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O que o Brasil ganha com os acordos assinados por Bolsonaro em Israel?

Jair Bolsonaro participa de evento em viagem a Israel - Alan Santos/PR
Jair Bolsonaro participa de evento em viagem a Israel Imagem: Alan Santos/PR

Talita Marchao*

Do UOL, em São Paulo

03/04/2019 04h00Atualizada em 03/04/2019 11h14

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) volta de Israel hoje com o anúncio de um escritório de negócios, o apoio dos israelenses à entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o "clube dos países mais ricos", e a assinatura de acordos bilaterais nas áreas de ciência e tecnologia, defesa, segurança pública, aviação civil, segurança cibernética e saúde.

Os acordos são muito amplos e trazem poucos detalhes sobre a cooperação que deve ser desenvolvida pelos dois países nos próximos anos.

O Brasil já tinha 20 acordos, emendas, memorandos e convenções bilaterais firmadas com Israel, segundo o site do Ministério de Relações Exteriores --os acordos firmados durante a viagem de Bolsonaro estão em tramitação, assim como outros três acordos e emendas acertados no ano passado, durante o governo de Michel Temer. Em nenhum dos acordos firmados agora por Bolsonaro são citados projetos específicos, como as usinas de dessalinização.

Segundo o professor de relações internacionais da USP (Universidade de São Paulo) Pedro Feliú, os acordos parecem ser "superficiais", mas este é um padrão comum em pactos bilaterais. "Textos de acordos bilaterais normalmente tendem a ser mais genéricos mesmo no início de negociações entre os países", explica.

"Um exemplo é o acordo de segurança, que estabelece a divisão de dados. Se ele for aprovado no Congresso, haverá amparo legal para, por exemplo, uma possível cooperação entre a polícia israelense e a Polícia Federal no combate ao crime organizado no Brasil. Isso poderia ser feito, posteriormente, por meio de portarias e medidas executivas administrativas", diz o especialista. "Se houver um questionamento de que o Congresso não autorizou policiais israelenses a trabalharem no Brasil com a PF, a aprovação de um acordo mais aberto deixa este tipo de questão coberta", diz.

Outro exemplo citado por Feliú é o acordo de ciência e tecnologia, que não entra em detalhes dos níveis de cooperação. "O artigo da propriedade intelectual, por exemplo, é bem simples. Mostra um grau de proximidade bastante tímido. Entretanto, isso significa também que é um acordo mais aberto possível, que dá liberdade para qualquer colaboração", afirma.

O professor compara com os acordos firmados com os EUA, que eram bem mais detalhados. Contudo, as negociações entre os dois países são bem mais antigas. "O acordo para o uso da base de Alcântara é gigante e cheio de detalhes. Mas eles têm um objetivo claro ali, que é lançar satélites para o espaço. Era uma negociação realizada há muitos anos já, em muitas etapas", afirma.

Já o professor Samuel Feldberg, do Instituto de Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisador da Universidade de Tel Aviv, diz que a visita poderia ser resumida como "muita fanfarra e nada de concreto". "Todos os acordos já estavam negociados, a assinatura é só um show de mídia", opinou.

Veja abaixo os principais pontos dos acordos firmados em Israel por Bolsonaro, comentados por especialistas.

Ciência e tecnologia

O acordo assinado pelo ministro Marcos Pontes diz que os dois países irão realizar, juntos, "pesquisas científicas e tecnológicas conjuntas, desenvolver e projetar programas e projetos, bem como fornecer e trocar equipamentos para pesquisa".

Além disso, diz que ambos incentivarão "a participação dos representantes de seus países em mesas-redondas, seminários, simpósios, workshops e conferências sobre questões de cooperação". Segundo o documento, Brasil e Israel "tentarão promover a organização de programas científicos e tecnológicos conjuntos, além de incentivar visitas e intercâmbio de cientistas, pesquisadores, especialistas técnicos e estudantes no ensino superior".

Em nenhum momento, qualquer instituição de pesquisa ou universidade é citada no acordo. É estipulada apenas a criação de um "Comitê Diretor para a Cooperação" que deve se reunir periodicamente.

Sobre as patentes do que será produzido, o documento diz que cada país tomará medidas legais, de acordo com suas legislações nacionais, para a proteção de direito de propriedade intelectual. Além disso, direitos que resultem de atividade conjunta devem ser acordados caso a caso. A iniciativa deve permanecer em vigor por período indeterminado.

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Defesa

Assinado por Ernesto Araújo, ministro de Relações Exteriores, o documento cita o intercâmbio de tecnologias. Ele afirma que a cooperação entre Brasil e Israel será feita por meio de visitas de delegações de alto nível a entidades civis e militares, visitas de navios e aeronaves militares, eventos culturais e cursos de treinamento, estágios, seminários, conferências, mesas-redondas e simpósios.

Fala ainda, de forma ampla, da "facilitação de iniciativas comerciais relacionadas a material e serviços ligados a questões de defesa" e da "aquisição de materiais e serviços de defesa", deixando em aberto o que pode ser comprado ou negociado.

Outro ponto é a sua validade: cinco anos, podendo ser prorrogados por outros cinco anos.

Segurança pública e combate ao crime organizado

Também firmado por Araújo, define, em suas primeiras linhas, como objetivo o combate ao crime organizado transnacional e a "otimização da segurança cidadã e proteção de locais públicos". O documento diz ainda que o pacto deve ser implementado em "consonância com suas legislações nacionais". Quem responde pelo acordo no Brasil é o Ministério da Justiça e Segurança Pública, liderado por Sergio Moro. Desta vez, ele não estava na comitiva de Bolsonaro.

O artigo que trata dos campos de cooperação é bem amplo, incluindo não só o crime organizado e a segurança cidadã, mas também "segurança no uso da tecnologia da informação e comunicações", "proteção de instalações" e "indústrias, tecnologias e serviços aplicados à segurança pública", entre outras.

Sobre os meios de cooperação, não há detalhes de como autoridades brasileiras e israelenses trabalharão juntas, por exemplo nas "práticas de governança em ações conjuntas dentro do escopo do acordo" ou no "compartilhamento de conhecimento, experiências, expertise, informação, pesquisa e boas práticas".

O trecho que cita o intercâmbio de dados pessoais, relativos às pessoas jurídicas, afirma que, "quando dados pessoais forem solicitados, a requisição deve especificar a razão e o propósito para tal". Pedidos de cooperação podem ser recusados. O pacto permanece em vigor até que uma das partes desista do acordo.

Aviação civil

O novo acordo de serviços aéreos é uma revisão de alguns pontos que já estavam em vigor desde 2009, quando o último acordo do setor foi assinado entre os dois países, e que tem pouco efeito prático para o momento. As principais mudanças estabelecidas no acordo são: livre determinação de capacidade (quantidade de frequências entre os países), liberdade tarifária, direitos de tráfego e possibilidade de realização de compartilhamento de códigos.

Na prática, no entanto, não há muita diferença, porque, apesar de liberar tráfego ilimitado de voos comerciais entre os dois países, no momento nenhuma companhia aérea brasileira ou israelense opera voos entre Brasil e Israel.

O único voo entre os dois países é operado pela Latam Chile. Parte de Santiago, faz uma escala em São Paulo e segue para Tel Aviv. A Latam Brasil afirma que não pode realizar o voo sem escala com avião e tripulação brasileira por conta da lei do aeronauta, que limita o número de horas de voo por pilotos e comissários de bordo.

A companhia israelense EL AL já operou voos no Brasil, mas ficou em atividade somente entre maio de 2009 e novembro de 2011. "É mais um gesto simbólico, porque não tem nenhum efeito prático. O que pode acontecer é influenciar politicamente a companhia aérea israelense a retomar os voos no Brasil", afirmou Guilherme Amaral, advogado especialista em direito aeronáutico e sócio do escritório ASBZ.

Saúde e medicamentos

É uma extensão do pacto já firmado em 2006 e que entrou em vigor em 2009, durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele prevê a permanência obrigatória dentro do acordo pelos próximos cinco anos. As regras estabelecidas pelo governo Bolsonaro nesta renovação podem ser estendidas por mais cinco anos.

As áreas de cooperação incluem o uso de "tecnologias de alta performance no sistema de saúde", incluindo pesquisas em medicina regenerativa, terapia celular e gênica.

O pacto prevê ainda o intercâmbio de especialistas em várias áreas médicas e paramédicas --sem detalhar quais áreas-- entre hospitais e institutos de saúde, desde que previamente aprovado. Além disso, Brasil e Israel incentivam a colaboração direta entre hospitais de seus países, desde que os projetos sejam financiados pelas próprias instituições.

Cooperação na área de segurança cibernética

O memorando de entendimento foi assinado pelo general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, tem validade de cinco anos e não precisa passar pela aprovação do Congresso. A proposta "é melhorar a cooperação e o potencial intercâmbio de informações entre ambos os lados relativos à segurança cibernética".

Ele prevê a "troca de informações de contato (e-mail, números de telefone e fax) e sistema de comunicação segura com criptografia adequada para troca de informações confidenciais sobre ameaças e vulnerabilidades cibernéticas" e a detecção de "possíveis incidentes de segurança cibernética", como phishing, falsificação de sites governamentais e ataques de negação de serviço, que sobrecarregam sistemas.

* Colaborou Vinícius Casagrande, de São Paulo

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado em versão anterioe deste texto, o acordo de segurança, e não o memorando de cibersegurança, citam a cooperação da polícia israelense com a brasileira. A informação foi corrigida