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Brasileiros relatam desabastecimento e fazem planos para deixar a Bolívia

Luciana Rosa

Colaboração para o UOL

12/11/2019 13h15Atualizada em 18/11/2019 19h12

Brasileiros em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, relatam as consequências da violência com a crise política instalada no país. Depois de Evo Morales renunciar, no domingo, o ex-presidente se refugiou no México.

A comerciante Maria* mudou para Santa Cruz de la Sierra com o marido. Eles contam que comércios, escolas e hospitais estão fechados. Os supermercados funcionam apenas até o meio-dia.

"Santa Cruz de la Sierra é uma cidade apoiadora da direita aqui na Bolívia. Teve 60% de votos a favor do [candidato opositor Carlos] Mesa. Vivo em um bairro nobre aqui, então, se eu abrir a minha boca e falar que estou a favor do Evo, meu Deus do céu!", afirma.

"A maioria dos brasileiros que estudam [medicina] aqui são eleitores do [brasileiro Jair] Bolsonaro. Aqui ele obteve a maioria arrasadora dos votos. Eles todos são meus clientes, então não posso dizer de maneira nenhuma que sou de esquerda", relata.

A cidade virou um reduto da oposição a Morales, em contraposição à capital La Paz, onde o ex-presidente tem mais apoiadores. Foi a partir do Comitê Cívico Pró-Santa Cruz que surgiu o nome de Luis Fernando Camacho —apontado como uma espécie de "Bolsonaro boliviano"— como líder do movimento opositor a Morales. Durante as últimas três semanas de protestos, Camacho foi apresentado como "o presidente" em Santa Cruz de la Sierra.

"A paralisação cívica continua, a gente segue sitiado, várias milícias não permitem que os lojistas abram seus comércios. Ontem, na frente da minha loja, houve vários conflitos, porque muita gente ainda não aceita que Evo tenha renunciado à Presidência. Houve até uso de bombas", diz Maria, já preocupada com os prejuízos.

Outra questão crescente é o abastecimento. Segundo Maria, "já falta comida, carne e pão". "Gás e água também não chegam todos os dias."

Protestos - Kai Pfaffenbach/Reuters - Kai Pfaffenbach/Reuters
Protestos na Bolívia após polêmica reeleição de Morales; ele renunciou no domingo e buscou asilo no México
Imagem: Kai Pfaffenbach/Reuters

A brasileira afirma que sua família não sabe como sair de Santa Cruz. "Precisaríamos de muito dinheiro e temos nossa vida aqui."

Afirma ser difícil manter a calma. "Já entramos em desespero, sem saber o que fazer, porque parece que isso vai se alongar. A gente fica aqui, mas quando o dinheiro acabar, o que vamos fazer? Quando a comida acabar, o que vamos fazer? Eu tenho uma filha de 2 anos e já estou começando a me desesperar."

Vaquinha para youtubers em La Paz

O jornalista Murilo Matias e o ator Igor Veloso viajam pela América Latina há quatro anos em um projeto chamado Vozes Latinas, canal de Youtube onde transmitem suas impressões sobre o contexto político e social por onde passam.

Em sua mais recente excursão, o objetivo era acompanhar as eleições na Bolívia, na Argentina e no Uruguai. No entanto, devido à crise desencadeada no último dia 20 de outubro, tiveram que mudar os planos.

"A nossa ideia era ficar aqui só até o dia 20 e sair lá pelo dia 22 para poder passar pela Argentina durante as eleições. Já tínhamos até uma passagem de avião comprada. Só que não conseguimos sair de La Paz por conta dos bloqueios nas estradas", conta o ator carioca.

Sobre a onda de confrontos diz que "desde as eleições já começaram os protestos e os bloqueios". "Eram grupos de pessoas que fechavam as ruas com uma fita e ficavam ali sentados. A polícia não vinha retirá-los", relata.

Prédio pichado no centro de La Paz, na Bolívia - Igor Veloso - Igor Veloso
Prédio pichado no centro de La Paz, na Bolívia
Imagem: Igor Veloso

Não tiveram grandes problemas até o último domingo. "Saímos todos os dias, fazemos todas as refeições na rua. E estava tudo muito tranquilo, embora houvesse algumas paralisações. Ontem [domingo], pela primeira vez, no hotel onde estamos aqui em La Paz, fomos proibidos de sair", diz, relatando o pedido feito para a segurança dos hóspedes.

Assim como em Santa Cruz, a capital também vive sob a iminente ameaça de desabastecimento. "Hoje eles já começaram a juntar vários baldes de água para se prevenir diante de uma iminente falta e, pela primeira vez, não encontramos nenhum lugar aberto para tomar café da manhã", afirma.

O hotel onde estão hospedados está localizado no centro de La Paz, epicentro dos protestos. Os brasileiros foram aconselhados por amigos bolivianos a deixarem o país. "Estamos oscilando entre o medo e o desejo de ficar para ver como vai ser o desenrolar das coisas, porque agora a polícia está nas ruas", diz.

"Está difícil sair daqui porque a única maneira economicamente viável seria por terra. Estamos impossibilitados de fazer isso por causa dos bloqueios nas estradas, mas as passagens aéreas estão muito caras. Estamos até fazendo uma vaquinha entre os amigos para poder voltar para casa", conta.

*O nome da entrevistada foi modificado por motivos de segurança

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