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Imigração: por que decidi morar num país 'pior' que o Brasil

O paulistano Renato Guido Monteiro casou-se com uma chinesa no ano passado - Arquivo pessoal
O paulistano Renato Guido Monteiro casou-se com uma chinesa no ano passado Imagem: Arquivo pessoal

Edison Veiga

Colaboração para o UOL, de Bled, Eslovênia

09/02/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Brasileiros contam motivos e sonhos que os levaram a escolher vida em países com IDH inferior ao brasileiro
  • Número de declarações de saída definitiva do País saltou de 8.170 para 23.271 de 2011 para 2018

Um amor. Uma oportunidade de trabalho. Uma missão. Sonhos, sempre sonhos. A vontade de viver uma nova vida, conhecer uma nova cultura. Não é fácil explicar, muito menos resumir, o que move o imigrante. No caso do brasileiro, morar fora do País tem sido uma obsessão sem precedentes — números da Receita Federal mostram um aumento significativo nessa decisão na última década.

Por mais que, quando se fala em mudar de país, as histórias que mais venham à cabeça sejam as daqueles que vão tentar a vida nos Estados Unidos, em Portugal, na Itália, ou em alguma nação europeia, há escolhas menos prováveis.

Há aqueles que vão viver a vida em lugares onde nem sempre a grama é mais verde. Ao menos se considerarmos o Índice de Desenvolvimento Humano como parâmetro — no ranking do IDH, o Brasil ocupa a 79ª posição.

Foi pela grama, ou melhor, pelos gramados, que Marcus Dantas, de 34 anos, mudou-se para o Nepal. Ele é técnico de futebol e foi contratado pelo FC Kunpodole, e mora em Latitpur, no vale do Catmandu.

"Vim para trabalhar com o desenvolvimento do clube. O objetivo é que não caia para a segunda divisão", conta ele. "Aos poucos, estamos conseguindo evoluir e tirá-lo da zona ruim. Estamos atualmente no meio da tabela", conta.

Técnico de futebol Marcus Dantas, que mora no Nepal - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Técnico de futebol Marcus Dantas, que mora no Nepal
Imagem: Arquivo pessoal

Dantas ainda não conheceu muito a realidade do seu novo país, 147º colocado no ranking do IDH . Mas já ressalta que percebeu as gritantes discrepâncias socioeconômicas e tem buscado fazer sua parte.

"O Nepal tem um desequilíbrio econômico, aqui tem áreas bastante boas financeiramente e outras muito tristes, miseráveis. O futebol nos deixa na parte boa", analisa. "Eu montei um projeto social aqui, em paralelo, com crianças. É um projetozinho que tira as crianças das ruas e dá a elas inclusão pelo esporte."

Diáspora brasileira

O futebol é um motivo que espalha brasileiros pelo mundo. Empresário de Dantas, Pedro Secol Panzelli calcula ter sido responsável por levar mais de 60 atletas "para os países mais inusitados" desde 2010, justamente na década da diáspora brasileira.

Dados da Receita Federal mostram que o número daquelas que fizeram a declaração de saída definitiva do País saltou de 8.170 em 2011 para 23.271 em 2018 — os dados do ano passado só serão consolidados com a apresentação das declarações do Imposto de Renda.

Mas há também aqueles que decidem mudar de país para se dedicar a causas humanitárias. É o caso dos religiosos Frei Boaventura dos Pobres de Jesus Cristo, de 36 anos, e Irmã Hadassa do Amor Eucarístico, de 44 anos. Missionários da Fraternidade O Caminho, eles vivem em Nangade, Moçambique, quase na fronteira com a Tanzânia.

Irmã Hadassa vive em Moçambique - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Irmã Hadassa vive em Moçambique
Imagem: Arquivo pessoal

Hadassa é nutricionista e mora com outras três freiras brasileiras — duas cuidam de um projeto pedagógico e duas trabalham no combate à desnutrição infantil. Ela está lá desde 2018. "Evangelizar aqui é também atuar junto a crianças desnutridas, muitas em estado grave. Ajudamos que elas se alimentem corretamente, com fórmulas e orientação", relata ela. Moçambique tem um dos piores IDHs do mundo — ocupa a 180ª colocação no ranking do qual constam 189 países.

A situação é tão precária que até a passagem de férias para o Brasil precisou ser alterada. "Eu iria agora em janeiro", conta. "Mas as duas pontes da região estão quebradas, e estamos ilhados. Tive de cancelar." As férias devem ocorrer apenas em março ou abril — se as pontes forem consertadas a tempo.

Hadassa diz que trabalhar na África era um sonho antigo, anterior mesmo à vocação religiosa. E que ela aprende todos os dias com a alegria das pessoas, apesar das dificuldades. "Eles não olham só para o sofrimento, mas também para o entusiasmo, para a alegria de viver. E isso é muito bonito", comenta.

Frei Boaventura é responsável por uma paróquia que atende 50 comunidades. Para ele, morar fora do Brasil é um desafio.

Frei Boaventura também mora em Moçambique - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Frei Boaventura também mora em Moçambique
Imagem: Arquivo pessoal

"Sempre amei desafios. Encanta-me o contato com cultura, língua, costumes, rotinas diferentes. A dificuldade de morar longe do Brasil, muitas vezes, é a falta de contato com nosso povo, com aquilo que nos faz falta, com nossa família. Às vezes é difícil não poder acompanhar tudo de perto. Mas isso tudo é irrelevante para quem tem um coração missionário", acredita.

Antes de Moçambique, Boaventura morou também no Paraguai. Um dos vizinhos do Brasil, o país que ocupa a 98ª posição no ranking do IDH tem atraído um outro tipo de imigrante: o brasileiro que quer cursar medicina mas encontra dificuldades de acesso às universidades brasileiras.

Mineiro de Dores do Indaiá, Guilherme Henrique de Sousa formou-se em enfermagem e trabalhava no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) de Bom Despacho. Decidiu não se acomodar e correr atrás do seu sonho: tornar-se médico. "Escolhi Ciudad del Este, no Paraguai, porque aqui a medicina tem um preço acessível e a qualidade é similar à das faculdades brasileiras", defende ele.

Aos 26 anos, ele está no segundo ano da nova graduação e mora com o namorado. Mesmo com a proximidade do Brasil, ele conta que há dificuldades na adaptação. "Para estrangeiros, há entraves no acesso à saúde. [O cenário é de] precariedade. Pela alta demanda de estudantes estrangeiros, os alugueis são altos", enumera ela. Ele cruza a fronteira uma vez por mês para fazer compras em Foz do Iguaçu. Mas visitar a família, no interior de Minas, é algo que só consegue fazer uma vez por ano.

Guilherme Henrique de Sousa, que faz medicina e mora no Paraguai - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Guilherme Henrique de Sousa, que faz medicina e mora no Paraguai
Imagem: Arquivo pessoal

Sem ver navios

Quando tinha 17 anos, a paulistana Luciana Volpon Neves fez um intercâmbio pelo Rotary Club. Ficou um ano na Turquia, na cidade litorânea de Antália. "Voltei ao Brasil dizendo aos meus pais que queria morar fora. Eu queria morar um tempo na Itália", recorda-se. Os pais disseram que ela precisava primeiro estudar, ganhar dinheiro, para depois, se conseguisse viabilizar o sonho, pudesse, enfim, ir.

Apaixonada por viagens, formou-se turismóloga. E logo depois conseguiu um emprego que possibilitasse aventuras internacionais. "Saí do Brasil em outubro de 2004. Fui direto para Miami, nos Estados Unidos. Tinha arrumado um trabalho de garçonete na [empresa de cruzeiros marítimos] Royal Caribbean", conta. Entre um navio e outro, ficou nessa toada até o fim de 2008. Com uma interrupção para realizar o sonho: em 2007, morou uma temporada na Itália.

Mas havia uma âncora para Luciana logo no primeiro trabalho a bordo, ainda em 2004. "Logo que cheguei, conheci o Barry, sul-africano da Cidade do Cabo", relata. "E o Barry é meu marido. Estamos juntos há quase 16 anos."

Barry é o motivo que levou Luciana a se mudar, depois de tantos mares navegados, para a África do Sul. "Ficamos algum tempo trabalhando juntos nos cruzeiros. Depois pensamos: já é hora de parar com o navios em seguir nossa vida em terra, construir nossa vida."

Luciana Volpon Neves mora na África do Sul - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Luciana Volpon Neves mora na África do Sul
Imagem: Arquivo pessoal

Pensaram no Brasil, pensaram na Europa. Acabaram escolhendo a África do Sul. "Parecia a escolha mais viável, inclusive economicamente", conta. "Resolvemos apostar." Abriram uma empresa de turismo focada em oferecer roteiros, sobretudo em português e espanhol. Vieram os dois filhos. Aos 39 anos, Luciana já tem novas raízes bastante firmes.

Quando avalia a decisão tomada e analisa o país escolhido, a brasileira faz a ressalva de que a África do Sul — assim como o Brasil — é um país bastante heterogêneo. Na 113ª posição no ranking do IDH, a nação africana esbanja diversidades.

"Difícil falar como país, as cidades aqui são muito diferentes tanto nos problemas como nas coisas boas", argumenta. "Vou falar da Cidade do Cabo: a melhor parte de morar aqui é a natureza. É uma cidade abençoada por Deus, porque temos montanha, temos mar, temos vistas lindas de um lado para o outro, o tempo todo. Isso é maravilhoso."

"Por outro lado", prossegue ela, "tem violência, tem problemas de segurança. É um ponto que nos deixa preocupados. Não é algo que atormenta o tempo todo, mas existem problemas. A gente sempre escuta um roubo, um assalto, uma história de uma criança que sumiu, e isso é algo que pega um pouco."

Mas, para ela, o saldo é positivo. "Somos muito felizes aqui e isso ajuda muito. É uma cidade boa para criar os filhos, tão bonita e tão agradável, cheia de parques e no meio da natureza. Isso é impagável", comenta.

O paulistano Renato Guido Monteiro mora em Pequim, na China - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
O paulistano Renato Guido Monteiro mora em Pequim, na China
Imagem: Arquivo Pessoal

No caso do paulistano Renato Guido Monteiro, hoje com 32 anos, foi a carreira que o levou para o outro lado do mundo — mas também é o amor que o faz criar raízes por lá. Formando em administração de empresas, ele trabalhava com consultoria na área de tecnologia da informação em São Paulo quando recebeu uma proposta, um negócio da China: mudar-se para Beijing para trabalhar com games, fazendo as versões brasileiras dos jogos de uma empresa de lá.

"Estava querendo mudar de área de trabalho", recorda ele, que decidiu agarrar a oportunidade. "Tinha pouco conhecimento sobre a China, mas muita vontade de conhecer um país com uma cultura tão diferente da nossa. A oportunidade trabalho me animou bastante."

Cinco anos depois, segue trabalhando na mesma empresa e cada vez mais aclimatado ao país, 85º colocado segundo o IDH. Casou-se com uma chinesa, vive na região central da megalópole e se desloca bem pela cidade com sua bicicleta.

"Não vejo necessidade de ter um carro. Existem muitas coisas boas de se morar em Beijing. A segurança é uma delas: aqui não tem risco em estar andando nas ruas e de repente ser assaltado. Além disso, o transporte público é rápido, barato e eficiente", elogia.

"A maior dificuldade é a distância. O voo mais rápido que peguei para o Brasil foi de 27 horas, por Barcelona. E o preço você pode adivinhar que não é nada barato", comenta. "Os horários para falar com família e amigos também são complicados, já que o fuso aqui é 11 horas à frente."