visto como um líder na América Latina e, assim como no caso do reconhecimento da Palestina, seu posicionamento poderá influenciar outros países no continente", explica ao UOL Samuel Feldberg, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo) e atualmente pesquisador da Universidade de Tel Aviv.

A questão principal colocada pelos especialistas é o que o Brasil ganha com essa mudança de atitude diplomática. O país, historicamente, sempre se manteve equidistante em relação ao conflito, por vezes pendendo à defesa palestina. 

"Uma possível orientação ideológica pode atrapalhar a inserção do Brasil naquela região, especialmente no tocante ao comércio. Se nós precisamos de Israel em relação a acesso a tecnologia científica e armas, por outro lado, outra parte importante da nossa economia e comércio depende dos árabes. Esse é um jogo que nós temos que saber jogar sem paixões", diz Teixeira 

Para Feldberg, "o Itamaraty terá a dura missão de transformar as decisões do governo em algo palatável".

Altos e baixos das relações entre Brasil e Israel

1948 - Brasil vota a favor de resolução da ONU para criar Israel
1967 - Israel ocupa toda Jerusalém, o que é considerado ilegal pela ONU
1975 - Brasil vota a favor de resolução da ONU que equipara sionismo a racismo
1980 - Israel declara Jerusalém sua capital única e indivisível; ONU pede que países mudem suas embaixadas para Tel Aviv
1998 - Governo brasileiro doa terreno para a construção da embaixada palestina em Brasília
2010 - Brasil reconhece a Palestina como Estado 
2014 - Brasil chama embaixador israelense para esclarecimentos, após escalada da violência em Gaza; Israel chama o Brasil de "anão diplomático"
2015 - Palestina vira Estado-membro observador da ONU
2016 - É inaugurada a embaixada palestina em Brasília; Brasil recusa a indicação de Dani Dayan como embaixador de Israel no país
2017 - EUA muda sua embaixada de Tel Aviv para Jerusalém
Dez.2017 - Brasil e outros 127 países da ONU condenam a mudança da embaixada norte-americana
4.dez.2018 - Wilson Witzel, governador eleito do Rio, viaja para Israel para prospectar drones
6.dez.2018 - Brasil vota contra Hamas na ONU, mas resolução não passa
10.dez.2018 - Liga Árabe faz alerta a Bolsonaro sobre mudança de embaixada
18.dez.2018 - Mourão se encontra com integrantes da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira; Liga Árabe se reúne no Cairo e promete medidas se Bolsonaro mudar embaixada.