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As mensagens vazadas que levaram à renúncia do governador de Porto Rico

20.dez.2017 - O governador de Porto Rico, Ricardo Rosselló deixará o cargo em 2 de agosto após escândalo de mensagens vazadas - Alex Wong/Getty Images North America/AFP
20.dez.2017 - O governador de Porto Rico, Ricardo Rosselló deixará o cargo em 2 de agosto após escândalo de mensagens vazadas Imagem: Alex Wong/Getty Images North America/AFP

Carolina Marins

Do UOL*, em São Paulo

25/07/2019 12h03Atualizada em 25/07/2019 13h39

Mensagens trocadas entre o governador de Porto Rico, Ricardo Rosselló, e assessores provocaram ontem a queda do governo depois de dias de manifestações nas ruas. Em um documento de quase 900 páginas vazado ao público, Rosselló utiliza palavras ofensivas contra políticos, jornalistas e artistas, o que provocou indignação nos porto-riquenhos.

As mensagens trocadas pelo aplicativo Telegram entre dezembro de 2018 e janeiro de 2019 foram publicadas no último sábado pelo Centro de Jornalismo Investigativo de Porto Rico.

Desde então, a população tem convocado manifestações diárias pedindo a queda do governador e os onze assessores envolvidos, alegando falta de respeito e quebra de confiança pelo linguajar utilizado pelo chefe de governo.

Homofobia contra Ricky Martin

Entre as mensagens enviadas há termos considerados machistas, sexistas e homofóbicos, este último atingindo ao cantor Ricky Martín.

"Ricky Martin é um macho tão machista que ele f *** homens porque as mulheres não estão à altura. É um patriarcado puro", escreveu.

O cantor logo se juntou aos manifestantes e se tornou uma das figuras principais dos protestos ao lado de outros artistas.

Ele ainda usa o termo "mamabicho" para se referir ao senador Eduardo Bathia do opositor Parido Popular Democrático (PPD). Em Porto Rico, a expressão "bicho" pode se referir de forma vulgar ao pênis; com o termo "mama", significaria um homem que pratica sexo oral em outro homem. Nas mensagens, os assessores do governador também caçoaram de Bathia.

Misoginia contra deputada, prefeita e senadora

Em outro momento ele critica Melissa Mark-Viverito, membro do Partido Democrata americano que criticou o presidente do partido Tom Pérez. "Nossa gente deveria sair e defender Tom e golpear essa p***", escreveu.

Rosselló referiu-se à prefeita de San Juan - a maior cidade porto-riquenha e palco dos protestos -, Carmem Yulín Cruz, como louca por ter decidido concorrer contra ele nas eleições: "deixou de tomar seus medicamentos. Ou isso ou é uma tremenda filha da p***".

Em outro episódio, o diretor fiscal e representante do governador, Christian Sobrino Veja, disse ter vontade de "atirar" contra a prefeita, o que Rosselló respondeu com "estaria me fazendo um grande favor".

O governador e os assessores também trocavam fotos de mulheres que participavam de movimentos feministas para caçoar.

Até mesmo mulheres membros de seu próprio partido foram objetos de comentários. A senadora Evelyn Vázquez participava de desfiles de beleza antes de entrar para a política. No chat, durante um assunto sobre Miss Universo, um membro do governo perguntou de qual concurso a senadora teria participado, o que outro respondeu: "O Black Angus fechou em 1996", em referência a um bordel que funcionava em San Juan.

Manifestações nas ruas

Manifestante celebram após o anúncio do governador de Porto Rico, Ricardo Rosselló, de que irá renunciar ao cargo - Ricardo Arduengo/AFP - Ricardo Arduengo/AFP
Manifestante celebram após o anúncio do governador de Porto Rico, Ricardo Rosselló, de que irá renunciar ao cargo
Imagem: Ricardo Arduengo/AFP

No domingo, um dia depois da publicação das mensagens, a população de Porto Rico saiu às ruas para exigir a renúncia do governador. Aos poucos membros do governo começaram a renunciar, mas o próprio Rosselló garantiu que não deixaria o cargo.

Diversos artistas se juntaram aos protestos, incluindo Ricky Martín, Bad Bunny e Residente. Adversários políticos, principalmente as mulheres alvo das mensagens, foram para San Juan participar das manifestações.

"Toda minha solidariedade a minha amiga Carmem Yulín Cruz frente aos ataques misóginos e inaceitáveis de Ricardo Rosselló. Nós mulheres não somo 'p***' ou 'filhas da p***', somos seres humanos lutadoras, valentes e dignas que contribuímos com a sociedade. Basta de machismo", escreveu Melissa Mark-Viverito no Twitter.

"Esse NÃO é o governo que nos prometeram na campanha política que levou Rosselló ao cargo. Não está à altura de nossas expectativas, essa é a maior decepção. Governador, seus insultos e piadas nos mostram quem você é realmente", escreveu Ricky Martín.

"A mensagem é simples e clara, todos nós porto-riquenhos que temos dignidade, exigimos ao governador Ricardo Rosselló sua renúncia imediata. Não queremos seu governo nem um dia mais", escreveu o rapper René Pérez Joglar, conhecido como Residente.

Comemoração após renúncia

Logo após o anúncio da renúncia, diversos porto-riquenhos saíram às ruas para comemorar. Rosselló comunicou sua saída através de um vídeo no Facebook e logo depois sua mansão estava rodeada por manifestantes celebrando. Em várias partes da cidade, os cidadãos foram até as janelas e fizeram um "panelaço".

Ele deixará o cargo na próxima sexta-feira, dia 2 de agosto, e será sucedido por Wanda Vázquez, secretária de Justiça, que comandará o estado por dois anos e meio.

"Minha única prioridade foi a transformação da nossa ilha e o bem-estar do nosso povo", disse o governador em seu comunicado, listando seus feitos antes de deixar claro que renunciará. "Depois de escutar as reivindicações, falar com a minha família, pensar nos meus filhos e em oração, hoje anúncio que renunciarei ao posto do governador efetivo no dia 2 de agosto".

Ontem, a Câmara dos Deputados chegou a anunciar a abertura de um processo de impeachment contra Rosselló. Desde então a renúncia era especulada.

Ricardo Rosselló, de 40 anos, filho de um ex-governador, tornou-se o primeiro chefe do Executivo a renunciar na história moderna de Porto Rico, território dos EUA onde vivem mais de 3 milhões de cidadãos americanos.

Antiga colônia espanhola, o território foi anexado aos Estados Unidos após a Guerra Hispano-Americana de 1898. Sua população majoritariamente falante do espanhol tem a cidadania americana desde 2017. A onda de protestos é vista como a pior crise política da história de Porto Rico.

*Com informações da DW